sábado, 24 de dezembro de 2011

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

"Um livro na sua árvore de natal", Dalcídio Jurandir



Em 2007, José Roberto Freire Pereira, filho do escritor paraense Dalcídio Jurandir, me passou um recorte de jornal datado de 1973 contendo um artigo do pai. Já era a época em que se via as lojas enfeitadas e cânticos natalinos em cada casa.
Inspirado pelo artigo de Dalcídio, passei a parodiá-lo naquele fim de ano escrevendo algo parecido. Tratava-se de escritos de retrospectiva sobre tudo que havia sido lançado em termos de literatura. Isso foi feito em 2008, 2009 e 2010, no espaço  da distinta coluna Artes Fluminenses, assinada por Luís Antônio Pimentel, no Jornal A Tribuna.
Em 2011, julguei importante republicar o texto de Dalcídio. Ecce homo (datado? Não, atualíssimo):



 
Um livro na sua árvore de natal,
  
                                                                                                                                Dalcídio Jurandir

- Que presente vai me dar, este Natal? Uma cesta, um perfume, aquele colar que vimos juntos na vitrina?
- Não. Um livro.
- Mas livro?!
Entraram na livraria, o rapaz pediu o Pequeno Príncipe, de Exupéry e deu a ela:
- Pra começo de conversa e de Natal. Principie.
- Príncipe? Príncipe o que?
- A ler, menina! Comece pelo Príncipe.
Certo é que perfume, colar, a meia, tão habituais ao Natal, não temem concorrência de livro. Nem as grandes cestas que parecem cargas lotando a sala de jantar próspera ou as mais discretas, por mais baratas, que vão para o subúrbio, velha encomenda pensada há meses. As coisas, como presentes, ainda só valem pelo brilho, quantidade e preço.
Embora caro e nunca necessário quanto o arroz e o feijão, ou mesmo a castanha, o livro custa menos que a gravata e dura mais que o perfume e o sabonete
Passarão os Natais e aquela moça há de encontrar na sua casa, relido ou esquecido, mas constante, o livrinho comprado de circunstância que lhe falará sempre de um Príncipe e de suas sutis aventuras. O rapaz poupou o bolso praticando um bom-gosto, atreveu-se a entrar na livraria ao invés de entrar na perfumaria. E isso há dez anos não era assim.
Não era hábito de Natal fazer presente de livro, coitado do livro ali na montra cinzenta, entre o tédio do caixeiro e a solidariedade poeirenta dos outros livros, seus companheiros de solidão e abandono.
Agora o desamparado é confiado a uma embalagem, e tome papel colorido e tome laço de fita, aparece na vitrina, num ar festivo, como caixa de presente. Vem aos poucos ganhando seu lugar de Natal e Ano Bom.
Os novos tempos sopraram o velho pó das montras e sacodem o embaraço de quem quer dar um presente: Que tal um livro? Barato, fino, lisonjeia quem dá e quem recebe. Vamos ao livro.


A eletrônica sugere um presente

Se menino quer brinquedo, o técnico espera aquele livro que vive namorando, o Eletrônica Aplicada e convém que seu amigo se lembre disso e apareça com o presente. E há professores e estudantes que desejariam ganhar, neste Natal, aquele Evolução da Física, de Einstein e Infeld, que custa apenas setecentos cruzeiros. É possível que a estudante de faculdade de filosofia vacile entre a pulseira e o A Origem da Terra que a preocupa nas suas aulas. Aqui esse moço parou diante da vitrina, lendo A Mecânica do Cérebro e sua curiosidade é compreensível, estuda psicologia e confia que o amigo lhe apareça em pleno Natal com o desejado volume. E não custa experimentar mandar de presente a um técnico de carros aquele Manual do Volkswagem.


A ilustração como presente de festa

Ilustrar-se é uma antiga aspiração popular, ilustrar-se naquele sentido de ler um almanaque, ler curiosidades, folhear um dicionário. Como presente de Natal, a ilustração reserva muito atrativo. Por exemplo, O Livro da Natureza, o Deuses, Túmulos e Sábios, as fartas enciclopédias, Milagres da Novocaína e o persuasivo Vença a Alergia a quatrocentos cruzeiros. E para maior resistência da ilustração, bom presente é a História da Liberdade no Brasil, de Viriato Correia.
Podemos ir aos preços mais altos, como a Enciclopédia de Arte, da editora Martins, a sete mil cruzeiros, as coleções da Cultrix - Histórias e Paisagens do Brasil - vários volumes, a seis e quinhentos ou a História das Invenções, e pode-se chegar a este: Sexo: perguntas e respostas, Guia para um casamento feliz ou mandar embrulhar, como presente, o Amor e Capitalismo, de Cláudio de Araújo Lima.


