quarta-feira, 27 de junho de 2012

Projeto "Livros que marcaram Niterói" ("Contemplação da unidade", de A. Barcellos Sobral)

 
 
 
Convicto do brocardo lobatiano segundo o qual “um país se faz com homens e livros”, tentei elencar, de memória, aqueles títulos que eu acreditava representar bem a cultura literária de Niterói. Consultando várias pessoas ligadas ao meio acadêmico de minha cidade, foi curioso o fato de minha lista coincidir com os títulos apontados por aqueles conhecedores de livros. Diante desta coincidência (ou deveria dizer “feliz serendipidade”), animei-me, sem maiores pretensões, a apresentar quinzenalmente alguns dos livros que teriam, de algum modo, marcado a cena literária niteroiense. Livros que trouxeram contribuições substanciais em alguma área, inovações, resgates, celebrações de datas festivas da cidade e que, até, ficaram conhecidos pelas polêmicas que causaram. Em todos esses casos, o valor literário ou histórico foi o que deu o critério para essas escolhas que – longe de serem completas – serão singelos afagos na cultura de nossa cidade.
Com esta postagem, o leitor de Literatura-Vivência poderá conhecer, no Projeto “Livros que marcaram Niterói”, um pouco mais das nossas letras.
Contemplação da unidade, de A. Barcellos Sobral 


Capa da primeira edição de Contemplação da Unidade (Heresis, 1997)

No ano de 1997 apareceu Contemplação da unidade – Tentativa de uma holística da existência, de A. Barcellos Sobral (editora Heresis). Na época, seu autor já era conhecido como poeta, teórico da literatura e esteta.
Nascido em 1919, no município de Campos dos Goytacazes/RJ, A. Barcellos Sobral era estatístico de formação e desde muito cedo se dedicou à poesia. Publicou Poema –1° Caderno, em 1955, época na qual esteve atrelado ao Clube de Poesia de Campos. Entre os trabalhos que compõem sua obra poética – programada para cinco respeitáveis tomos – estão também: No alto como as estrelas (1986) e o primoroso Misael: crônicas de uma paternidade (1996).


Autógrafo de A. Barcellos Sobral na primeira edição de Contemplação da unidade.

Tendo colaborado com o jornal Letras Fluminenses durante a década de 1980, o autor viu-se na necessidade de propor categorias estéticas que viriam contribuir para aquilo que chamou de “poesia integral”. Contemplação da unidade pontifica, então, como um arrojado ensaio de estética no qual o autor conjuga esta ideia à luz da filosofia, e das físicas clássica e quântica, tangendo indiretamente a termodinâmica do físico alemão Max Planck e a transdiciplinaridade (holística) do franco-brasileiro Pierre Weil. A obra – com sua síntese entre a palavra e a holística; a poesia e a ciência – reafirmou a reputação do poeta e pensador desvelando, adicionalmente, sua habilidade de ensaísta.
Aplicado ao exercício do ver, cujo olhar não se cansa de afiar seu gume, o esforço dispensado por A. Barcellos Sobral nos lembra o de um Aristóteles, aplicado à tarefa de qualificar e sistematizar espécimes em seu bestialógico e de cartografar céus e mundos. A lucidez desse homem traduz-se nos esquemas dos fatos estéticos em geral, matéria de sua “metafísica do belo”.
Na obra em apreço, essa manobra é antecedida pelo levantamento filosófico da ordem dos seres, esboçando o que o autor nomeou “existenciologia” (estudo da existência dos entes). Essa seria pré-requisito para uma teoria estética inovadora e que fugiria a muitos dos esquemas da razão judicativa propostos por Kant, no que concerne ao conceito de beleza. Tomando o belo como o “esplendor da ordem” universal, o autor parte da sinergia de todos os fenômenos estéticos; recorre à terceira lei da termodinâmica, como base das suas idéias; propõe uma revisão da classificação tradicional dos gêneros lírico, épico e dramático, associando o lírico ao belo na porção ideal de sinergia, numa escala crescente de intensidade responsável por fenômenos estéticos como o dramático e o épico. Agenciando esses elementos, nosso autor sopesa o belo pela quantidade de energia que nele estaria contida. Pode, assim, afirmar que apenas no gênero lírico teríamos uma quantidade ideal de energia, ao passo que em manifestações dramáticas e épicas da poesia, por exemplo, teríamos a energia em doses exacerbadas.
Essa intuição original é fundamentada no estudo abrangente desses fatos estéticos. O trabalho de A. Barcellos Sobral consegue dar, na mesma proporção, aprofundamento e extensão ao estudo. O texto, escrito de maneira simplificada não dispensa, contudo, o grau de especificidade técnica que seu autor cunhou, incluindo aparato terminológico próprio.
Mais que um livro de estética, trata-se de um ensaio original redigido inteiramente em Niterói e cuja intensidade nos evoca a estudá-lo, não apenas lê-lo diletantemente. Nessas reflexões de estética (e mesmo na existenciologia que a precede) há o diálogo com Max Planc, Wolfgang Kaiser e Pierre Weil, mas estes são apenas pontos de partida às intuições intelectuais próprias de nosso autor. Percebe-se em Contemplação da unidade que apenas as ideias figuram em seu corpo, não teve vez a erudição; assim, as referências e citações deram espaço um pensamento original decorrente daquelas temáticas essenciais. Quanto a isso, bem disse Antônio Carlos Villaça no primeiro aparato crítico do livro (prefácio): “Não conheço ninguém mais profundo, mais abissal e mais exigente do que nosso Barcellos Sobral. Ele é um bicho da seda. Tira tudo de si mesmo. Não tira nada dos outros”.


