quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A rapsódia de dez poetas em Niterói - Geir, Placer, Pimentel et al.



Não faz muito tempo, em um desses eventos de literatura, fui apresentado a um “poeta”, um homem tão presunçoso que o ego quase não cabia no peito. Animado por um interlocutor comum a nós dois, ele arrogantemente declarou: “ – Assinei ontem meu soneto número 4836”. Eu, que tenho andado bem pouco paciente, me vi obrigado a perguntar: “ – E entre esses todos, quantos são bons?” Não é preciso dizer que logo uma nuvem negra se instalou sobre nós e, por sorte (minha, é claro), tornou inviável o prosseguimento da conversa.
Não faço segredo de que acho a poesia uma das coisas mais difíceis de serem feitas. Fruto de inteligência e de carisma (coisas que não se aprende em oficinas de fim de semana), gosto de lembrar que Mallarmé demorava meses para escrever um soneto e, quando o publicava, era festa em Paris! Como poderia haver, então, tantos poetas avulsos por aí?
Atualmente, qualquer ocioso que não esgotou a jovialidade na mocidade e que se acha apto a rimar “lhé com cré” se mete a escrever odes, elegias, epitalâmios...
Com minha avaliação acima (uma avaliação empírica, reconheço), não pensem que esteja insinuando que em nosso meio não existam poetas ou, mesmo, menosprezando os autênticos poetas que existem em Niterói. Pretendo apenas lembrar que poesia é coisa séria (e faço questão do sic, aqui). Eis o que vemos na presente postagem:





Ser e tempo


Ser é durar... Somos, então,
nesses momentos em que a vida
excede a própria duração?
Nesses momentos quando o amor
(fruto a multiplicar-se em gomos,
em cada gomo outro sabor)
é uma surpresa repetida
− que somos nós? Acaso somos?

                                                                                                                                José Inaldo Alonso


Na Lagoa Negra

“A mis soledades voy
De mis soledades vengo”
Lope de Vega

Na mesa, o retrato
do mágico instante
à beira da lagoa.
A Lagoa Negra,
do Gramado.
Permanência do tempo esvaído.
Tempus fugit. Tempus breve est.
As sombras dos ciprestes
refletidas na água escura.
A Lagoa Negra
de águas sedimentadas
de tempo a eternidade.
Te foste, Amada.
Na foto distante
ficou sua face,
na manhã de Sol.
Ficou teu sorriso
relembrando o sido
daquela manhã,
na Lagoa Negra
de água imemorial...

            Xavier Placer


Lídice


E um dia implodiram-se as muralhas
Os olhos, de repente, viram o mundo
Tal-qual o mundo é. E não mais como
O vemos na aparência, na rotina

Num setembro, e é ali. Terra de Lídice
Novou-se, de verdade, o coração
Assim na confiança, e na estima
O descobre a criança, o vê o santo

Nesta margem e tempo não-ganhados
Em arena e areia conquistados,
A magnificar o gesto do homem
Para sempre se alteia outra reália –

O´ torre de abundância, de fulgores!
Onde a Hora & o Eterno dão-se as mãos


Hugo Tavares

O Homem apócrifo

Era um homem magro
Chegou à minha porta
pediu um pedaço de pão
e um caneco de café
Depois que comeu e bebeu
o homem magro abriu o bornal
e começou a espalhar no galinheiro
milho, pérolas, diamantes, moedas de ouro...

... ainda colheu duas estrelas
da Constelação de Cassiopeia
e prendeu nas blusas das crianças

Então o homem magro partiu
Dava de longe homéricas bananas ao Eterno.




Simbiose

Sem ela,
ele não vive.
Sem ele,
ela também não.
Ela é a essência,
ele é o frasco.
Ela é intangível,
ele, palpável.
Ela, é imorredoura,
ele, perecível.
Ela comanda,
ele obedece.
Ela apascenta,
ele se rebela.
Ela ama,
ele é amado.
Os dois se integram,
formam uma unidade.
Ela é a alma,
ele é o corpo.


Súplica

Esta dor...
Esta angústia...
Esta solidão...
Vem, Maria,
vem depressa cantar,
cantar uma canção
para eu adormecer.



Poema do tatalar inútil


Na teia de minha vida
Aberta e clara,
Prendeste, sem querer,
Por culpa da tua curiosidade,
As asas tênues do teu sonho.


Agora que estás presa
Não é prudente
Te debateres tanto assim,
Nesse tatalar inútil
Porque se a teia é elástica
As tuas assas podem se romper.

                                                                                                                               A. Barcellos Sobral

Noite fechada.
Caída sobre os neurônios.
A esperança como armadura
menor do que o guerreiro
fere-lhe a resistência.
Mas ele não cede
põe sobre o mal-estar
unguento de paciência.
Resiste heroicamente
como um dique de pedra
resiste à pressão da inundação.
Proibido capitular
ou mesmo gemer resmungar.
A regra é resistir.
Opor logística espiritual bastante
para transformar angústia e caos
em mais ser em mais ser.



