Convicto do brocardo lobatiano segundo o qual “um país se faz com homens e livros”, tentei elencar, de memória, aqueles títulos que eu acreditava representar bem a cultura literária de Niterói. Consultando várias pessoas ligadas ao meio acadêmico de minha cidade, foi curioso o fato de minha lista coincidir com os títulos apontados por aqueles conhecedores de livros. Diante desta coincidência (ou deveria dizer “feliz serendipidade”), animei-me, sem maiores pretensões, a apresentar quinzenalmente alguns dos livros que teriam, de algum modo, marcado a cena literária niteroiense. Livros que trouxeram contribuições substanciais em alguma área, inovações, resgates, celebrações de datas festivas da cidade e que, até, ficaram conhecidos pelas polêmicas que causaram. Em todos esses casos, o valor literário ou histórico foi o que deu o critério para essas escolhas que – longe de serem completas – serão singelos afagos na cultura de nossa cidade.
Em cada quinzena, o leitor de Literatura-Vivência poderá conhecer, no
Projeto “Livros que marcaram
Niterói”, um pouco mais das nossas letras.
Capa de Niterói e a Fotografia
*
Niterói e a fotografia (1858 – 1958) foi lançado em 1994 por
iniciativa de Dora Silveira, então responsável pela Niterói Livros. Sua organização, a cargo de Pedro Karp Vasquez foi
difícil, em virtude da falta de recursos, de tal forma que começou na primeira
administração de Jorge Roberto Silveira, mas só saiu na de João Sampaio.
Faziam parte do projeto original
dois outros autores: Almiro Baraúna e Décio Brian, com imagens que cobriam o naufrágio
do Camboinhas (que deu nome àquela porção de praia, antes pertencente à praia
de Itaipu); mostravam a colina que existia na área onde hoje se ergue a Igreja
Santuário das Almas; em como a estação das barcas inteiramente destruída pelo
fogo. Editorialmente foi uma pena, mas o trabalho não foi inteiramente perdido,
já que essas fotografias (adquiridas para o livro) foram incorporadas ao acervo
da Fundação de Arte de Niterói, estando, portanto, à disposição dos
pesquisadores da história da cidade.
Esse livro nunca poderá ser
reeditado, muito embora já se tenha pensado nisto, tendo em vista o fato de que
a edição foi esgotada em apenas seis meses: saiu no final de junho e acabou no
Natal, basicamente pelo fato de ser o único livro de fotografia sobre o passado
de Niterói amplamente ilustrado. [Não podemos esquecer o do próprio Jorge
Roberto Silveira, melhor e mais bonito, mas que é de pintura e, portanto, não
tem aquele charme passadista da fotografia em que você pode ter a surpresa --
como ocorreu -- de reconhecer seu austero vovô soltando a franga num bloco de
travestis].
Niterói e a fotografia (1858 – 1958) é do tempo do fotolito e foi
impresso em uma única passagem em máquina, não tendo a qualidade técnica
exigida hoje (quase vinte anos depois) para os livros de fotografia histórica,
que são quase todos impressos em quatro cores ou, no mínimo, em bicromia.
Seria necessário reproduzir ou
escanear todas as imagens, o que encareceria demasiadamente o custo da obra,
enquadrando-a na categoria de "livro de arte", à qual não pertencia.
Era uma simples crônica visual de Niterói e vendeu bem porque tinha preço
acessível.
Com o passar do tempo surgiram
diversas outras fotografias importantes que não eram conhecidas no início da
década de 1990, quando efetuei a pesquisa. Assim, seria necessário corrigir os
erros, esclarecer as imprecisões e, sobretudo, acrescentar os novos dados
coligidos, bem como as imagens que emergiram no entrementes, de uma forma tal
que o livro (mantendo o mesmo período de 1858 a 1958) teria que no mínimo dobrar de
tamanho. Em resumo: não seria o mesmo.
Dois colecionadores que cederam
graciosamente imagens de suas respectivas coleções faleceram: Gilberto Ferrez e
Dr. Pedroso. No primeiro caso seria fácil ter acesso às imagens (pagando caro pelo
que antes foi cedido gratuitamente), pois sua coleção foi incorporada ao acervo
do Instituto Moreira Salles.
