sexta-feira, 22 de abril de 2011

Israel Pedrosa: sobre arte, cores e intuições

por Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

Carlos Drummond de Andrade em uma de suas poesias indaga:

“Como é o lugar
quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas sem ser vistas?
O interior do apartamento desabitado,
a pinça esquecida na gaveta,
os eucaliptos à noite no caminho
três vezes deserto,
os mortos, um minuto
depois de sepultados,
nós, sozinhos
no quarto sem espelho?
Que fazem, que são
as coisas não testadas como coisas,
minerais não descobertos - e algum dia o serão?
(...)
Existe, existe o mundo
apenas pelo olhar
que o cria e lhe confere
espacialidade?
Concretitude das coisas: falácia
de olho enganador, ouvido falso,
mão que brinca de pegar o não
e pegando-o
concede-lhe
a ilusão de forma
e, ilusão maior, a de sentido?(...)”

Suposta existência é um dos textos mais belos e reflexivos do autor. Felicidade Drummond não ter se cansado da beleza nem ter tido medo do conceito! Faz sua poesia, mas permite que ela flerte com a contemplação e a investigação. Perguntar pela suposta existência ou pela inexistência é, mesmo, coisa para gente destemida. Mas o poeta não está só nessa aventura, o pintor Israel Pedrosa também assim o faz em sua arte. Arte especulativa, decerto! E especulando sobre uma possibilidade é que o artista ― brincando de pegar o não ― desvelou a “cor inexistente”.
Fenômeno, sem dúvida! Não falácia ao olho ou falso ouvido, é fenômeno perceptível à retina e ao espírito. Na época em que se arvorava a morte da arte, e em que muitos partiram em sua defesa por meio dos argumentos, a cor inexistente, tal como formulada por Pedrosa, foi premissa visual que permitiu a revisitação da arte da pintura. Evidência a partir da qual a arte se auto-afirma e sua história pode ser relida. Assim, DaVinci, Turner, Van Gogh, Klee... antes de pintores, são coloristas, para os quais a cor e arte podem, doravante, ser ressignificadas!
Israel Pedrosa escreve o livro desta resignificação. Tal tributo ao patrimônio dos mestres parte dessa perspectiva de cor, das aulas que esses ministraram à Humanidade: Dez aulas magistrais. Assim se intitulará o livro em que o autor trabalha atualmente (e que já dedicou quase duas décadas). A obra, sine die, é esperada com vivo interesse por todos que desejam pensar a arte enquanto cor e, esta, como agente expressivo.
Prévia deste pormenorizado exercício de interpretação, já estaria disponível em uma edição comemorativa do octogésimo aniversário do artista. Na contramão dos preconceitos estéticos da Era dos extremos é compilação de artigos que são preâmbulos a sua obra capital, pois Pedrosa declara, ali, seus posicionamentos teóricos e estéticos (sem que os primeiros tenham primado sobre os outros). É isso que se vê no tópico O domínio do fenômeno da cor inexistente: Essência da ciência da pintura e do controle sobre as imagens visuais. Conjunto dos pressupostos que hoje falam alto em sua obra, temos comentários sobre as concepções de arte em Alberti (um dos primeiros renascentistas); notas sobre a luz branca e sua comprovação operada por DaVinci; estudos sobre a percepção das cores de Caravaggio a Vermeer; indicações históricas sobre as conquistas da óptica física no âmbito de cor, das pesquisas de Newton e de sua contestações pela teoria das cores de Goethe, e outros tantos pontos referenciando o mestre Portinari.
Há, também, textos que registram o ambiente intelectual no qual o pintor brasileiro se formou: antologias, revoluções e modernismos; a atenção na recepção das vanguardas por Monteiro Lobato e mostras da atenção para com a palavra poética (veja-se o tópico dedicado à latência poética de Geir Campos). No mais, são comentários sobre as afinidades artísticas com Eugênio Proença, Quirino e Hilda Campofiorito além de outros textos heterogêneos e originais.
A caprichosa edição do livro (digna de ser conferida) é assinada por Leo Christiano Editorial e documenta o êxito admirável na relação entre editor e autor. Parceria decisiva na busca por criar um mundo digno dos olhares e das intuições intelectuais.