Pendure a ficção na sua árvore

Se tem árvore, não hesite, tome o rumo da livraria e veja o desfile da ficção brasileira um pouco ansiosa de virar presente, um pouco ainda envergonhada, mas que diabo! Não faz mal sair num embrulho lindo, ser pendurada na árvore ou discretamente entregue ao amigo:
Convém ler a ficção nacional, senhores que gostam de dar presentes de festas, convém! Por exemplo, aqui temos o segundo volume de Marques Rebelo, A Mudança, e aí você encontra o Rio em excelente prosa; mande embrulhar também o Maria de Cada Porto, de Moacir Lopes, não esqueça Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, O Vento do Amanhecer em Macambira, de José Condé, Matéria de Memória, de Carlos Heitor Cony, o Corpo Vivo, de Adonias Filho, Serras Azuis, de Geraldo França de Lima, o Ganga-Zumba, de João Felício dos Santos, o Arquipélago, de Érico Veríssimo, a coleção Graciliano Ramos numa verdadeira embalagem de Natal, todo o José Lins do Rego.
Entre a quantidade dos presentes nunca será demais A Comédia Humana, de Balzac, da editora Globo, ou a coleção Dostoievski, da José Olympio, o Guerra e Paz, de Tolstoi ou Grandes Esperanças, de Dickens. E será bom incluir no roteiro uma visita a Machado de Assis, seus livros devem estar em toda estante; e fazemos questão de lembrar que há um romance indispensável para presente: o Triste Fim de Policarpo Quaresma, do carioca Lima Barreto.
Por outro lado, os que gostam da velha aventura podem ainda ler o Alexandre Dumas em Os Três Mosqueteiros e O Colar da Rainha e a coluna maciça dos romances policiais – mas sempre livro.


A hora da poesia

Em matéria de poesia é seguir os bons poetas e a Aguilar pode dar de presente o Fernando Pessoa em volume muito digno. Mas não esquecer, leitora da grama em Del Castilho, defronte do conjunto residencial, que bom presente é também As Primaveras, de Casimiro de Abreu, ou as Espumas Flutuantes, de Castro Alves, ou, então, o Terceira Feira, de João Cabral de Melo Neto.
Não fica aí a sugestão, porque outros poetas estão ao nosso alcance, neste Natal: Lição de Coisas, de Carlos Drummond de Andrade, Para Viver um Grande Amor, de Vinicius de Moraes, O País do Não Chove, de Homero Homem e o Violão de Rua. Estão à sua espera, que é comprar, levar e o presente valeu por toda vida.
 
 
Miudeza também é presente

Os mais modestos não desejam os livros mais ricos ou os mais sábios e sim aqueles, por exemplo, da coleção “Como Se Faz...", "Como Se Vence”, onde é fácil encontrar para um presentinho despretensioso, o Arte de Fazer Amigos, o Aprenda a Conversar, Como emagrecer comendo e tudo a preço camarada.
Informações úteis, como presente, é uma boa sugestão de Natal e Ano Bom; este, por exemplo, Da Tabela Price ou Conheça seus Direitos, além do Aprenda a Nadar Corretamente e mande a seu amigo um “Manual de Judô”, sempre é livro.
Para um distante amigo da roça, não será bom mandar de presente o Lições Práticas de Avicultura? A um que se empenha no esoterismo, mande esse volume aqui, solene, por nome Cabala.


