Convicto do brocardo
lobatiano segundo o qual “um país se faz com homens e livros”, tentei elencar,
de memória, aqueles títulos que eu acreditava representar bem a cultura
literária de Niterói. Consultando várias
pessoas ligadas ao meio acadêmico de minha cidade, foi curioso o fato de minha
lista coincidir com os títulos apontados por aqueles conhecedores de livros.
Diante desta coincidência (ou deveria dizer “feliz serendipidade”), animei-me,
sem maiores pretensões, a apresentar quinzenalmente alguns dos livros que
teriam, de algum modo, marcado a cena literária niteroiense. Livros que
trouxeram contribuições substanciais em alguma área, inovações, resgates,
celebrações de datas festivas da cidade e que, até, ficaram conhecidos pelas
polêmicas que causaram. Em todos esses
casos, o valor literário ou histórico foi o que deu o critério para essas
escolhas que – longe de serem completas – serão singelos afagos na cultura de
nossa cidade.
Com esta postagem, o leitor de Literatura-Vivência poderá conhecer, no
Projeto “Livros que marcaram
Niterói”, um pouco mais das nossas letras.
Contemplação
da unidade, de A. Barcellos Sobral
Capa da primeira edição de Contemplação da Unidade (Heresis, 1997)
No ano de 1997 apareceu Contemplação da unidade – Tentativa de uma holística da existência,
de A. Barcellos Sobral (editora Heresis). Na época, seu autor já era conhecido
como poeta, teórico da literatura e esteta.
Nascido em 1919, no município de Campos dos
Goytacazes/RJ, A. Barcellos Sobral era estatístico de formação e desde muito
cedo se dedicou à poesia. Publicou Poema
–1° Caderno, em 1955, época na
qual esteve atrelado ao Clube de
Poesia de Campos. Entre os trabalhos que compõem sua obra poética – programada
para cinco respeitáveis tomos – estão também: No alto como as estrelas (1986) e o primoroso Misael: crônicas
de uma paternidade (1996).
Autógrafo de A. Barcellos Sobral na primeira edição de Contemplação da unidade.
Tendo colaborado com o jornal Letras Fluminenses
durante a década de 1980, o autor viu-se na necessidade de propor categorias
estéticas que viriam contribuir para aquilo que chamou de “poesia integral”. Contemplação da unidade pontifica,
então, como um arrojado ensaio de estética no qual o autor conjuga esta ideia à
luz da filosofia, e das físicas clássica e quântica, tangendo indiretamente a termodinâmica do físico alemão Max
Planck e a transdiciplinaridade (holística)
do franco-brasileiro Pierre Weil. A obra – com sua síntese entre a palavra e a
holística; a poesia e a ciência – reafirmou a reputação do poeta e pensador
desvelando, adicionalmente, sua habilidade de ensaísta.
Aplicado ao exercício do ver, cujo olhar não se
cansa de afiar seu gume, o esforço dispensado por A. Barcellos Sobral nos
lembra o de um Aristóteles, aplicado à tarefa de qualificar e sistematizar
espécimes em seu bestialógico e de cartografar céus e mundos. A lucidez desse
homem traduz-se nos esquemas dos fatos estéticos em geral, matéria de sua
“metafísica do belo”.
Na obra em apreço, essa manobra é antecedida pelo
levantamento filosófico da ordem dos seres, esboçando o que o autor nomeou
“existenciologia” (estudo da existência dos entes). Essa seria pré-requisito
para uma teoria estética inovadora e que fugiria a muitos dos esquemas da razão
judicativa propostos por Kant, no que concerne ao conceito de beleza. Tomando o
belo como o “esplendor da ordem” universal, o autor parte da sinergia de todos os
fenômenos estéticos; recorre à terceira lei da termodinâmica, como base das
suas idéias; propõe uma revisão da classificação tradicional dos gêneros
lírico, épico e dramático, associando o lírico ao belo na porção ideal de
sinergia, numa escala crescente de intensidade responsável por fenômenos
estéticos como o dramático e o épico. Agenciando esses elementos, nosso autor
sopesa o belo pela quantidade de energia que nele estaria contida. Pode, assim,
afirmar que apenas no gênero lírico teríamos uma quantidade ideal de energia,
ao passo que em manifestações dramáticas e épicas da poesia, por exemplo, teríamos
a energia em doses exacerbadas.