Capa da primeira edição de Contemplação da unidade (Nitpress, 2009)

No ano de 2009, no topo de seus lúcidos 90 anos de idade, A. Barcellos Sobral editou pela Nitpress uma segunda colação (revisada e ampliada) do livro, trazendo aprimoramentos significativos se a compararmos com a edição princeps. Atento a novas nuanças de sua investigação, acresceu quatro novos quadros de estética no corpo do tratado. A chancela de excelência sempre notória no trabalho do autor uma vez mais pôde ser conferida pelos interessados nos estudos de filosofia, arte e literatura. Naquela data, por ter acompanhado de perto o processo de revisão e assinando o segundo aparato crítico da obra (pósfácio), tive a oportunidade de proferir as seguintes palavras de reconhecimento: “Eis o trabalho da vida de um homem, um livro que nos ensina que a contemplação não é apenas exploração ou crítica, mas um amor sem paixão, capaz de perceber as coisas simples, serenamente. Ensaio de contribuição inegável aos fundamentos filosóficos da estética, a obra de nosso pensador é chancelada pela dedicação incondicional, sendo, essa nova edição – no ano que seu autor celebra seus noventa anos de idade – brinde à comunidade acadêmica e aos interessados nos estudos de filosofia, arte e literatura”.
A autenticidade do projeto de A. Barcellos Sobral, hoje, mais do que nunca, necessita de herdeiros disponíveis a aprender a sua visada abrangente, criadora e rigorosa, de gente que esteja disposta a estudar e contemplar a Unidade.


CONVITE:
III◦ Salão da Leitura de Niterói


SALA NOEL ROSA
 14h – “A existenciologia como a fundamentação para uma estética holística, segundo A. Barcellos Sobral” - Roberto Kahlmeyer-Mertens - Academia Niteroiense de Letras

(Público Adulto)



Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)



3 comentários:

  1. Roberto,
    Esqueci de comentar, que arrumando os guardados de papai, achei a carta de Alceu Amoroso Lima fazendo a critica a poesia de papai datada de 1950.
    Um tesouro!
    Abs,
    Christina

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  2. Prezado Kahlmeyer,

    Comparecerei a sua palestra. Quero muito conhecer-lhe pessoalmente.

    Desejo saber mais das ideias de A. Barcellos Sobral, também.

    Receba toda minha admiração,
    AG

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  3. Boa tarde, brilhante escritor Roberto.

    Saudosa belle époque!
    William Speers, natural da Inglaterra, atuou como inspetor da Contadoria Central das Estradas de Ferro Inglesa, Paulista, Ituana e Sorocabana. Foi promovido a superintendente da São Paulo Railway. Lembramos, ainda, que existiu a Estrada de Ferro Mogiana. Essa época nos remete a lembranças de românticos almoços e jantares nos vagões dos luxuosos restaurantes. Que saudades das locomotivas!

    Atenciosamente,
    Alberto Slomp.

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