Autor Desconhecido - Jogos atléticos no Rio Cricket, 1908. Acervo Mônaco da Fundação
de Arte de Niterói. Vale lembrar que o Rio
Cricket foi um dos principais difusores no Brasil de um esporte vindo da
Inglaterra, o football. Mais um
importante pioneirismo de Niterói, similar ao da pintura de paisagem pelo Grupo
Grimm. Movimentos que influenciaram o país inteiro, porém poucos se dão conta
disto.
[1] Texto
estabelecido sobre as notas do organizador Pedro Vasquez, a quem registramos um agradecimento cordial por ter cedido gentilmente o material para esta postagem.
George Leuzinger ¾ São Domingos, c. 1865. Coleção Gilberto Ferrez [hoje integrada ao acervo
fotográfico do Instituto Moreira Salles].
Suíço radicado no Rio de Janeiro Leuzinger foi o primeiro a expor
vistas do Brasil na Exposição Universal de Paris de 1867 (juntamente com Albert
Frisch ¾ com fotografias do Amazonas ¾ também
representado pela Casa Leuzinger). Leuzinger mostrou justamente um conjunto de
vistas das cidades do Rio de Janeiro e Niterói, do qual, possivelmente, fazem
parte as duas vistas de sua autoria aqui reproduzidas.
Marc Ferrez ¾ Jurujuba com o Pão de Açúcar ao fundo, c. 1890. Coleção Gilberto Ferrez
[hoje integrada ao acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles]. Uma das mais belas e
misteriosas imagens produzidas no Brasil oitocentista, essa vista ilustrou a
capa do mais completo livro consagrado à sua obra: O Brasil de Marc Ferrez, obra coletiva organizada por Sérgio Burgi
e editada pelo IMS.
Marc Ferrez ¾ Jurujuba, vendo-se ao fundo o Pão de Açúcar, a Pedra da Gávea e o
Corcovado, c. 1890. Coleção Gilberto Ferrez [hoje integrada ao acervo fotográfico do
Instituto Moreira Salles].
Carioca, Marc Ferrez era filho
de um dos integrantes da Missão Artística Francesa (o escultor Zéphirin Ferrez).
Foi o único a ser agraciado com o título de Photographo
da Casa Imperial e a se preocupar em afirmar sua condição de paisagista
numa época em que a fotografia profissional era dominada pelo retrato.
Juan Gutierrez ¾ Interior do Forte do Gragoatá durante a Revolta da Armada, vendo-se, à
esquerda, o slogan “Viva a República” pintado no muro, c. 1894. Coleção Museu Histórico
Nacional.
Apesar de ter nascido Vila
Real da Praia Grande, Niterói se alinhou com os republicanos durante a Revolta
da Aramada, resistindo bravamente ao cerco dos insurretos e, por isso,
merecendo o título de “Cidade Invicta”.
Florindo Siqueira ¾ Teatro de Santo Antônio na rua de São João, c. 1875. Coleção Emmanuel de Macedo
Soares.
Segundo nosso amigo
Emmanuel, detentor das únicas três fotografias conhecidas de Siqueira (duas das
quais ele gentilmente me autorizou a reproduzir), esse teatro permaneceu em
funcionamento entre 1874 e 1881.
Conde de Agrolongo Jardim Pinto Lima (popularmente conhecido como Jardim São João), c.
1895.
Coleção Roberto Pedroso [dispersada após sua morte]. Agrolongo era dono da
fábrica de Fumos Veado e suas imagens estereoscópicas eram oferecidas de brinde
aos consumidores dos seus produtos, no primeiro amplo esforço de difusão de
imagens fotográficas e de incentivo ao colecionismo das mesmas no Brasil.
Autor desconhecido ¾ Procissão em louvor a Nossa Senhora Auxiliadora na rua de Santa Rosa
(no ponto em que depois seria erguida a Basílica), 1900. Acervo Colégio Salesiano.
