segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O poeta Marco Aurélio Mello Reis segundo Emmanuel de Macedo Soares




Um poeta de Niterói


                                                               Emmanuel de Macedo Soares

Marco Aurélio Mello Reis é um poeta de Niterói, um niteroiense da Mem de Sá, que estudou no Liceu, curtiu a praça da República e a praia de Icaraí, andou nas barcas da Cantareira e depois foi percorrer os caminhos do mundo, à procura de um caminho.
Encontrou a poesia, que na incoerência de todas as buscas acaba sendo a única coerência de todos os achados.
Não a tece para ser exibida, mas para ser presença nitidamente demarcada com linhas fortes na nossa literatura contemporânea, e esse espaço já lhe foi assegurado pelo juízo dos mestres, de Tristão de Ataíde a Pedro Nava, de Dom Marcos Barbosa a Antônio Carlos Vilaça, de Drummond a Odylo Costa, filho.
E não se trata de manifestações reticentes ou gentis de poeta para poeta, mas de afirmativas que muito concretamente reconhecem e proclamam a perícia e sensibilidade de Marco Aurélio no trato da palavra, de cada uma delas.
Às vezes chega a fazê-lo de forma tão propositadamente lúdica que joga de repente no verso uns jardineiros topiários, umas sáxeas telas, umas serranas saxifragáceas ou umas magias seminíferas, simplesmente para vê-lo resistir ao desafio e continuar fluindo livre e solto, sem perda do metro ou da beleza.
Coisa de mestre que bem conhece cada peça que manipula, e não foi à toa que o bom e indispensável Drummond, tão avaro no dizer e mais ainda no elogiar, se permitiu abrir exceção para este niteroiense da Mem de Sá:

Estou dividido entre duas emoções: a de quem recebe um fino presente e a de quem imerge numa corrente de poesia de grande pureza, em que tudo é essencial e nada se mostra com ostentação, brilho, rumor. O tom velado, mas seguro, de cada poema, lembra música surdinada que se dirige mais à alma que aos ouvidos. E tudo se passa num diálogo discretíssimo entre poeta e leitor, como se aquele não quisesse ser escutado por mais ninguém, e só na confidência se manifestasse toda a sua riqueza. Guardei uma profunda e delicada impressão desses poemas reunidos, de alguém que não aspira à popularidade, pois se compraz no simples e constante exercício da poesia, sem esquecer, antes celebrando-a, e amando-a, a obra de outros poetas.

Não há precisão de mais dizer, e aqui vos deixo com um pouco da poesia de Marco Aurélio Mello Reis.


SONETINHO DO AMOR TECELÃO

Tenho um amor para dar,
amor tão forte e tão puro,
que certo ainda o darei
àquela que não procuro

Tenho um amor para dar,
dentro do peito tecido,
que há de ser como uma rede
de fio fino e macio,

para nele se enredar
o amor que um dia vier
como a surpresa da vida.

Meu amor, como um tear,
tece o fio do viver
nesse fio de esperar...



O MEU MENINO

Só um menino me importa,
entre todos os meninos:
não aquele que eu não tive,
mas aquele que eu não fui.

Sentir de nada adianta.
O que adiante é sentir-se.
E eu sinto, mas não me sinto
vendo os meninos que brincam.

Eis o tempo a confundir-se,
na pergunta do que sou:
sou o menino que não fui
no menino que ainda sou.



VISÃO

Surpresa para o olhar,
tua visão visitou-me:
levei tempo a pensar
no que o tempo levou-me.

Mesmo o jeito de estar
em ti, assim como estou-me.
Mesmo o ar de sonhar
de quando mais amou-me.

Mas como foi não vi
claro teu rosto escuro
de não estar aqui.

E estava eu no jardim
e pensava no puro
antigamente mim.



ORAÇÃO POR JOAQUIM CARDOZO

Senhor, o servo Joaquim
andou no mundo a buscar
arco ou poema que unisse
vossos mundos paralelos.

Andou no mundo a medir
as fundadas estruturas
que permitissem nas formas
(nas formas, como na vida)

o convívio dos contrários:
firme amarração no verso,
gesto de asa no concreto.

Senhor, o servo Joaquim
alto poeta e engenheiro
é homem de universais
e nordestinas virtudes.

Se andou no mundo tão só,
teve o coração varado
pela sorte de seu povo...
Uma grande dor sentiu!

Senhor, inclinai a fronte,
e ouvi atento esta prece,
agora que se aproxima
a hora entre todas dúbia
de vosso servo Joaquim
noitemente amanhecer.







9 comentários:

  1. Que maravilhosa supresa, Roberto! Parabéns a todos que tornaram possível a postagem.Bjs
    Belvedere

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  2. Roberto,
    Niterói mostra suas riquezas através de gente como Marco Aurélio, Emmanuel e você.
    Parabéns pelo nivel estratosférico do Blog.

    Lucas

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  3. Lindo!
    Tudo lindo!
    Carta, texto, poesias, música!...
    um sonho!!!

    Magda Lopes Sousa

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  4. Muito bom reencontrar o Marco.

    Ele é o volume 18, da “Coleção 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor”, da Editora Galo Branco
    1 beijo, Márcia,
    Editora.

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  5. Poetas assim não deveriam morrer...

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  6. Wanderlino Teixeira Leite Netto9 de janeiro de 2012 às 20:44

    Roberto,

    Belíssimos os poemas do Marco Aurélio. O vídeo? De uma delicadeza comovente! Parabéns pela postagem. Abç. Wanderlino

    P.S. A Rua Mem de Sá faz parte das minhas mais gratas recordações. Na década de 1960, joguei futebol no Flamenguinho (da Mem de Sá). Os antigos como eu hão de se recordar da equipe que fazia sucesso na cidade naquela época.

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  7. Emmanuel de Macedo Soares9 de janeiro de 2012 às 20:46

    Roberto, amigo


    Fico contente de ver que não sou o único a apreciar a poesia do Marco Aurélio. Os comentários reconhecem o poeta.
    Infelizmente não consegui a foto, com nenhum dos 200 ou 300 irmãos dele. Escanear o 2x2 que vem na orelha de seu livro foi tarefa improdutiva. Mas vejo que voce deu seu jeito, com essa tua proverbial e teutônica competência. Sendo o texto de Drummond, podemos sem susto inverter o jargão: uma palavra vale mais do que mil imagens.
    Grato pela postagem,
    grande abraço do

    Emmanuel

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  8. Uma postagem para gente sensível!
    Seu Blog é especial, Kahlmeyer.
    Sou sua fã.

    Erika Peixoto

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