Essa intuição original é fundamentada no estudo
abrangente desses fatos estéticos. O trabalho de A. Barcellos Sobral consegue
dar, na mesma proporção, aprofundamento e extensão ao estudo. O texto, escrito
de maneira simplificada não dispensa, contudo, o grau de especificidade técnica
que seu autor cunhou, incluindo aparato terminológico próprio.
Mais que um livro de estética, trata-se de um
ensaio original redigido inteiramente em Niterói e cuja intensidade nos evoca a
estudá-lo, não apenas lê-lo diletantemente. Nessas reflexões de estética (e
mesmo na existenciologia que a precede) há o diálogo com Max Planc, Wolfgang
Kaiser e Pierre Weil, mas estes são apenas pontos de partida às intuições
intelectuais próprias de nosso autor. Percebe-se em Contemplação da unidade que apenas as ideias figuram em seu corpo,
não teve vez a erudição; assim, as referências e citações deram espaço um
pensamento original decorrente daquelas temáticas essenciais. Quanto a isso,
bem disse Antônio Carlos Villaça no primeiro aparato crítico do livro
(prefácio): “Não conheço ninguém mais
profundo, mais abissal e mais exigente do que nosso Barcellos Sobral. Ele é um
bicho da seda. Tira tudo de si mesmo. Não tira nada dos outros”.
Capa da primeira edição de Contemplação da unidade (Nitpress, 2009)
No ano de 2009, no topo de seus lúcidos 90 anos de
idade, A. Barcellos Sobral editou pela Nitpress uma segunda colação (revisada e
ampliada) do livro, trazendo aprimoramentos significativos se a compararmos com
a edição princeps. Atento a novas
nuanças de sua investigação, acresceu quatro novos quadros de estética no corpo
do tratado. A chancela de excelência sempre notória no trabalho do autor uma
vez mais pôde ser conferida pelos interessados nos estudos de filosofia, arte e
literatura. Naquela data, por ter acompanhado de perto o processo de revisão e
assinando o segundo aparato crítico da obra (pósfácio), tive a oportunidade de
proferir as seguintes palavras de reconhecimento: “Eis o trabalho da vida de um homem, um livro que nos ensina que a
contemplação não é apenas exploração ou crítica, mas um amor sem paixão, capaz
de perceber as coisas simples, serenamente. Ensaio de contribuição inegável aos
fundamentos filosóficos da estética, a obra de nosso pensador é chancelada pela
dedicação incondicional, sendo, essa nova edição – no ano que seu autor celebra
seus noventa anos de idade – brinde à comunidade acadêmica e aos interessados
nos estudos de filosofia, arte e literatura”.
A autenticidade do projeto de A. Barcellos Sobral,
hoje, mais do que nunca, necessita de herdeiros disponíveis a aprender a sua
visada abrangente, criadora e rigorosa, de gente que esteja disposta a estudar
e contemplar a Unidade.
CONVITE:
III◦ Salão da Leitura de Niterói
SALA NOEL ROSA
(Público Adulto)
Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)
Roberto,
ResponderExcluirEsqueci de comentar, que arrumando os guardados de papai, achei a carta de Alceu Amoroso Lima fazendo a critica a poesia de papai datada de 1950.
Um tesouro!
Abs,
Christina
Prezado Kahlmeyer,
ResponderExcluirComparecerei a sua palestra. Quero muito conhecer-lhe pessoalmente.
Desejo saber mais das ideias de A. Barcellos Sobral, também.
Receba toda minha admiração,
AG
Boa tarde, brilhante escritor Roberto.
ResponderExcluirSaudosa belle époque!
William Speers, natural da Inglaterra, atuou como inspetor da Contadoria Central das Estradas de Ferro Inglesa, Paulista, Ituana e Sorocabana. Foi promovido a superintendente da São Paulo Railway. Lembramos, ainda, que existiu a Estrada de Ferro Mogiana. Essa época nos remete a lembranças de românticos almoços e jantares nos vagões dos luxuosos restaurantes. Que saudades das locomotivas!
Atenciosamente,
Alberto Slomp.