Autor desconhecido - Alunos do Colégio salesiano no embarcadouro da Cantareira em São
Domingos (no ponto em que se situa hoje o Colégio Maria Thereza), c. 1900. Acervo Colégio Salesiano. Essa inocente imagem adquire
uma conotação sinistra quando evocamos o terrível acidente que vitimou dezenas
de alunos do Salesiano na volta de uma viagem semelhante de barca ao Rio.
Autor Desconhecido - Pescaria na praia da Boa Viagem, 1908.
Acervo Mônaco da Fundação
de Arte de Niterói.
Augusto Malta - Palacete de Dom João VI em São Domingos, c. 1904. Coleção Museu da Imagem e do
Som do Rio de Janeiro.
Ao que se sabe essa é a
única fotografia conhecida do palacete (demolido em 1905). Eu a localizei entre
as imagens (ainda não catalogadas à época) que pertenciam ao acervo pessoal do
fotógrafo depois que ele se aposentou e mudou para Niterói (onde morava no
Ingá). Esse conjunto foi adquirido pelo governador do então Estado da
Guanabara, Carlos Lacerda, em 1965, com a finalidade expressa de constituir o
núcleo inicial do acervo iconográfico do Museu da Imagem e do Som. Criado nesse
mesmo ano, foi o primeiro do gênero no Brasil.
Augusto Malta - estação hidroviária de passageiros na praça Araribóia, c. 1918. Coleção Museu da Imagem e do
Som do Rio de Janeiro. Similar àquela ainda
existente do outro lado da baía, essa estação foi destruída em 1959 naquela que
ficou conhecida como a “Revolta da Cantareira” (ou “Revolta das Barcas”).
Manuel Fonseca - Trampolim da praia de Icaraí, 1941. Coleção da Fundação de Arte de Niterói.
Símbolo da cidade durante
muitos anos, foi explodido (por razões de segurança dos banhistas) em 1964.
Manuel Fonseca ¾ Bloco de travestis em Icaraí, Carnaval de 1944.
Coleção da Fundação de Arte
de Niterói.
Manuel Fonseca - Bloco “Inocentes Canibais” diante do busto de Araribóia, na praça
Araribóia, Carnaval de 1956.
Coleção da Fundação de Arte de Niterói.
George Leuzinger ¾ Pedra da Itapuca, c. 1865. Coleção Gilberto Ferrez [hoje integrada ao acervo
fotográfico do Instituto Moreira Salles]. No século XIX a Itapuca
gozava de maior prestígio que o Pão de Açúcar, a ponto de o barão do Rio Branco
¾ cujo centenário de morte ora se comemora, e
que tanto tempo viveu longe do Brasil ¾ ilustrou seu ex-libris com
ela, acrescentando o seguinte dístico latino: Ubique patrie memor. Durante muitos anos eu mesmo não entendia o
“sucesso” da Itapuca, somente há pouco descobri que foi possivelmente o
naturalista Louis Agassiz (que aqui esteve em 1865) o grande responsável pelo seu
prestígio, ao considerá-la um exemplo remanescente dos “drifts continentais” da
Era Glacial.
Victor Frond ¾ Ilha dos Ratos [atual ilha Fiscal], com as colinas de Niterói ao
fundo, 1858.
Coleção Biblioteca Nacional. Essa litografia reproduz a
primeira imagem fotográfica em que figura (ainda que no segundo plano) a cidade
de Niterói. Integra o livro Brasil
Pitoresco, com texto de Charles Ribeyrolles, fotografado, produzido e
editado por iniciativa de Frond em 1861. É interessante lembrar que Ribeyrolles
continua entre nós [no Cemitério do Maruí], com um epitáfio especialmente
composto por seu [e de Frond] amigo Victor Hugo. Por outro lado, o texto de
Ribeyrolles foi vertido [mal, porque rápido e em grupo] para o português entre
outros por um jovem que viria a fazer história: Machado de Assis.
Divulgação
Cultural
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Bom dia, Roberto Kahlmeyer.
ResponderExcluirAgradecendo o e-mail útil e informativo, retribuo com uma mensagem de minha autoria.
Muitas pessoas recebem dicas, mas só as pessoas inteligentes sabem aproveitá-las.
