Um conto que fala de ruptura com certos nós que nos atam ao cotidiano (para muitos, "nós górdios")? Ou seria um texto para falar de uma decisão que nos afasta do comportamento impessoal que nos diz: "assim nós fazemos", "assim nós pensamos", "assim nós existimos", nós, nós, nós... Todos nós, ninguém.
Um texto sobre singularidade?
A árvore proibida, de Sir Edward Coley Burne-Jones. Óleo sobre tela. (1882)

Quando me
dispus a romper os nós que me atavam a um universo frágil e vazio, senti que a
tarefa seria hercúlea. Não me acovardei. Foi como se montasse um cavalo alado e
vislumbrasse paisagens que certamente reformulariam o roteiro de minha
existência.
Deixei tudo
para trás, não me importando se em meu ato havia ingratidão, frieza ou maldade.
Dispensei autojulgamentos. Transformação era o que desejava, não o prejuízo de
quem quer que fosse. Fui taxada como a desagregadora de lar. Logo eu, que
sempre fui a boazinha, acalmando ânimos, aparando arestas... Cansei!
Saí do
apartamento, deixei livre meu marido, pedi aos filhos que tomassem seu rumo. Queria
viver a minha história, não mais a deles.
Comprei um
chalé na serra e nunca senti vontade de enviar endereço a ninguém. Risquei da
agenda todos os contatos. Rompi com o exterior, estafante em sua mesmice. Sinto
o ar puro, o aroma desse verde sem fim.
Explosão de
plenitude.
Que satisfação
cortar minha cabeleira e abolir tinturas! Dar um basta aos salões, academias,
shoppings! Caminhar sem preocupações, exercitando livremente o direito de estar
em paz comigo mesma.
Como prezo a
liberdade! Ler, escrever bobagens, não
pensar no amanhã!
Nenhuma
saudade do passado. Não me lembro de coisas nem pessoas. Sempre tive certeza de
que esse negócio de amor materno era mito, daí ter sido fácil, também,
desvencilhar-me de meus filhos. Marido é como objeto, que permanece ao nosso
lado enquanto tem função definida. Lamento apenas o tempo que perdi.
Serei, no
íntimo, uma pessoa fria, sem vínculos afetivos? Não sei, nem quero analisar o
fato. Estou feliz como nunca estive em minha vida. Não é a felicidade a meta do
ser humano.
Se sinto falta
de amor? O amor está no ar, é só questão de compreender que não é
imprescindível a tão propalada simbiose.
Hum... a
campainha está tocando. Que maravilha sempre saber quem é! A tal estabilidade
que afaga, diferente daquela que esmaga. Hoje, celebraremos cinco anos da
ruptura dos nós, que deu origem a um viver pleno de delícias!
Divulgação
Cultural
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