Os livros sérios
Todo livro é sério e creio que nada mais sério do que um livro de poesia. Mas aqui os sérios são os livros de fisionomia grave como, por exemplo, o Reflexões sobre a História, de Burckhardt, o Pré-Revolução Brasileira, de Celso Furtado, A Inflação Brasileira, de 1820 a 1958, a Coleção Saber, com mais de cinquenta volumes, o Princípios de Planejamento Econômico, o Manual de Economia Política, da Editorial Vitória, o Formação Histórica do Brasil, de Nelson Werneck Sodré, os livros da coleção Brasiliana, o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz da Câmara Cascudo, o Cristianismo Hoje, da editora Universitária, a preços que variam de trezentos e setecentos.
Cabe incluir, pela atualidade, o Política Externa Independente, de Santiago Dantas. Um Hatha-Yoga é um presente de Natal a amigo que cultiva essa transcendente matéria. E em meio a tamanha seriedade de livros, não esquecer que o Natal e Ano Bom reclamam livros de cozinha, este, por exemplo, Prenda Seu Marido... Cozinhando.
Agora, noutra escala, a da crítica, temos dois presentes de significação: A Glória de César e o Punhal de Brutus, de Álvaro Lins, e o Laboratório Poético de Cassiano Ricardo, de Osvaldino Marques.


“Homenzinho na Ventania"

A Editora do Autor lançou uma nova coleção de presentes: A Mulher do Vizinho, de Fernando Sabino, A Bolsa e a Vida, de Carlos Drummond de Andrade, o O Retrato na Gaveta, de Otto Lara Rezende e Homenzinho na Ventania, de Paulo Mendes Campos.
Outro presente de festas é o Banho de Cheiro, de Eneida, os “Cadernos do Povo Brasileiro”, da Civilização Brasileira, o álbum de Portinari, a coleção Les plus beaux: insetos, borboletas, cães, o El Greco, o Picasso, o Caribe.
Para um político, bom presente é Vida de Virgílio de Melo Franco, de Carolina Nabuco. Temos depois, ou antes, os livros sobre futebol: Copa do Mundo, de Mário Filho e Drama dos Bi-Campeões, de Armando Nogueira e Araújo Neto.
E do assunto Pelé, podemos chegar ao assunto teatro e apanhar da Aguilar o Bodas de Sangue, de Federico Garcia Lorca, chegando, ainda, ao Pagador de Promessas e A Invasão, de Dias Gomes. E a um amigo curioso da África, mande África - as raízes da revolta, e sobre Fidel, o ainda atual A Verdade sobre Cuba.
Um político pode receber para ensinamento a toda hora, o História das Lutas Sociais no Brasil, de Everardo Dias, e a outro que queira ter um bom santo na sua estante não é mau lhe oferecer As Confissões de Santo Agostinho.


O mundo maravilhoso gira em torno de Monteiro Lobato


No Brasil, a história para criança continua a girar em torno de Monteiro Lobato. Os meninos continuam a ver no mestre o avô contador de histórias. Por isso, chovem os livros de Monteiro Lobato nos sapatos, na noite de Natal, e com ele os outros livros, os outros autores, o cortejo dos bichos e fadas e tudo que é o faz-de-conta e o encantado e o que é ainda bom de contar às crianças.
Aqui, o presente é mais numeroso e vale a pena. Preferível este Na Região dos Peixes Fosforescentes ou a Coleção para Jovens, da editora Brasiliense, que o revolverzinho de bandido...
Mas não só menino necessita de livro. Gente grande também. E agora Natal e Ano Bom é a ocasião de fazer do livro um bom, e até bem barato, entre coisas tão caras, presentes de festas.




terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Encerramento do ano literário em Niterói com o lançamento do próximo número de "Literato - O Jornal das Letras de Niterói"




Convite:

 Literato - O Jornal das Letras de Niterói (n. 07, dezembro de 2011), será lançado no Calçadão da Cultura, Livraria Ideal (Rua Visconde de Itaboraí, 222, Centro, Niterói), na próxima quinta-feira, dia 22 de dezembro às 10h.

Com o lançamento, se encerra o ano literário de nossa cidade.

A Livraria Ideal doará livros durante a reunião festiva

Aproveitamos para agradecer à Secretaria Municipal de Cultura,
à Fundação de Artes Municipal e à Imprensa Oficial do Rio de Janeiro pelo apoio na edição de mais este número de Literato.


Por favor, repassem e compareçam.
A entrada é franca e a presença é grata.

 


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

“Coisas do amor”, crônica fluminense de Agenor Filho




Cidade de Bom Jardim nos idos de 1950,
foto da capa de A casa dos avós (Biblioteca 24x7, 2008), de Agenor Filho.


