sábado, 14 de abril de 2012

"Balada do Cavalão" - Poema de Vinícius de Moraes para Niterói


A ideia de cordialidade (esboçada por Ribeiro Couto, apropriada por Gilberto Freyre e formulada sob os rigores da ciência por Sérgio Buarque de Hollanda), tem sua síntese e corporificação  no nome Francisco Tomasco de Albuquerque. Vice-presidente do Instituto Histórico Geográfico de Niterói, presidente do Círculo Monárquico de Niterói, além de membro de inúmeras instituições acadêmico-literárias do Brasil, o pesquisador não é apenas versado in litteris et artibus, mas também no protocolo do bem receber. Quem já desfrutou do privilégio de visitar sua bela residência no bairro de São Francisco, em Niterói, certamente teve oportunidade de conhecer sua esplêndida  biblioteca de história (mapoteca em anexo) e de gozar da bela vista das praias de São Francisco e Charitas pela janela de sua ampla sala.
Comovido pela vista do morro do Cavalão e pela generosidade tipicamente mineira do casal Tomasco, minha maneira de agradecer a cordial acolhida nesta tarde de sábado é reproduzir, na postagem de hoje, a poesia que Vinícius de Moraes fez para o belíssimo mirante no qual residem o Professor Francisco Tomasco de Albuquerque  e sua esposa Marcia. 


Com toda dedicação e simpatia

Roberto Kahlmeyer-Mertens



Vista da praia de São Francisco do Morro do Cavalão


Balada do Cavalão




A tarde morre bem tarde
No morro do Cavalão...
Tem um poder de sossego.
Dentro do meu coração
Quanto sangue derramado!

Balança, rede, balança...

Susana deixou minha alma
Numa grande confusão
Seu berço ficou vazio
No morro do Cavalão:
Pequena estrela da tarde.

Ah, gosto da minha vida
Sangue da minha paixão!

Levou o anjo o outro anjo
Da saudade de seu pai
Susana foi de avião
Com quinze dias de idade
Batendo todos os recordes!

Que tarde que a tarde cai!

Poeta, diz teu anseio
Que o santo te satisfaz:
Queria fazer mais um filho
Queria tanto ser pai!

Voam cardumes de aves
No cristal rosa do ar.
Vontade de ser levado
Pelas correntes do mar
Para um grande mar de sangue!

E a vida passa depressa
No morro do Cavalão
Entre tantas flores, tantas
Flores tontas, parasitas
Parasitas da nação.

Quanta garrafa vazia
Quanto limão pelo chão!
Menina, me diz um verso
Bem cheio de ingratidão?
- Era uma vez um poeta
No morro do Cavalão
Tantas fez que a dor-de-corno
Bateu com ele no chão
Arrastou ele nas pedras
Espremeu seu coração
Que pensa usted que saiu?
Saiu cachaça e limão.

Susana nasceu morena
E é Mello Moraes também:
É minha filha pequena
Tão boa de querer bem!

Oh, Saco de São Francisco
Que eu avisto a cavaleiro
Do morro do Cavalão!
(O Saco de São Francisco
Xavier não chama não
Há de ser sempre de Assis:
São Francisco Xavier
É nome de uma estação)
Onde está minha alegria
Meus amores onde estão?

A casa das mil janelas
É a casa do meu irmão
Lá dentro me esperam elas
Que dormem cedo com medo
    Da trinca do Cavalão.

Balança, rede, balança...




Divulgação Cultural
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sexta-feira, 13 de abril de 2012

A “fluminensidade” novamente em pauta


Provando que a ideia de uma identidade fluminense não é provincianismo, o escritor Gilson Rangel Rolim, explora com proficiência a temática na postagem de hoje.





RJ – Identidade em questão




Devo dizer, inicialmente, que sou fluminense por escolha. Vindo do sul do Espírito Santo na primeira infância, aí pelo início dos anos 1930, por todo o resto de meus quase oitenta anos tenho vivido na Velha Província; em Niterói, por quase todo esse tempo. Portanto, com muito orgulho, me considero fluminense e, mais particularmente, niteroiense.

