sábado, 28 de janeiro de 2012

Aula de lógica com Sandro Pereira Rebel


Texto de Sandro Rebel reproduzindo a aula de lógica não-aristotélica do Professor Dr. Jovelino (Catedrático em Ciências Ocultas e Letras Apagadas). Ao final, não deixem de assistir ao vídeo com acirrada quaestio disputata entre filósofos vários. 


Exemplar da "Lógica", de Aristóteles, datado de 1570


A lógica


                                                                                                                                
Sandro Pereira Rebel


A lógica e a razão,
quando não bem entendidas,
podem gerar confusão
que as torna até descabidas.


Abriu-se vaga de porteiro no prédio e o condomínio, para preenchê-la, cercou-se de todas as cautelas. Cinco candidatos se apresentaram e o síndico cuidou de apanhar, a respeito da vida pregressa de cada um, as referências mais detalhadas. Tratou, principalmente, do item moral: o cidadão haveria de ter, mais que tudo, um caráter acima de qualquer suspeita. Mas preocupou-se também com apurar o atendimento, ou não, por parte dos concorrentes, de outros requisitos igualmente importantes. Nível de educação, grau de urbanidade, os seus hábitos e costumes, a dedicação ao serviço, a assiduidade no exercê-lo, sobre tudo isso procurou informar-se minudentemente, através de entrevistas pessoais com eles, os pleiteantes ao cargo, e de contatos com antigos empregadores deles. À questão da assiduidade e, como um corolário dela, à da permanência no posto em tempo integral, também dedicou especial atenção, até porque, por experiência própria (era síndico há mais de dez anos), e por observações que colhera junto a outros colegas de ofício com vasto conhecimento no ramo, tinha chegado à conclusão de que um dos problemas que mais comumente afetam o desempenho do porteiro de edifício é a tendência que ele tem para não ficar na portaria. É, de fato, esta, uma realidade incontestável: o de que menos um porteiro gosta é de estar na portaria.
Após cumprido assim, com o maior rigor, todo esse exaustivo processo de seleção, a escolha do novo porteiro recaiu no Jovelino, um mulatinho do interior de Minas, simpático, de trato agradável e muito comunicativo, apesar do forte jeitão de matuto presente na cara meio abobalhada. Era pouco ou nada letrado, mas no quesito caráter dera de goleada nos seus competidores, pois, destes, o mais qualificado era o que só tinha tido duas passagens pela polícia. Neste particular, o mineirinho mostrara-se mesmo imbatível. Daí que, ao admiti-lo no emprego, o patrão só cuidou foi de enfatizar para ele a recomendação que diversas vezes já lhe passara durante as preliminares do recrutamento:

– A pessoa, para entrar no prédio, tem que antes dizer seu nome.

– Mas meu nome, doutor? Como é que ela vai saber? E eu digo se ela perguntar?

– Não, Jovelino. Seu nome, no caso, é o nome dela, a pessoa, entendeu? Ela, então, antes de entrar no prédio, tem que dizer o nome dela, o apartamento aonde quer ir e o que vai fazer lá. Sem isto, Jovelino, não abra nunca o portão. Além disso, você tem que apanhar, pelo interfone, a autorização do morador para o visitante subir, entendeu?

Passou-se perto de um mês e tudo ia correndo bem: o empregador satisfeito com o empregado e o empregado satisfeito com o empregador. Mas eis que um dia, ou melhor, uma noite, a desgraça bateu à porta dos dois. Alguém, chegando ao edifício, passou pro Jovelino as informações que este lhe pedira:

– Meu nome é Chico. Quero ir ao apartamento 1002, o do síndico. Vou só fazer uma visitinha a ele. Coisa ligeira.