Coisas do amor



Fim das férias de Rodrigo na roça, no dia de embarcar para o Rio de Janeiro, foi para a casa da sua tia Lenira, em Bom Jardim. A empregada da casa, Sônia, que tinha muitas amizades, anunciou ao Rodrigo que uma amiga dela viria visitá-la e ela queria apresentá-la. Lenira, que já sabia quem era a moça que viria à sua casa era a Anunciação, antecipou que se tratava de uma pessoa maravilhosa. Ele sentiu o coração bater mais rápido e as pontas dos dedos geladas. Quando ela chegou, procurou por Sônia, que a conduziu para a sala onde estava Rodrigo, fez as apresentações, participou inicialmente da conversa e, em seguida, pediu licença para retirar-se e os dois ficaram as sós.
Anunciação comentou que ele deveria gostar muito do sítio, pois não tinha tido tempo de vir passear na cidade. Rodrigo disse que morava há dez anos no Rio e que ainda não se adaptara aos centros urbanos e, para ele, o Rio de Janeiro e Bom Jardim eram a mesma coisa. Ela achou a comparação exagerada.
Continuando, ele comentou que passeou pela região rural, visitando os sítios de amigos e parentes e que o último passeio fora a cavalo na Serra do Arrasto, onde pegou um temporal violento com chuvas e ventos fortes, além de raios que assustaram os cavalos.
Até aquele momento, cada um estava sentado em uma poltrona, com um sofá entre eles. Rodrigo sentiu atração de ficar perto dela, então, levantou-se da poltrona, sentou-se no sofá, indicou com a mão o local em que ela deveria sentar-se, bem junto a ele. Aceitando o convite, levantou-se sorrindo e ele contemplou os seus lindos olhos azuis, que, naquele momento, pareciam ainda mais azuis e mais lindos, sentou-se ao seu lado. A vontade de ambos é que aquele momento se eternizasse. A seguir, a tia entrou na sala, serviu um cafezinho e avisou que poderiam deixar as xícaras na bandeja que, mais tarde, ela viria buscá-las. Isto significava que ela não voltaria a interromper.
Retornaram à conversa sem assunto, o silêncio e a aproximação terna excluíam as palavras. Tempos depois a tia voltou à sala dizendo que não queria interromper nada, mas tinha que lembrar que estava chegando à hora do trem. Ela era maravilhosa, mas as palavras dela quebraram o encanto. Ora, que lembrança dolorosa exclamou! Mas a tia informou que, para que eles tivessem mais tempo de conversar, ela arrumara a mala. Anunciação disse que já ia se retirar, ele a acompanhou até o portão, ficou contemplando-a até dobrar a esquina e disse para si mesmo que, se não bastassem tantas qualidades, ainda tinha a elegância no andar.
Enfim, pegou sua mala e caminhou para a estação. Quando passava em frente à Casa Erthal, um senhor chamou-o pelo nome do pai, abordando-o e desculpando-se por chamá-lo por aquele nome, pois não sabia o nome dele. Ele disse que acertara, pois era xará do pai. O senhor apresentou-se como Gilberto, gerente da Casa Erthal. Falou sobre a amizade dele com seu pai, inclusive relembrando as lutas políticas do passado, e perguntou qual era a filiação política atual do velho companheiro. O jovem informou que o pai era da UDN e Gilberto ficou feliz em saber que ele e o amigo ainda eram correligionários.
Quando Anunciação estava passando do outro lado da rua, Gilberto disse que aquela moça era filha dele, o novo amigo disse que a conhecera há pouco na casa da tia Lenira, só não disse que o cupido o flechara. Gilberto disse que ele nomeara a filha sua secretária e ela se nomeara chefe dele, a seguir ela veio ao encontro deles e lembrou que era hora dele retornar para o trabalho e o trem estava para chegar. Ambos dirigiram-se à moça, Rodrigo para despedir-se e Gilberto para acompanhá-la.
Rodrigo sentiu muita vontade de beijá-la nas faces, mas naquela época, em uma cidade do interior, se um rapaz publicamente beijasse as faces de uma moça, a família dela o obrigaria a casar-se imediatamente. Sob a contemplação do pai, se despediram com um aperto de mão e um abraço distante. Ele, fazendo força para esconder sua tristeza, disse que queria que nesse dia não tivesse trem, mas o pai comentou que isto não aconteceria, pois o trem já estava em Cordeiro. Rodrigo pensou: o homem não o deixou sonhar nem por um momento. E parecia que seu Gilberto estava começando a entender alguma coisa.
