É Nietzsche quem diz que: “mais um século de maus leitores e até o
espírito estará fedendo”. Pelo visto, vivemos em uma época em que os maus
leitores estão em maioria.
A última é que, amanhã, dia 21 de dezembro de 2012, o mundo
acabaria... (como não rir diante de tamanho disparate!?). Amparados nas
previsões do calendário Maia – e fazendo uma leitura tacanha do mesmo – vemos
gente construindo bunkers e estocando
víveres para a suposta hora que chegará.
Ninguém, entretanto, pensou que o
fim em jogo não seria o do mundo, mas o fim de um mundo. Ou seja, o término da vigência de um horizonte humano
frente a um outro que - mais que hegemônico – se totalizou inexoravelmente. Nos
veríamos, então, diante um modo histórico de ser em que se investe em
tecnologia para poupar tempo e, uma vez tendo tempo, se entedia com ele; um
mundo no qual as relações entre os homens se tornaram vazias tendo por sentido
apenas o comércio de influências e outras conveniências; no qual cada ente
virou fonte de recurso disposta ao uso; tudo é moeda vulgar que muda compulsivamente de mãos.
Num mundo assim, tudo se reverteu em mercadoria que tem preço, mas é sem valor;
tudo se automatizou; tudo é requisição e, o pior, tudo redunda em nada.
Não há motivo de tremor diante de
catástrofes monumentais... não deveriam ser essas a nos assustar...
Uma palavra de consolo aos
tementes ao apocalipse?! Quem sabe um pouco de memória e bom humor à Drummond seja oportuno:
O fim do mundo

Não se sabe ainda se o mundo
acabou realmente no sábado, como fora anunciado. Pode ser que sim, e não seria
a primeira vez que isso acontece. A falta de sinais estrondosos e visíveis não
é prova bastante da continuação. Muitas vezes o mundo acaba em silêncio, ou
fazendo um barulho leve de folha. Tempos depois é que se percebe, mas já então
vivemos em outro mundo com sua estrutura e seus regulamentos próprios, e
ninguém leva lenço aos olhos pelo falecido.
O mundo primitivo dos répteis, o
mundo neolítico, o egípcio, o persa, o grego, o romano, o maia... todos esses
acabaram, e muitos outros ainda. A história é cemitério de mundos, notando-se
que uns tantos acabaram de morte tão acabada que nem sequer figuram lá com uma
tabuleta; não se sabe que fim levaram as cinzas.
Pessoas que aí estão vivas
assistiram à morte do mundo em 1.º de agosto de 1914, mas estavam lendo jornal
e não compreenderam no momento. Era apenas mais uma guerra na Europa, mas acabou
com a belle époque, a douceur de vivre, a respeitabilidade vitoriana, o franco,
a supremacia da libra, os suspensórios, o rapé, os conceitos econômicos,
políticos e éticos do século XIX – mundo que parecia eterno. Pedaços dele andam
por aí, vagando, como o colonialismo, a pressão de grupos financeiros, a
servidão civil da mulher, mas pertencem a um contexto liquidado, rabo de
lagartixa vibrando depois que o corpo foi abatido.
É possível que a previsão dos
astrólogos indianos não tivesse base, e que o mundo atual dure muitos anos.
Acredito mesmo que é cedo para ele morrer, se apenas está nascendo, e nem sabe
ao certo como é ou será.
Aos sete anos de idade imaginei que ia presenciar a morte do mundo, ou antes, que morreria com ele. Um cometa mal-humorado visitava o espaço. Em certo dia de 1910, sua cauda tocaria a Terra; não haveria mais aulas de aritmética, nem missa de domingo, nem obediência aos mais velhos. Essas perspectivas eram boas. Mas também não haveria mais geléia, Tico-Tico, a árvore de moedas que um padrinho surrealista preparava para o afilhado que ia visitá-lo. Idéias que aborreciam. Havia ainda a angústia da morte, o tranco final, com a cidade inteira (e a cidade, para o menino, era o mundo) se despedaçando – mas isso, afinal, seria um espetáculo. Preparei-me para morrer, com terror e curiosidade.
O que aconteceu à noite foi maravilhoso. O cometa de Halley apareceu mais nítido, mais denso de luz e airosamente deslizou sobre nossas cabeças sem dar confiança de exterminar-nos. No ar frio, o véu dourado baixou ao vale, tornando irreal o contorno dos sobrados, da igreja, das montanhas. Saíamos para a rua banhados de ouro, magníficos e esquecidos da morte, que não houve. Nunca mais houve cometa igual, assim terrível, desdenhoso e belo. O rabo dele media... Como posso referir em escala métrica as proporções de uma escultura de luz, esguia e estelar, que fosforeja sobre a infância inteira? No dia seguinte, todos se cumprimentavam satisfeitos, a passagem do cometa fizera a vida mais bonita. Havíamos armazenado uma lembrança para gerações vindouras que não teriam a felicidade de conhecer o Halley, pois ele se dá ao luxo de aparecer só uma vez a cada 76 anos.
Nem todas as concepções de fim material do mundo terão a magnificência desta que liga a desintegração da Terra ao choque com a cabeleira luminosa de um astro. Concepção antiquada, concordo. Admitia a liquidação do nosso planeta como uma tragédia cósmica que o homem não tinha poder de evitar. Hoje, o excitante é imaginar a possibilidade dessa destruição por obra e graça do homem. A Terra e os cometas devem ter medo de nós.
Aos sete anos de idade imaginei que ia presenciar a morte do mundo, ou antes, que morreria com ele. Um cometa mal-humorado visitava o espaço. Em certo dia de 1910, sua cauda tocaria a Terra; não haveria mais aulas de aritmética, nem missa de domingo, nem obediência aos mais velhos. Essas perspectivas eram boas. Mas também não haveria mais geléia, Tico-Tico, a árvore de moedas que um padrinho surrealista preparava para o afilhado que ia visitá-lo. Idéias que aborreciam. Havia ainda a angústia da morte, o tranco final, com a cidade inteira (e a cidade, para o menino, era o mundo) se despedaçando – mas isso, afinal, seria um espetáculo. Preparei-me para morrer, com terror e curiosidade.
O que aconteceu à noite foi maravilhoso. O cometa de Halley apareceu mais nítido, mais denso de luz e airosamente deslizou sobre nossas cabeças sem dar confiança de exterminar-nos. No ar frio, o véu dourado baixou ao vale, tornando irreal o contorno dos sobrados, da igreja, das montanhas. Saíamos para a rua banhados de ouro, magníficos e esquecidos da morte, que não houve. Nunca mais houve cometa igual, assim terrível, desdenhoso e belo. O rabo dele media... Como posso referir em escala métrica as proporções de uma escultura de luz, esguia e estelar, que fosforeja sobre a infância inteira? No dia seguinte, todos se cumprimentavam satisfeitos, a passagem do cometa fizera a vida mais bonita. Havíamos armazenado uma lembrança para gerações vindouras que não teriam a felicidade de conhecer o Halley, pois ele se dá ao luxo de aparecer só uma vez a cada 76 anos.
Nem todas as concepções de fim material do mundo terão a magnificência desta que liga a desintegração da Terra ao choque com a cabeleira luminosa de um astro. Concepção antiquada, concordo. Admitia a liquidação do nosso planeta como uma tragédia cósmica que o homem não tinha poder de evitar. Hoje, o excitante é imaginar a possibilidade dessa destruição por obra e graça do homem. A Terra e os cometas devem ter medo de nós.