       Sávio Soares de Sousa


Périplo

Abro o livro de Homero e me surpreendo,
anônimo, entre heróis de iluminura,
eu, caipira inocente, de mistura
com gregos e troianos, combatendo.

Incomoda-me o peso da armadura.
Nem mesmo sei se agrido ou me defendo.
E devo confessar: só não me rendo
porque desperto ao cabo da leitura.

Fecho o volume. Saio do aeroporto,
fatigado de errâncias, quase morto.
Ulisses, eu? Meu lema é amor e paz.

Retorno ao lar e, em pouco, estou refeito:
Penélope me aguarda, no seu leito,
e essa história de guerra - nunca mais!

                                                                                                                                     Vilmar Lassance

Espera

Que horas são? Que importa?... já nao vem...
Quase dez...já não vem, tenho certeza!
Mas prometeu, que diabo, assim também...
Maria! Ponha esse jantar na mesa!
Vou jantar! Não espero mais ninguém!
Quem pensa, ela, que é?!...Só tem beleza...
De inteligência mesmo...nem vintém...
E, de dotes morais, é uma pobreza!
Tanta despesa e, agora...francamente!
Também...não quero vê-la nunca mais!
Nem que venha coberta de ouro em pó!
A campainha...Puxa! Que insistente!
Já vou! Quem é?...Querida!... Como vais?
Meu amor! Nunca mais me deixes só!


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domingo, 13 de novembro de 2011

A prosa luso-brasileira de Cunha de Leiradella exclusiva para o "Literatura-Vivência"


Conhecer um ilustre escritor luso-brasileiro trazido ao Literatura-Vivência pelas mãos de Belvedere Bruno... Boa maneira de começar a semana!


Gravura de Alex Andreyev



Mulheres de passado e homens de futuro


                                                                                                                            
                                                                                                                              Cunha de Leiradella
           
Andréa era recepcionista, mas não gostava de pessoas. Ana Carolina era corretora, mas não gostava de vendas. André era médico, mas não gostava de doenças. Eduardo era jornalista, mas não gostava de notícias.
Moravam em Belo Horizonte. Andréa e Ana Carolina no mesmo bairro, e André e Eduardo em bairros diferentes. Conheceram-se na Casa dos Contos, numa sexta-feira de noite. Andréa comendo batata frita com ketchup, Ana Carolina, frango à passarinho, André, peixe ao molho branco, e Eduardo, salaminho e azeitonas. Sentaram na mesma mesa por acaso. Andréa vinda do hotel, Ana Carolina, da companhia de seguros, André, do hospital, e Eduardo, sem destino.
O restaurante estava cheio. Andréa chegou primeiro e Ana Carolina não tinha onde sentar. André jurou que já as conhecia e Eduardo esbarrou na mesa, sem querer. Andréa sorriu e disse que era a força do destino, e arrumou mais um lugar.
Gostaram de se encontrar e fizeram confidências. Andréa, nascida em junho, em Santa Lúcia, queria ser cantora. Ana Carolina, nascida em setembro, na Savassi, queria ser atriz. André, nascido em maio, em Itabira, queria ser violonista. Eduardo, nascido em novembro, em Portugal, não sabia.
Falaram do passado e do futuro, e resolveram prolongar aquele encontro. Andréa leu as mãos e fez horóscopos, e Ana Carolina quis saber onde moravam. André falou da fazenda, em Itabira, e Eduardo escutou, silencioso. Andréa gostava de cavalos e de matas, e Ana Carolina morava só e não tinha namorado. André sorriu e achou ótimo, e Eduardo ficou triste e pediu vinho.
Andréa brindou a Câncer e a Gêmeos, e ao seu perfeito entendimento, e lamentou o medo que Libra sempre tem do imperioso e angustiado Escorpião. Ana Carolina brindou aos homens de futuro e afirmou, seriamente, que os opostos sempre acabando atraídos. André sorriu e achou ótimo, e Eduardo tentou adivinhar a cor dos sutiãs.
Terminaram a noite com duas garrafas de vinho português. Andréa cantou Travessia e André fez do tampo da mesa um violão. Ana Carolina lamentou a miséria dos sem-terra e a violência dos pivetes, e foi ao banheiro vomitar. Eduardo rebateu o vinho com conhaque e pensou nos seios de Andréa nus, caídos num lençol.
Festejaram o fim do ano em Cabo Frio e passaram um fim de semana na fazenda de André, em Itabira. Voltaram a Belo Horizonte bem queimados e Andréa casou com André no mês de maio. Eduardo embebedou-se na Casa dos Contos e não foi ao casamento e morreu atropelado na Avenida Afonso Pena nessa noite, e Ana Carolina desenvolveu dons mediúnicos e apaixonou-se por um colega de trabalho, aquariano e malcasado.
Naquele ano, o Brasil foi campeão de Fórmula 1, sem disputar a última das corridas, e Mikhail Gorbachev publicou Perestroika, sem prever a derrocada.




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