Enquanto esperamos Café
pingado – próximo livro de poesias de Wanderlino Teixeira Leite Netto – é
oportuno relembrar de sua prosa neste fim de semana.
PS: Quanto às “coxas de Hermínia”, eu me referia à crônica do
autor... (Pensar o que mais?...)
Vera (ou Hermínia), desenho de Carlos Zéfiro.
As coxas de Hermínia

Antes mesmo de meus olhos se tornarem gulosos,
as coxas de Hermínia já me fascinavam. Naquele tempo, Hermínia metia-se num
maiô inteiro e caminhava com suas coxas em direção ao mar. Conhecedor de seus
horários, sempre me antecipava. Ao chegarem à praia, lá estava eu a
espreitá-las. Quando Hermínia se desvencilhava da toalha que trazia amarrada à
cintura e as coxas se mostravam, meus olhos ficavam febris.
Pouca diferença existiu, pelo menos
para mim, no dia em que Hermínia adotou o duas-peças. Dela interessavam-me as
coxas.
Maldito seja o inventor do trabalho.
Roubou-me as coxas de Hermínia em dias de semana. Além da agonia da espera, o
tormento da incerteza. E se no sábado o tempo nublasse? E se chovesse no
domingo?
Dias antes do seu casamento, descobri
um fiozinho azul numa das coxas de Hermínia, mas nem liguei. Morri foi de
inveja do noivo, estirado na brancura das areias, a cabeça recostada bem
pertinho do filete azulado.
Consumado o casório, as coxas de
Hermínia mudaram-se para longe de minhas vistas. Anos depois, na piscina do
clube, ressurgiram: divorciadas, com mais alguns fiozinhos azuis e umas gordurinhas
aqui e ali. Sempre aos domingos, as maduras coxas de Hermínia estiveram, por
algum tempo, ao alcance do meu olhar.
Ontem pela madrugada, enquanto todos
cochilavam, afastei as flores e levantei o vestido de Hermínia. No silêncio da
capela, meus olhos viúvos se despediram de suas coxas arroxeadas.
(NETTO, Wanderlino Teixeira Leite. As coxas de Hermínia. In: Retrato sem moldura. Niterói: Clube de Literatura Cromos, 1999).
Divilgação cultural
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