domingo, 13 de novembro de 2011

A prosa luso-brasileira de Cunha de Leiradella exclusiva para o "Literatura-Vivência"


Conhecer um ilustre escritor luso-brasileiro trazido ao Literatura-Vivência pelas mãos de Belvedere Bruno... Boa maneira de começar a semana!


Gravura de Alex Andreyev



Mulheres de passado e homens de futuro


                                                                                                                            
                                                                                                                              Cunha de Leiradella
           
Andréa era recepcionista, mas não gostava de pessoas. Ana Carolina era corretora, mas não gostava de vendas. André era médico, mas não gostava de doenças. Eduardo era jornalista, mas não gostava de notícias.
Moravam em Belo Horizonte. Andréa e Ana Carolina no mesmo bairro, e André e Eduardo em bairros diferentes. Conheceram-se na Casa dos Contos, numa sexta-feira de noite. Andréa comendo batata frita com ketchup, Ana Carolina, frango à passarinho, André, peixe ao molho branco, e Eduardo, salaminho e azeitonas. Sentaram na mesma mesa por acaso. Andréa vinda do hotel, Ana Carolina, da companhia de seguros, André, do hospital, e Eduardo, sem destino.
O restaurante estava cheio. Andréa chegou primeiro e Ana Carolina não tinha onde sentar. André jurou que já as conhecia e Eduardo esbarrou na mesa, sem querer. Andréa sorriu e disse que era a força do destino, e arrumou mais um lugar.
Gostaram de se encontrar e fizeram confidências. Andréa, nascida em junho, em Santa Lúcia, queria ser cantora. Ana Carolina, nascida em setembro, na Savassi, queria ser atriz. André, nascido em maio, em Itabira, queria ser violonista. Eduardo, nascido em novembro, em Portugal, não sabia.
Falaram do passado e do futuro, e resolveram prolongar aquele encontro. Andréa leu as mãos e fez horóscopos, e Ana Carolina quis saber onde moravam. André falou da fazenda, em Itabira, e Eduardo escutou, silencioso. Andréa gostava de cavalos e de matas, e Ana Carolina morava só e não tinha namorado. André sorriu e achou ótimo, e Eduardo ficou triste e pediu vinho.
Andréa brindou a Câncer e a Gêmeos, e ao seu perfeito entendimento, e lamentou o medo que Libra sempre tem do imperioso e angustiado Escorpião. Ana Carolina brindou aos homens de futuro e afirmou, seriamente, que os opostos sempre acabando atraídos. André sorriu e achou ótimo, e Eduardo tentou adivinhar a cor dos sutiãs.
Terminaram a noite com duas garrafas de vinho português. Andréa cantou Travessia e André fez do tampo da mesa um violão. Ana Carolina lamentou a miséria dos sem-terra e a violência dos pivetes, e foi ao banheiro vomitar. Eduardo rebateu o vinho com conhaque e pensou nos seios de Andréa nus, caídos num lençol.
Festejaram o fim do ano em Cabo Frio e passaram um fim de semana na fazenda de André, em Itabira. Voltaram a Belo Horizonte bem queimados e Andréa casou com André no mês de maio. Eduardo embebedou-se na Casa dos Contos e não foi ao casamento e morreu atropelado na Avenida Afonso Pena nessa noite, e Ana Carolina desenvolveu dons mediúnicos e apaixonou-se por um colega de trabalho, aquariano e malcasado.
Naquele ano, o Brasil foi campeão de Fórmula 1, sem disputar a última das corridas, e Mikhail Gorbachev publicou Perestroika, sem prever a derrocada.




Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)





10 comentários:

  1. Grande Cunha de Leiradella! Há 5 anos retornou a Portugal. Lastimei o fato. Queria que ficasse para sempre no Brasil.
    Grata.
    Belvedere

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  2. Alberto Lima Abib Wermelinger Monnerat14 de novembro de 2011 às 10:33

    Prezado Roberto,

    De volta da Suíça no dia 17-outubro, ainda sob os ecos da ótima repercussão de nosso livro apresentado em 23-setembro en Treyvaux - Canton de Fribourg, somente hoje tomei conhecimento (via blog enviado) do falecimento do primo Edmo Lutterbach.
    Efetivamente uma grande perda para nós da família, e também para a comunidade literária fluminense e brasileira.

    Saudações

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  3. Para que conheçam melhor o autor.


    Biografia
    Cunha de Leiradella

    Dramaturgo, romancista, contista e roteirista, nasceu na manhã de 16 de novembro de 1934 na freguesia de São Paio de Brunhais, concelho da Póvoa de Lanhoso. Bem no norte de Portugal, quase fronteira com a Espanha, entre neve, lobos e javalis. E os seus primeiros vagidos literários foram de poeta. Criminoso venial, felizmente, nunca publicou os versos em livro. Confessa que Eça de Queirós, Miguel Torga, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Ernest Hemingway, Dashiell Hammett, Eugène Ionesco, Samuel Beckett e Albert Camus muito o influenciaram. Mas tem por certo que a vida foi a sua melhor professora. Malófobo inveterado, aterrou no Rio de Janeiro, no dia 21 de abril de 1958 com um lenço branco no bolso, um curso de Direito interrompido e uma cuca prestes a fundir-se. Não fundiu a cuca e também não pagou analista. Escreveu em jornais, começando pelo Portugal Democrático, levado por Adolfo Casais Monteiro, e andou pelo Teatro Tablado, com Maria Clara Machado e Napoleão Muniz Freire. Com Amir Haddad e Maria Helena Khünner, em 1965, fundou o TUCA-RIO (Teatro Universitário Carioca). Foi no espetáculo O Coronel de Macambira, dramatização do poema de Joaquim Cardozo, primeira montagem do grupo, que apareceram artistas do porte de Renata Sorrah e Roberto Bonfim, hoje grandes atores do teatro e da televisão brasileira. Saboreador de um bom cachimbo e de um bom conhaque, fumou cigarros por injunção e foi sócio honorário de todas as fontes magnesianas de Caxambu e arredores. Residiu em Belo Horizonte de 1980 a 2003, onde, em 1985, fundou e presidiu o Sindicato dos Escritores do Estado de Minas Gerais. Hoje, mora nos valados da Serra do Gerês. Em Portugal.

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  4. CARO ROBERTO,
    DEI VALOR À POSTAGEM ANTERIOR TRATANDO DO ACADÊMICO DA ABL MARCO LUCCHESI.
    NÃO SABIA QUE ELE ERA SEU AMIGÃO.

    JORGE SOUZA

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  5. Gostei de conhecer o luso-brasileiro. Por que não quis ficar no Brasil, hein?
    Sylvianne Mattos

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  6. Grande agregação ao LV. Parabéns pelo sempre extraordinário nível do Blog!
    Matando a pau a concorrência!

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  7. Oi Prof!

    Gostei muito deste texto! Isso é conto ou crônica?

    A postagem sobre o poeta Marcos Lucchesi é o ponto alto do Blog, na minha opinião.

    Continue me informando das publicações do blog.

    Abraços do Alan

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  8. Caro Roberto,

    Já lemos este material durante o feriadão. Poste coisa nova! Estamos ansiosos para ler.

    Simone

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  9. Boa pedida, um festival de gastronomia em Friburgo... Adoro truta...

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