quinta-feira, 21 de abril de 2011

Do domínio da inexistência da cor segundo Israel Pedrosa

por Roberto Kahlmeyer-Mertens

A editora do SENAC-RJ reedita “Da cor à cor inexistente”, de Israel Pedrosa. O livro, considerado estudo original sobre as cores, é contribuição relevante aos conhecimentos da óptica e responsável pelo refinamento técnico-prático no campo das artes visuais. Publicado inicialmente em 1977, o trabalho rendeu ao pesquisador e artista plástico o Prêmio Thomas Mann, oferecido pela Embaixada da Alemanha. Após isso, o professor da Universidade Federal Fluminense – UFF, que fez uma série de palestras de divulgação naquele país e no Brasil, foi convidado pela Enciclopédia Mirador para coordenar, em 1978, a equipe multidiciplinar responsável pela cunhagem do verbete “cor”, da mesma. Requisitado por grupos representantes de emissoras de televisão, colaborou com a implementação da TV a cores em nosso país, o que também ocorreu com a multinacional Xerox, que se serviu da consultoria do pesquisador, beneficiando-se do saldo de suas pesquisas para solucionar problemas no desenvolvimento das tecnologias da fotocópia colorida.
Abordando o fenômeno cor, visando seus aspectos físicos, perceptuais e estéticos, o autor pesquisou concepções da física moderna, detendo-se principalmente nos estudos de Newton. Dialogando com o célebre ensaio de Goethe, “Esboço de uma teoria das cores”, Israel Pedrosa pôde promover uma clarificação de aspectos históricos do conceito de cor, fazendo com que sua obra constitua um argumento teoricamente válido e saneador de imprecisões de certos conceitos relativos à aplicação das cores, elevando o nível dos conhecimentos sobre o tema.
É preciso ressaltar, entretanto, que o motivo pelo qual “Da cor à cor inexistente” vai, ainda repleto de validade, à sua décima edição (excetuando-se as de língua inglesa) é a delimitação do conceito de “cor inexistente”, objeto para o qual a obra apresenta elegante teoria. Apoiando-se na observação de entes físicos, o pesquisador observou que corpos idênticos de cor branca sob efeito da luz solar, em iguais circunstâncias e intensidade, manifestavam, sem que houvesse interferência externa, cores como o violeta em diversos matizes. A partir disso, pode o autor afirmar: “Tive naquele instante a imediata intuição de que se tratava de um fenômeno físico e não de uma ilusão ótica”. Apropriando esta experiência para o campo das artes visuais, Israel Pedrosa inferiu que seria possível projetar tal fenômeno em um suporte físico reproduzindo em relações cromáticas uma cor que não havia sido quimicamente fixada.
Essa explicação sumária da teoria da cor inexistente encontra, no livro, fundamentação teórica suficiente a partir de discussões sobre a imaterialidade da cor, seu condicionamento à existência da luz, fatores perceptivos como o efeito colour vision e esclarecimentos quanto à substância material e propriedades específicas dos pigmentos que geram cor a partir da refração da luz.
Na nova edição (primeira pela Editora do SENAC) é possível encontrar, além das inúmeras ilustrações necessárias, um conjunto de críticas, depoimentos e notícias que documentam a recepção dessas ideias no panorama nacional e estrangeiro. Entre os depoimentos, estão os do astrônomo Rogério Freitas Mourão, do lexicógrafo Antônio Houaiss e de representantes de Universidade de Louvain, na Bélgica.
Da cor à cor inexistente é, de fato, “uma rara ponte entre a ciência e a arte”.



quarta-feira, 20 de abril de 2011

Saudação do imortal Marcos Almir Madeira ao “Filósofo da Cor”


O dia 18 de abril está impregnado de cultura brasileira, pois é a data em que se comemora o nascimento do escritor Monteiro Lobato, do poeta modernista Augusto Frederico Schmidt e de Israel Pedrosa.