Se, porventura, quiser fazer um passeio cultural - visite a Bienal Internacional de São Paulo no período de 09 a 19 de agosto no Anhembi - Avenida Olavo Fontoura, 1.209 - Santana - São Paulo - Capital.
Um bom final de semana, extensivo a família.
Atenciosamente,
Alberto Slomp.
Riquíssimo material, Kahlmeyer!
ResponderExcluirUma postagem nota 1000!
Abraços do Alan
Roberto, vc está coberto de razão: as fotos são pura poesia! Parabéns ao organizador Pedro Vasquez.
ResponderExcluirAbraço,
Sonia Lobo
Excelente Trabalho Roberto,
ResponderExcluiré pena que as pessoas ligadas à cultura em sua cidade não dão a mínima para o desvelo com o qual você desenvolve seu trabalho.
Receba, pelo menos, a minha consideração e respeito
KL
Que delícia observar o passado da nossa cidade. Que tristeza perceber que todos os governos (talvez, e só talvez, com alguma exceção) nunca souberam, ou melhor, nunca se interessaram, nunca tiveram a percepção de unir com harmonia o crescimento da cidade com o que Deus deu. E nunca souberam (e não sabem! ou não querem! Ou sempre pouco se lixaram) conservar a memória e a cultura, permitindo o avanço sem destruir a beleza do passado. Mas isso não é "privilégio" de Niterói, acontece no Brasil inteiro. Só não acontece em paises verdadeiramente de 1º Mundo.
ResponderExcluirMuito obrigado, Roberto, pelas imagens, são um presente para os olhos e para o espírito. Delícia.
Carlos Rosa Moreira.
Caro Kahlmeyer-Mertens,
ResponderExcluirBom dia!
Agradeço muitíssimo seus comentários e a divulgação das imagens de meu livro, "Niterói e a Fotografia, 1858-1958" no seu sempre interessante e instigante "Literatura-Vivência".
Por coincidência, ontem fui fazer uma palestra no Instituto Histórico e Geográfico de Niterói ("Aspectos da Fotografia na província do Rio de Janeiro no século XIX") e duas pessoas me indagaram acerca da possibilidade de reedição do livro, questão que fica esclarecida de uma vez por toda com a sua postagem.
Reiterando meus sinceros agradecimentos, envio o abraço amigo de
PA
Vai fazer a reedição, Pedro?
ExcluirUm abraço
Belvedere
Lindo de morrer!
ResponderExcluirQue posatagem linda, Roberto! Vc é grande, amigo!
ResponderExcluirBjs
Belvedere
Roberto, sou contra comentários que não sejam exclusivos sobre o assunto tratado no blog. Entretanto comentei, acima, esta excelente postagem, e agora, se permitir, gostaria de dar uma notícia literária. O escritor paulista radicado em Poços de Caldas, Chico Lopes, é um dos dez finalistas de um dos maiores premios literários do país: o São Paulo de Literatura. Chico foi o primeiro entrevistado do Cenáculo Fluminense para as páginas do Literato. Sinal de que o Cenáculo acertou, e de que o Literato foi visionário, pioneiro na escolha de seu entrevistado. Chico Lopes já é um dos grandes contistas deste país.
ResponderExcluirUm forte abraço.
Carlos Rosa Moreira.
Prezado Kahlmeyer:
ResponderExcluiracho ótima a iniciativa de lembrar dos livros que marcaram Niterói. Lamento que a antologia "Água Escondida" de Neide Barros Rêgo ainda não tenha sido contemplada.
Este livro não teria marcado Niterói?
Espetacular! Espetacular!...
ResponderExcluirO Blog é 1000, cabendo ressaltar, trata a cidade de Niterói com o carinho e respeito que ela merece.
ResponderExcluirEsse livro pode ser encontrado em algumas lojas de livros usados. Há alguns exemplares à venda na Estante Virtual, como esse:
ResponderExcluirhttp://www.estantevirtual.com.br/livros-moura/Pedro-Vasquez-Niteroi-e-a-Fotografia-1858-1958-87008004?busca_ref=fg