Rodrigo, sentado no banco da estação, sonhava com a possibilidade de não haver trem naquele dia e o seu atraso aumentava sua leve esperança de não ir embora. A seguir, o sino da estação badalou, anunciando que o trem estava próximo. Ele sentiu uma fisgada no coração e, antes que se refizesse, a máquina surgiu veloz e apitando na curva. Ele sentiu um frio na barriga e o trem foi chegando ruidosamente. Ele pegou sua bagagem e embarcou, e o sino foi outra vez badalado para anunciar, desta vez, que o trem partiria. A seguir, ouviu-se o trilar de um apito, era o chefe ordenando que maquinista partisse, ele respondeu com um apito breve e começou a botar a composição em movimento, tão suavemente que quase não se percebia que estava andando. Depois, ele seguia lentamente pelas ruas da cidade, batendo sino e apitando com freqüência. O repicar do sino e o apitar da máquina eram bonitos e tristes. Rodrigo, sentado junto à janela, gostava de ver a máquina quando entrava nas curvas O trem custou muito a subir a Serra de Conselheiro Paulino, os passageiros estavam ansiosos para que ele chegasse a Nova Friburgo a tempo de engatar no trem rápido e seguir. Se não chegasse, teria que esperar quatro horas até aparecer outra locomotiva e não chegou.
Rodrigo, entediado e já morrendo de saudades, não sabia o que fazer para passar aquele tempo, que parecia uma eternidade. A seguir, ouviu o som de um acordeom que tocava La Cumparsita. Sentou-se ao lado do músico e ficou curtindo sua saudade e tédio. Acabada a música, ele deu uma gorjeta e pediu bis, e foi dando gorjeta e pedindo bis, até que o músico sugeriu outros tangos. Ele aceitou e ouviu tantas músicas que lhe pareceu que o tempo passou rápido. O sino da estação badalou avisando o passageiro que o trem iria sair, o apito do chefe trilou ordenando ao maquinista que partisse, ele partiu lentamente e foi pelas ruas de Nova Friburgo badalando o sino e constantemente dando apitos breves. Quando o trem chegou ao Rio de Janeiro, já eram dez horas da noite.
No dia seguinte, teria que voltar ao trabalho. Ele já foi para o serviço contando os dias para terminar o ano e voltar a sua cidade, rever o seu amor e refazer um namoro que nem chegou a começar. Mas Sônia, que viera para casa de sua mãe para ajudá-la, estava sempre atenta aos suspiros do Rodrigo, cada vez que ele suspirava, ela dizia que era pela Anunciação. Sônia tinha bem-guardado o retrato dela, de vez em quando ela o mostrava, mas não o deixava botar a mão nele. Só podia ver de longe. Chegou a ocasião de Rodrigo servir o Exército e aquele ano foi atípico para a vida militar. Houve muitas crises e as Forças Armadas entravam constantemente em prontidão rigorosa e o período do serviço militar acabou se alongando além de um ano, sufocando o período de férias. O pessoal para ser liberado do Exército tinha que aguardar que os soldados recrutas ficassem prontos para o combate. Quando isto aconteceu, eles foram liberados e tiveram que se apresentar, imediatamente, às empresas em que trabalhavam e a viagem tão esperada não aconteceu. No ano seguinte, ele viajou para a sua cidade, mas Anunciação já era noiva. Ele não a viu. No outro ano, quando ele foi, ela já tinha casado.
Só voltaram a encontrarem-se 50 anos depois. Ele foi assistir à missa de aniversário de 90 anos da mãe da Anunciação, que, nessa ocasião, ele já sabia que ela era sua mãe de leite. Quando a família numerosa estava na porta da igreja, esperando o momento de entrar, Anunciação veio ao seu encontro para cumprimentá-lo. Ele disse: Veja o que o destino fez conosco. Ela perguntou se ele era feliz, ele respondeu que sim. Ela concluiu que, se ambos somos felizes, o destino não fez nada contra nós, porque ele nada pode, é Deus quem pode tudo.