Não tem esta palestra a intenção de acirrar as divergências históricas que, de forma latente, às vezes dominam os fluminenses da capital (cariocas) e os das demais regiões do estado. O escopo deste trabalho é tecer algumas considerações sobre as origens deste nosso Rio de Janeiro, a partir da chegada do portugueses ao Cabo de S. Tomé (município de Campos dos Goytacazes) em 21 de dezembro de 1501, dez dias antes de chegarem à Baía de Guanabara.

Reconheço que o fato de ter sido o centro do poder no Brasil por quase duzentos anos (de 1763, com a transferência da capital de Bahia para a cidade do Rio de Janeiro, a 1960, quando Brasília passou a capital do País) deu à hoje capital de nosso estado, uma hegemonia cultural inquestionável, na região e no país.Tal hegemonia, entretanto, não se estendia  ao resto da província, salvo durante o período em que a cultura cafeeira predominava no interior do Rio de Janeiro, isso em boa parte do século XIX, durante o período imperial. As velhas fazendas localizadas em municípios do Vale do Paraíba são a memória viva desses tempos.

O gentílico fluminense, vindo do original latino flumen, que significa rio, era o adotado por toda a população do Rio de Janeiro, da cidade e do restante da província. A partir de 1834, com a criação do Município Neutro (a Corte), o termo carioca, de origem indígena, significando, segundo alguns estudiosos, casa de branco, passou a designar seus habitantes. Já o gentílico fluminense ficou para referência aos demais habitantes da província. Contudo, por força da tradição, a designação fluminense continuou prevalecendo, mesmo para a Corte, cuja elite era chamada de sociedade fluminense, não só pelo grande Machado de Assis como pelos demais escritores da época. O próprio Machado deu a alguns de seus trabalhos o título de “Contos fluminenses”. O clube Fluminense, que entre seus apaixonados torcedores tinha o grande escritor Nelson Rodrigues, e tem o nosso estimado confrade Wanderlino, ganhou esse nome devido à tradição e a beleza de nosso gentílico. O termo carioca passou a predominar na cidade do Rio de Janeiro com o advento da República, devido a seu crescimento econômico e político, coincidindo com a decadência da cafeicultura do interior, situação que pôs em segundo plano a Província Fluminense, já então transformada em estado, usualmente chamado de Estado do Rio.

Até aqui eu não justifiquei a razão do título desta palestra: RJ – Identidade em questão. Por isso mesmo vou prosseguir nas considerações e, estou certo, justificarei o título.

É fora de dúvida que a cidade do Rio de Janeiro e o território do estado a que pertence tiveram origem histórica na mesma época. Dez dias antes que a expedição portuguesa comandada por Gaspar de Lemos, tendo em sua companhia o navegador Américo Vespucio, descobrisse a baía de Guanabara (a leste, Niterói; e a oeste, o Rio de Janeiro) em 1º de janeiro de 1502, já o território fluminense (podemos assim chamá-lo) fora descoberto por essa expedição, que já chegara ao Cabo de S. Tomé (município de Campos, hoje dos Goytacazes), em 21 de dezembro de 1501. Prosseguindo, a expedição chegou a Angra dos Reis, a 6 de janeiro de 1502.  Se acrescentarmos que em 1503 uma outra expedição, esta comandada por Gonçalo Coelho, descobriu Cabo Frio, no local onde hoje está o município de Arraial do Cabo, veremos que o território do Rio de Janeiro é uno desde os primórdios.

