Caricatura de Agrippino Grieco no traço de Appe.
– Acabo de vir do médico. Estou
em forma.
Acredito. Vai atravessar o século
em cima de suas fortes pernas de filho de camponeses. Rijo e narigudo. Aos
poucos, o tempo foi fazendo dele uma ilha cercada de mil epigramas e de
sessenta mil livros. Falou mal de todo mundo e todo mundo falou mal dele. Com
uma desvantagem para Grieco: falou sempre bem mal dos outros. Sempre desancou
os adversários em excelente estilo, no mais alegre e guisado estilo que alguém
já inventou para dizer mal de alguém neste país. Agora, na sua casa do Méier,
quase na marca dos oitenta anos, o velho diabo escreve, em chinelas, suas
memórias, páginas e páginas em que a vida tem um encontro com um dos homens
mais faiscantes do Brasil. São cinquenta primaveras de convivências com ideias,
homens, acontecimentos e paisagens. E todo esse mundo é passado a limpo numa
antiga máquina de escrever, espécie de mamute de parafusos e letras, mais velha
do que as próprias memórias que datilografa. Lá está ela, cansada de guerra,
sobre a mesa desarrumada de Agrippino, numa sala quieta de uma tarde de abril.
Não é propriamente uma máquina. É um serpentário. Desse piano de dizer
desaforos, que Grieco toca com um dedo só, têm saído os mais alegres ditos
deste Brasil, as melhores caricaturas em palavras já feitas por mãos nacionais.
A conversa do velho diabo tem feitio de festa italiana – bandolins,
estandartes, flores, bandeiras com as cores dos pavões e piruetas de clown. As mãos de Grieco também falam.
Seu nariz, como uma virgula enorme, marca a pontuação. Começa o show.
(...)
Caricatura de Agrippino Grieco no traço de Theo.
Ironia a domicílio
Não poupa ninguém. Nem amigos nem
parentes. Nem ele mesmo. Ao espelho, ao fazer a barba, certamente dirá coisas
de Grieco. Conta Donatello, seu filho e belo escritor abafado pelos veludos da
diplomacia:
– Em casa, sempre fomos mais ou
menos farpeados pelo velho. Depois que meu mano Francisco de Assis e eu fizemos
concurso para o Itamarati, Grieco deitou frase dizendo que “no Brasil quem não
dá para nada vai ser funcionário público, e quem não dá nem para isso vai ser
diplomata”.
Elogio da traça
Agrippino avança o nariz sobre a
parede para mostrar um sujeito também narigudo, escritor do seu agrado e do seu
convívio permanente: Eça de Queirós. Há ainda outras recordações que a vida
dependurou na sala de Agrippino, desde quadros do seu cunhado Guttman Bicho a
aquarelas compradas ao acaso de suas navegações pelo mundo, em Paris ou em
Roma, em Belém do Pará ou no Largo do Rossio. Vou caminhando por entre os muros
de livros de Grieco, os seus famosos 60 mil volumes. O Brasil, de cabo a rabo, está
nesta montanha de papel e tinta, encadernado e naftalizado. Falo das traças,
Grieco abre os braços para elogiar essas inimigas do papel:
– Não há uma Sociedade Protetora das Traças,
com planos de produção intensiva. É uma necessidade nacional, como o petróleo.
Nisso o velho diabo do Méier está
redondamente enganado. Traça que se preza não rói livro ruim. É o que garante o
romancista Herberto Sales. E eu com ele.
(...)
Os 4 grandes
Indago:
– Quais as suas grandes admirações
brasileiras de todos os tempos?
A resposta vem fácil:
– Castro Alves, José de Alencar,
Euclides da Cunha e Machado de Assis.
E é só.
(...)
Autógrafo de Agrippino Grieco (1969)
oferecido ao Prof. Luiz Antônio Barros
durante manhã de autógrafos na Livraria Ideal.
(clique na imagem para ampliar)
Verde, não
Não empresta livros. E tem um medão
danado de cachorros, embora tenha apregoado, em boa prosa, as virtudes deles. Não
aprecia verduras. É inimigo pessoal dos agriões e das alfaces. Detesta o vento
e o trovão. E crê, sem fanatismo, em coisa do além. Não que tenha visto algum
fantasma, mas por não poder explicar certos acontecimentos. E, pelas dúvidas, mantém
em seu quintal um bem regado e mimado pé de arruda. Não é verdura. É pé de coelho.
Brincadeira de morrer
Não sei por que o nome de Manuel
Bandeira entrou na conversa do Méier. Agrippino manda brasa: – Há mais de cinquenta
anos que Bandeira diz, em prosa e verso, que vai morrer. E não cumpriu a
palavra...
Em verdade, Grieco não quer, nem
de longe, a morte de Bandeira. Nem de Bandeira nem de poeta nenhum, mesmo
desses que rimam sabão com limão.
(...)
Ex-libris de Agrippino Grieco
O diabo de calças curtas
Agrippino Grieco, fluminense de
1888, quase um século de bem ler e melhor escrever. Tem espalhado talento em
tudo que escreve, em páginas definitivas, ou no fogo de artifício de seus
inigualáveis epigramas. No fundo, não quer mal a ninguém. Continua sendo o
mesmo menino da Rua Lava-Pés, o pegador de passarinhos dos campos de Paraíba do
Sul. O menino que ainda agora tantos anos passados e repassados, escuta as
noites sossegadas do Méier um rumor de águas antigas. É o rio de sua infância
que está cantando.
(CARVALHO, José Cândido.
