sexta-feira, 18 de maio de 2012

Fim de semana em meio às coxas de Hermínia


Enquanto esperamos Café pingado – próximo livro de poesias de Wanderlino Teixeira Leite Netto – é oportuno relembrar de sua prosa neste fim de semana.

PS: Quanto às “coxas de Hermínia”, eu me referia à crônica do autor... (Pensar o que mais?...)



Vera (ou Hermínia), desenho de Carlos Zéfiro.



As coxas de Hermínia 


                                                                                   Wanderlino Teixeira Leite Netto


Antes mesmo de meus olhos se tornarem gulosos, as coxas de Hermínia já me fascinavam. Naquele tempo, Hermínia metia-se num maiô inteiro e caminhava com suas coxas em direção ao mar. Conhecedor de seus horários, sempre me antecipava. Ao chegarem à praia, lá estava eu a espreitá-las. Quando Hermínia se desvencilhava da toalha que trazia amarrada à cintura e as coxas se mostravam, meus olhos ficavam febris.
Pouca diferença existiu, pelo menos para mim, no dia em que Hermínia adotou o duas-peças. Dela interessavam-me as coxas.
Maldito seja o inventor do trabalho. Roubou-me as coxas de Hermínia em dias de semana. Além da agonia da espera, o tormento da incerteza. E se no sábado o tempo nublasse? E se chovesse no domingo?
Dias antes do seu casamento, descobri um fiozinho azul numa das coxas de Hermínia, mas nem liguei. Morri foi de inveja do noivo, estirado na brancura das areias, a cabeça recostada bem pertinho do filete azulado.
Consumado o casório, as coxas de Hermínia mudaram-se para longe de minhas vistas. Anos depois, na piscina do clube, ressurgiram: divorciadas, com mais alguns fiozinhos azuis e umas gordurinhas aqui e ali. Sempre aos domingos, as maduras coxas de Hermínia estiveram, por algum tempo, ao alcance do meu olhar.
Ontem pela madrugada, enquanto todos cochilavam, afastei as flores e levantei o vestido de Hermínia. No silêncio da capela, meus olhos viúvos se despediram de suas coxas arroxeadas.


(NETTO, Wanderlino Teixeira Leite. As coxas de Hermínia. In: Retrato sem moldura. Niterói: Clube de Literatura Cromos, 1999).





Divilgação cultural
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quarta-feira, 16 de maio de 2012

UFF homenageia Luís Antônio Pimentel em concurso literário





Há cem anos, nasciam no Brasil vários nomes que ajudaram a construir a história cultural de nosso país. Nelson Rodrigues, Jorge Amado, Evandro Lins e Silva, Luiz Gonzaga e Herivelto Martins estão entre eles. Assim como Luís Antônio Pimentel, jornalista, poeta e exímio haicaísta que completou, em 29 de março, o centenário de uma vida dedicada à cultura. Memória viva de Niterói, onde mora, e do país, ele encanta com a fala, assim como com a escrita. Para homenageá-lo, a Universidade Federal Fluminense, através de sua editora, escolheu-o como inspiração para o 6º Prêmio UFF de Literatura. As inscrições estão abertas e o tema proposto é: “O contador de histórias”. O autor classificado em primeiro lugar em cada categoria - conto, crônica e poesia - ganhará um notebook, além do Troféu Itapuca.
Antologia e festa – O edital já está disponível no site da editora (www.editora.uff.br/editais) com inscrições até 15 de agosto. Os vencedores do 6º Prêmio UFF de Literatura serão anunciados no dia 17 de dezembro, durante cerimônia na qual também será lançada uma antologia com 20 textos selecionados, nas categorias crônica, conto e poesia, organizada pela Editora da UFF, com o patrocínio da Fundação Euclides da Cunha, da Pró-Reitoria de Extensão da UFF e da Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Os classificados em primeiro lugar em cada gênero literário receberão 10 (dez) exemplares da coletânea; os segundos colocados, 8 (oito); os terceiros, 5 (cinco). Os demais autores selecionados receberão 3 (três) exemplares, cada.
Podem participar do Prêmio UFF de Literatura escritores de língua portuguesa, editados ou inéditos, independentemente de sua nacionalidade. No entanto, o texto apresentado deverá ser rigorosamente inédito, seja na forma impressa ou na forma eletrônica. Não serão aceitas obras póstumas, nem aquelas assinadas por grupos. Cada concorrente poderá inscrever apenas um texto em cada categoria. O conto a ser enviado não pode ultrapassar quatro páginas, enquanto as crônicas e poesias deverão atingir, no máximo, três páginas.






terça-feira, 15 de maio de 2012

"Academia Niteroiense, 70 anos. Será?" artigo exclusivo de Emmanuel de Macedo Soares