Pintor, professor e pesquisador, Israel Pedrosa nasceu a 18 de abril de 1926 em Alto Jequitibá/MG. Aluno de Cândido Portinari a partir de 1942. Estudou na Escola Superior de Belas Artes de Paris entre 1948 e 1950. Foi o mais jovem integrante da FEB, na Itália. No 1° Congresso Mundial – Palais de Chaillot, Paris 1948 – foi eleito vice-presidente da Federação Internacional dos Ex-Combatentes, um dos órgãos não governamentais da UNESCO. Fundador da cadeira de História da Arte na Universidade Federal Fluminense – UFF em 1963. Ministrou cursos e conferências em Universidades e Centros de Pesquisas e de Arte no Brasil, Alemanha, França, Bélgica, Hungria e México. Em 1966, chegou ao domínio do fenômeno que denominou cor inexistente, revelando novos aspectos das relações entre as cores e da essência da harmonia cromática. Em 1973, recebeu o Prêmio Thomas Mann, em virtude do qual viajou para a República Federal da Alemanha como hóspede do governo, realizando palestras e demonstração de seus trabalhos no Instituto de Belas Artes de Munique a convite do Prof. Mayer-Speer, decano da Universidade. É o autor do texto-monográfico “cor”, da Enciclopédia Mirador Internacional (1975). Recebeu o Prêmio Hilton de Pintura da década de 1970. Como reconhecimento por seu trabalho, tem recebido diversas comendas e títulos. Aqui, Israel Pedrosa faz um apanhado geral de sua obra enfatizando seu atual projeto que envolve uma interpretação arrojada do legado de mestres da pintura em face da noção de cor.

Em homenagem ao nosso ilustre aniversariante, as próximas três postagens do Literatura-Vivência contemplarão aspectos de sua vida e obra, a começar pela histórica saudação a Israel Pedrosa proferida pelo imortal da ABL, Marcos Almir Madeira, por ocasião da conferência de abertura do Ano Portinari (2003) da Academia Brasileira de Arte.

A um filósofo da cor, Marcos Almir Madeira

“A designação de nosso presidente Agenôr Rodrigues Vale para que eu lhe dissesse hoje a palavra de saudação, na verdade só fez credenciar-me em nome da Academia Brasileira de Arte um voto de regozijo. É o voto de nossa coerência. Estamos a exprimir a alegria pela presença de um artista genuíno na tribuna. Eu ia lhe dizer, um artista completo, lembrando-me de Portinari quando confessou a Augusto Frederico Schmidt que se considerava completo por ter sabido entrelaçar vocação e formação, o que valia por dizer sensibilidade e técnica. Aluno do próprio Portinari, o Ilustre conferencista dessa tarde soube adicionar ao painel vocacional certos ingredientes de manipulação estética bem pessoais. Há em toda sua obra as tintas de sua personalidade, o gosto e poder da invenção. Tanto isso é verdade que nos deu a teoria personalíssima da cor inexistente, e tornou-se um filósofo dos matizes, das nuanças, dos tons e dos meios-tons. Que fabricam tantas vezes a delícia e a surpresa para os nossos olhos imaginosos ou equivocados. Será a imaginação nas pálpebras? A ilusão nas pupilas? A boa verdade é que a sua condição de filósofo da cor assegura o título de pintor das ideias, de artista da renovação, de renovação no processo da arte. Com prazer esta Academia saúda o mineiro que se deu ao Estado do Rio de Janeiro e bem especialmente a Niterói, cidade natal de Antônio Parreiras, aquele clássico da pintura, com certos toques de um impressionismo inesperado, da Niterói que também foi berço de bons modernos: os Campofiorito.
O aperfeiçoamento de seus estudos em Paris, por volta de 1948, Mestre Israel Pedrosa, foi sem dúvida benéfico a sua brilhante carreira e particularmente à Universidade Federal Fluminense, que lhe deve a criação da Cadeira de História da Arte.
Saudamos, igualmente, sua obra escrita, notadamente os estudos de 1968, quando veio a público o que poderíamos talvez denominar Teoria e prática do mistério da cor.
Bendito o pincel do filósofo. Bendita a filosofia da arte redescoberta.
Bem haja a criatividade – a inteligência aberta à vida, por fidelidade e amor à Santa Madre Natureza. Bendita, mestre, a singularidade do seu exemplo.”