Agrippino Grieco – O Diabo manda lembranças. In: Ninguém mata o arco-íris. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1972. p. 3-8).
Divilgação cultural
(clique na imagem para ampliar)
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Amigo Roberto,
ResponderExcluirVi hoje pela manhã, no jornal O Fluminense, a chamada para a sua conferência no Cenáculo de Letras. Farei de tudo para estar presente.
Abraços,
Eduardo
Agrippino, José Candido e Kahlmeyer... a fluminensidade estábem representada.
ResponderExcluirRoberto, Já imagino as ressonâncias intelectuais/ plurais da sua fala. Iremos todos escutar... O recinto do Cenáculo será pequeno para a reunião de tantos Ecos.
ResponderExcluirAbraços de Dalma.
Não é por que foi meu professor, não. Mas o Kahlmeyer é uma das mentes mais iluminadas que já conheci. O conteúdo das falas dele eram melhores do que os livros que trabalhávamos em sala!
ResponderExcluirPretendo ir a tal palestra, até para poder bater uma foto do lado de Kahlmeyer.
Extremamente feliz em respectivamente, ver e ler o traço de APPE e João Cândido de Carvalho. Nascido no Acre,APPE é uma referência na caricatura na América do Sul. Na revista "O Cruzeiro" nas folhas da BLOW-APPE registrou por longo período um vasto acervo. Sem dúvida foi quem mais publicou caricaturas de políticos na década de 60 e 70. Dotado de traços tanto expressionista quanto leves soube montar um estilo em que o desenho é sua assinatura. Ressalto, também o Appe pintor e escultor Tive o privilégio e prazer de como amigo e crítico de arte e curador seu conviver com o artista e apresentá-lo em palestras e inúmeras mostras individuais e coletivas no Brasil e Exterior. Entre elas uma inesquecível retrospectiva no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, na Galeria Bonino em Copacabana, Galeria Anna Maria Niemeyer na Gávea;Palais d'Artes em Paris,França; ART/BA, Buenos Aires, Argentina; Reencontre d´'Arte international Intercaraíbes, França/Antilhas/Caribé e muito muito mais.Conheci João Cândido por intermédio de Appe, a convite dele prefaciei o livro do artista editado pela Fundação de Cultura do Rio de Janeiro(RIOARTE.
ResponderExcluirParabéns
Um acepipe essa postagem. Dá vontade, muita vontade de ler Agrippino Grieco e ler mais sobre Agrippino Grieco descrito por José Cândido de Carvalho. Senti uma inveja do Luiz Antonio... que tem dedicatória e autógrafo do Agrippino. Mas é inveja boa, curtição pelo amigo confrade que possui essa relíquia.
ResponderExcluirUm grande abraço, Roberto.
Carlos Rosa Moreira.
Roberto,
ResponderExcluira programação do Blog está ótima: Portinari/Pedrosa; Affonso Romano/Carlos Rosa; Agrippino/José Cândido. Estou ansioso pela dobradinha Eco/Kahlmeyer!
Abraços,
Rocco
Ae! Este tal de Agripino eh bicho solto! Rsrsrsr
ResponderExcluirVerdade, só que no tempo dele os políticos ainda eram gente de bem, por isso não foram mencionados............................
ResponderExcluirLM
Sabe... estamos em falta de críticos como a Agrippino Grieco!
ResponderExcluirEm épocas como a dele nomes como o de Fabrtício Carpinejar não se criariam!
Época estranha a que vivemos...
Pois é.....
ExcluirMarcelo Lopes
Este tal de Fabrício Carpirnejar é um otário, um manezão!
ExcluirNão é a toa que até no nome tem "carpir", sofrível!
Anderson Lima Junior
Roberto K.M.
ResponderExcluirLi dois livros de Umberto Eco. No momento estou nas
primeiras páginas de O Cemitério de Praga. Será ótimo
ouvir sua palestra sobre esse importante autor.
Abraço do
Luiz Calheiros.
Confesso que foi uma tarefa árdua ler o O Cemitério de Praga. Ninguém pode negar a excelência do Eco,mas confesso que não está entre meus autores favoritos.
ResponderExcluirBelvedere
Prezado Roberto.
ResponderExcluirPor motivo de viagem ñ pude comparecer ao Cenáculo.
Era de meu interesse ouvir suas palavras sobre Umberto Eco, escritor que admiro e de quem estou lendo O Cemitério de Praga.
Abç.
Roberto, sua aula-palestra, ontem, no Cenáculo sobre Umberto Eco, foi magnífica!
ResponderExcluirFez um passeio pela Semiologia de modo claro e seguro. No entanto, o assunto é eivado do controvérsias. Situou o autor no contexto teórico e narrativo e pincelou, com mestria, suas obras principais. Desconheço o ensaio sobre o Feio na visão dele.
Nos estudos culturais de agora - reflexo do mundo conturbado - , pontifica a Estética do Abjeto em todos os âmbitos. A EdUFF publicou, em 2008, VALORES DO ABJETO, com fundamentos psicanalíticos, literários e históricos, coletânea organizada por Ângela Dias e Paula Glenadel.
A recente obra O Cemitério de Praga está encharcada de cenas abjetas, coprológicas e desconstrutoras. Até com ecos rabelaisianos, embora em tons diferentes. Acredito que o texto teórico sobre o Feio tangencie ou tematize essa questão.
Sugiro que dê um curso sobre o autor, tal seu acervo de informações.
Dalma
O Agrippino era tio da minha avó Wanda Regina Grieco de Souza :)
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