Por todo o tempo que se seguiu à fundação da cidade do Rio de Janeiro, em 1565, a colonização feita nas antigas capitanias de S.Tomé (de Pero Góis da Silveira) e S. Vicente (de Martim Afonso de Souza), que constituíam o território da província, foi feita sem que houvesse separação entre a cidade e as demais vilas e povoados. Em 1808, quando da chegada da Corte Portuguesa, D. João VI à frente, o Rio de Janeiro tinha duas cidades (Rio e Cabo Frio) e seis vilas (Angra dos Reis, Parati, Magé, Macacu, Campos dos Goytacazes   também chamada S. Salvador e S. Gonçalo). Niterói só viria a ser considerada vila em 1819, com o nome de Vila Real da Praia Grande. Como território uno o Rio de Janeiro permaneceu até 1834 quando, pelo ato adicional de 12 de agosto de 1834, foi criado o Município Neutro, no espaço onde hoje se localiza a cidade do Rio de Janeiro. A partir de então, a província fluminense viu-se seccionada, tendo como capital a cidade de Niterói; o município neutro passou a sediar a Corte, o governo do País.

Tem início aí a questão da personalidade da província/estado do Rio de Janeiro. Emancipada, já não mais integrando o território fluminense, a cidade do Rio de Janeiro com sua importância de capital do Império estabeleceu, mais que geograficamente, uma separação cultural com o restante da província. È certo que, como ressaltei anteriormente, a província fluminense por força de sua economia cafeeira mantinha uma posição de destaque na política brasileira, tendo como vultos de destaque figuras como Evaristo da Veiga, Gonçalves Ledo, Paulino José Soares de Sousa (Visconde do Uruguai), Joaquim José Rodrigues (Visconde de Itaboraí), Benjamin Constant e Silva Jardim, entre tantos outros. Todavia, como já mencionado, enquanto a cidade do Rio de Janeiro caminhava para o desenvolvimento econômico e cultural, sobretudo a partir da queda do império, o Rio de Janeiro, estado, entrava em fase de estagnação econômica. Era natural, pois, que o gentílico carioca assumisse lugar de destaque, deixando em segundo plano o tradicional fluminense.

Para a província e, mais tarde, Estado do Rio de Janeiro, o fato de ser uma extensão da capital do País (pejorativamente, seu quintal), não lhe causava maiores constrangimentos. Afinal, em seu histórico território, localizava-se o centro político e cultural do Brasil. Todavia, com a transferência da capital para Brasília, em 1960, e a criação do Estado da Guanabara, aquela condição de quase colônia do Estado do Rio de Janeiro passou a ser inaceitável. Do ponto de vista político, a mudança da capital foi altamente vantajosa para o estado recém-criado (custo dos serviços essenciais por conta da União, aplicação de imposto estadual (IVC) em um único município, etc.). Ao Estado do Rio, como assim era chamado, apesar de sua condição de extensão da capital do País, nenhuma compensação. A circunstância de ter municípios próximos ao Rio (Niterói, S.Gonçalo, Duque de Caixas e Nova Iguaçu, principalmente) com populações crescentes, tornava o Estado da Guanabara favorecido com a participação tributária dessas populações através da predominância da economia carioca. É importante observar que, não obstante esta circunstância, o Estado da Guanabara era dependente do Estado do Rio quanto a água, energia e hortifrutigranjeiros. Os quinze anos de existência do novo estado coincidiram com o surgimento do que se pode chamar Rio Metropolitano (a cidade do Rio e suas vizinhas), com problemas comuns que ultrapassavam os limites político-administrativos estabelecidos. Outra circunstância a considerar foi o surgimento no início dos anos 1970, na região de Macaé e Campos, dos campos petrolíferos que viriam a mudar todo panorama econômico do território fluminense como um todo,  proporcionando ao Estado do Rio a retomada de seu crescimento econômico. Sem entrar no mérito da decisão política adotada ou a legitimidade do governo federal de então, devemos reconhecer a perspicácia do General Geisel que, percebendo a inconveniência de manter duas unidades federativas num território que jamais deveria ser separado, decidiu reunificar o Estado do Rio de Janeiro, em 1975, no que foi conhecido como Fusão.