Feliz é a instituição que tem a força de gerar comunidade em torno de si (Schiller chega a atestar que esta é a maior prova de viço que um empreendimento poderia dar).
No texto de hoje, o jornalista e historiador Emmanuel Macedo Soares provoca a comunidade da Academia Niteroiense de Letras com um dado histórico: enquanto todos se mobilizam para comemorar, no ano de 2013, os 70 anos de existência institucional da ANL, Emmanuel argumenta que a Academia já passou dessa idade faz tempo.
Tal provocação nos faz lembrar a afirmativa do jornalista e escritor Alan Riding segundo a qual: “A história é explosiva”.
Sim, uma "pró-vocação", um chamado às falas, afinal, qual seria o melhor modo de celebrar uma instituição de cultura e pensamento senão pensando-a? Consideremos aberta a temporada de debates:





Academia Niteroiense, 70 anos. Será?





Emmanuel de Macedo Soares


Li em algum lugar que a Academia Niteroiense de Letras já começou a estocar foguetes para comemorar seus 70 anos em 11 de junho de 2013. Coisa que nunca entendi, e até hoje não houve quem me explicasse, é esse empenho da Academia em enganar sua idade, quando é fato sabido e comprovado que ela foi fundada em 1931 e instalada a 28 de maio desse ano na Faculdade de Direito, com toda pompa e circunstância.
Dizem que essa fundação não valeu, porque a Academia nunca funcionou. Mas funcionou, sim. Elegeu 25 acadêmicos e o interventor federal Ari Parreiras até prestigiou a posse solene da primeira diretoria efetiva, em 22 de dezembro de 1931, com Raul de Oliveira Rodrigues confirmado na presidência. Dos fundadores de 1931, muitos voltaram para a refundação de 1943. Mas pelo menos dois tiveram cassada a láurea acadêmica: Edésio Barbosa da Silva e Honório Peçanha.
Cassados duas vezes, aliás, porque ambos viviam e gozavam de excelente saúde em 1973, quando a Academia ressurgiu de novo das cinzas. A exclusão de Honório até se pode explicar, o que não significa entender: era considerado comunista e a 2ª Academia nasceu do ventre da ditadura do Estado Novo, quando os comunistas não gozavam de nenhum prestígio, muito pelo contrário. Foi novamente cassado pela 3ª Academia de 1973, e pelo mesmíssimo motivo, estávamos entrando nos tristes Anos de Chumbo de outra triste ditadura. Mas o doutor Edésio! O que fez este pacífico homem, mergulhado em suas pesquisas da história de Porciúncula para merecer a cassação? Bom... voltando às datas. A Academia de 1931 adormeceu logo no ano seguinte, é verdade. Mas a de 1943 também adormeceu, desde 1955, quando o bom e insubstituível Horácio Pacheco transferiu a presidência a monsenhor Uchoa. Com alguma benevolência consideremos como atividade o fato de ter assinado em 1959 o manifesto de lançamento do Movimento Cultural Fluminense, bela ideia de dois Pimentéis: o Paulo César, que já se foi, e o Luís Antônio, que para o bem do povo e felicidade geral da nação continua entre nós.
Depois disso, a Academia só dá sinais de vida em agosto de 1973, quando passa de fato a existir, depois da desastrada reforma que fez dela uma espécie de Academia Nítero-Cantagalense de Letras. Digo isso porque entre outras ilustres sumidades injetou como patronos os cantagalenses Silva Santos, José Carlos Rodrigues, Euclides da Cunha (vá lá), que nunca ouviram falar em praça Araribóia. E até Américo de Castro, que nasceu em Cantagalo mas foi trocar a primeira fralda na Espanha, enquanto niteroienses como Felisberto de Carvalho ou Adelino Magalhães ficaram no maruí do esquecimento. Pecadilho menor, que não vem ao caso. O que realmente incomoda é essa discrepância de datas de fundação, que um dia há de ser corrigida.
Que as belas e vaidosas mulheres enganem a idade, é até charmoso. Mas não se admite que uma sociedade dita cultural vire as costas com tanta sem-cerimônia para a história. No caso, sua própria história.



Divulgação cultural
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segunda-feira, 14 de maio de 2012

A poesia siguética em J.G. de Araújo Jorge e Claude Debussy







Harpa Submersa



Este retardatário gosto de pureza,
que me vem à boca do fundo coração,
não sei se é tédio ou o sinal de alvoradas renascentes.

Na areia branca onde a onda tenta apagar
vestígios de pés e levar todas as conchas,
me deixo à espera de outra vagas carregadas de conchas
ou de passos que tatuem novas marcas
na epiderme do coração.

Pobre coração marinheiro, tão marcado,
de que canto obscuro desenterras imprevistamente
esta harpa cheia de algas e de sons submersos?


(JORGE, J. G. de Araújo. Harpa submersa. In: Harpa Submersa. São Paulo, 1952)





Divulgação cultural
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