Nome, destino e propósito assim informados, Jovelino não teve dúvidas: abriu o portão.
No dia seguinte, os jornais estampavam a notícia do assalto e da surra que levara o dono do apartamento “visitado”, com direito até a coronhadas de revólver por haver tentado enfrentar o meliante.
Chamado às falas, Jovelino foi claro:

– Uai, o moço já tinha dito o nome dele e pra onde queria ir. Foi até bem explicadinho: quando passou por mim, deu uma risadinha, acho que por causa da cara de bocó que o pessoal diz que eu tenho, disse que era um tal de “larapo” – que eu logo vi que era o sobrenome dele – e que estava ali a serviço. O diabo desse fone aí estava com defeito, e eu então deixei o moço subir, uai!






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16 comentários:

  1. Roberto,
    Achei excelente a sua ideia de publicar um dos textos do meu pai Sandro Rebel.
    Sei que existe uma admiração e um respeito profissional e ético que une vocês e considero tal relação muito bonita.
    O texto de papai é leve e tem uma pitada de humor que dá prazer em ler. Papai escreve com uma linguagem simples, direta, possibilitando a ilustração de uma realidade bem brasileira.
    Parabéns ao escritor Sandro Rebel!

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  2. Cara! Hilariante!

    Larapo!!!!! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK...

    E o futebol dos filósofos!

    Só vocês mesmo!
    A dobradinha Rebel-Kahlmeyer é nitroglicerina pura!

    Marcelo Vítor

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  3. Roberto,

    trate de publicar mais vezes este tal de Sandro Pereira Rebel.

    O Cara é BOM!

    Lauro Pereira.

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  4. O quE mais me atrai nos escritos do SANDRO é a simplicidade que caracteriza seus contos ou relatos,sem que ele se esqueça de detalhes importantes cuja ausência comprometeriam o significado e o valor do texto.Ele acha as palavras e frases certas que nós às vezes procuramos para descrever situações e,tendo dificuldades,não as achamos.Vem tudo prontinho de seus dedos.
    Em sua simplicidade não há superficialidade,pois podemos vislumbrar sob seus termos muitas de suas características pessoais, de homem simples, generoso,amigo e por vezes"gaiato".

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  5. Ficou tão bonito de fardão!

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  6. Ae, o tal Jovelino é sinistro!

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  7. Marca registrada do Sandro, gozador sutil, sempre com uma tirada boa e fino humor. Escreve fácil e de forma clara. Cronista dos bons. Ficou bacana à beça com aquela toga azul.
    Carlos Rosa Moreira.

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  8. diana.agenteliteraria@gmail.com29 de janeiro de 2012 às 12:43

    Bom dia.


    Quero muito poder recomendar aos autores,editores e outros parceiros literários. Como proceder?


    Um abraço e contem comigo, sempre.


    Diana

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  9. Emmanuel de Macedo Soares29 de janeiro de 2012 às 15:16

    Com todo respeito ao Sandro, acho que o alemão não devia ter publicado esse conto. Agora corremos o risco de ver o tal Jovelino eleito para a Academia Fluminense de Letras (com direito a batina azul brilhante)ou até, quem sabe, escolhido Intelectual do Ano.

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  10. Roberto,
    muitos bons o texto de Sandro Rebel e o original futebol filosófico.
    É oportuna a inserçao de bom humor em seu blog.
    Abç.
    Gilson

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  11. Da mesma maneira que só dá para definir Frederico Felini com o adjetivo "feliniano", este texto só pode ser classificado como "rebeliano"!

    Inédito!

    Rocco

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  12. Muito engraçado o conto do autor!
    Parabéns pelo alto nível das postagens deste Blog!

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  13. Bom texto, Sandro,com o humor levemente ácido que caracteriza os seus escritos. Parabéns!

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  14. Gosto dos textos do Sandro. Alguns parecem retratos do cotidiano.
    Belvedere

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  15. Simplicidade e bom humor são coisas que faltam no dia-a-dia das pessoas e sobram nos textos do Sandro Rebel! Dono de uma escrita inteligente e dinâmica, envolve e aguça a imaginação do leitor; parecido com o jeito de escrever do Agenor F. Filho, cujos contos tem cheirinho de cidade do interio Saúde e vida longa ao escritor Sandro Rebel!

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