Lideranças políticas e sociais, e mesmo populares, tanto da cidade do Rio de Janeiro quanto do Estado do Rio posicionaram-se contrariamente à Fusão, que eu chamo de reintegração territorial fluminense, alegando que as populações não haviam sido consultadas.  Era uma fraca alegação. Conforme tive oportunidade de me manifestar em artigo publicado no Jornal do Brasil em maio de 2005, por ocasião de uma campanha pela desfusão, não houve consulta quando do desmembramento, em 1834; não houve em 1889, quando da transformação do Município Neutro em Distrito Federal; também não houve quando da criação do Estado da Guanabara. Logo, para restaurar a integridade territorial fluminense não fazia sentido realizar uma consulta à população. Aliás, essa tentativa de desfusão partiu de certos setores da elite bairrista carioca, que se recusam a admitir-se fluminenses, e foi acompanhada por setores do velho Estado do Rio, com justificativas provincianas.

Assim foi que por quase cento e quarenta e um anos, a identidade do Rio de Janeiro, quer como província, quer como estado, esteve dividida entre o gentílico fluminense, das tradições da Velha Província, e o carioca, da metrópole, capital do País. Desta forma, por força de sua condição de centro cultural do Brasil, o bairrismo carioca aflorou a ponto de, através de seus meios de comunicação (jornais, principalmente), colocar em condição subalterna o velho Estado do Rio.

Em todos os estados, os habitantes de suas capitais tem orgulho de dizer-se do ESTADO, mineiros, paulistas, gaúchos, pernambucanos e os demais. Apenas aqui, os da capital esquivam-se de dizer-se fluminenses, preferindo realçar sua condição de cariocas. O pior é que, por influência da mídia, e por ignorância às vezes, muitos dos habitantes da região metropolitana parecem envergonhados de se dizerem niteroienses, gonçalenses, caxienses ou iguaçuanos; chegam a orgulhar-se de se dizerem cariocas. Apenas mais recentemente, quando já temos trinta e quatro anos de reunificação territorial, é que o gentílico fluminense começa a ganhar força; não obstante, certas atividades de âmbito estadual ainda são chamadas erradamente de cariocas.

Desejo enfatizar que o objetivo de meu questionamento é levantar a bandeira da verdadeira identidade dos habitantes do Estado do Rio de Janeiro. Somos todos fluminenses, do Rio, de Campos, de Niterói, de Resende, de Petrópolis, de Itaperuna e dos demais municípios. Observei que a tentativa de relegar o gentílico fluminense a segundo plano surgiu logo após a Fusão. Observem o que aconteceu com as entidades esportivas, a começar pelo futebol: em vez de Federação Fluminense de Futebol, a exemplo da paulista, da mineira, da gaúcha e as dos demais estados, Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ); o mesmo ocorreu com os outros esportes. E na política? Não foram poucas as vezes em que escrevi para jornais contestando a designação “deputado carioca” e “senador carioca” para referência aos representantes de nosso estado no Congresso Nacional.

Não me move qualquer sentimento de aversão aos coestaduanos cariocas. O que eu combato é o uso do gentílico carioca no lugar do belo e tradicional gentílico fluminense, que por direito aplica-se às pessoas e coisas do Estado do Rio de Janeiro. Se outrora a expressão “cariocas e fluminenses” fazia sentido, hoje não mais. Usá-la hoje seria admitir a existência de duas comunidades sob uma federação.

Finalizo com uma declaração de amor a esta cidade de Niterói, de tão belas tradições e tantas belezas naturais, em que vivo por tantas décadas. Não obstante essa benquerença a nossa “cidade sorriso”, reconheço que, enquanto capital da Velha Província, o era apenas de direito, pois a capital de fato era a metrópole carioca, que fazia e ainda faz a cabeça dos fluminenses em geral. Como já acontece há tanto tempo, continuemos a usufruir dessa integração e dos encantos da “cidade maravilhosa”, de sua gente que, em milhares de casos, tem laços familiares nas cidades que lhe são vizinhas.




Divulgação Cultural
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