Agosto: mês do cachorro louco, mês das bruxas, agosto mês do desgosto...
Carlos Rosa Moreira
Agosto não é mês dos mais queridos. Acho isso grande injustiça; acho também ignorância. Talvez não gostem dele porque não tem feriados. Tem o Dia dos Pais, menos concorrido (e dispendioso) do que o das mães; tem o insosso Dia do Soldado, festejado na data de nascimento do Duque de Caxias, dia vinte e cinco. E parece não ter mais nada que valha um festejo ou um feriadozinho. Mas imagino que o motivo da antipatia pode ser outro. Antigamente, quando havia as deliciosas férias de inverno que duravam julho inteiro, era agosto que punha fim nelas. O danado do agosto recomeçava o ano. “Ai, meu Deus, tá chegando agosto...” Dizia alguém, a aproveitar os derradeiros dias do amigável julho. E agosto se tornou o “mês do meio”, um mês sem charme que deve passar.
As pessoas precisam ver. É necessário ver para viver. Coloca-se a vida num canudo sem janelas dentro do qual se repete dia após dia o mesmo ritual. A vida se torna algo a ser consumido pelas horas. Deseja-se que dias, semanas, meses e anos passem, de preferência, bem rápido. Mas um mês não é, simplesmente, dias a correr um atrás do outro. Os meses têm características e personalidades ligadas à natureza, aos astros, à História. Para começar, agosto é um mês nobre. É dedicado a Caio Júlio César Otaviano, chamado Augustus (daí, agosto), o apoteótico imperador que ao morrer tornou-se deus. A deusa Ceres ─ deusa da agricultura ─ , a mesma Démeter que os romanos pegaram emprestada dos gregos, consagra agosto. E aqui no Brasil, Ceres é deusa-mãe.
Afirmo isso porque, como se não bastasse ser nobre, agosto é, nada mais nada menos, o mês da floração do capim-gordura. Sim senhores, um rico presente da deusa Ceres. Convido-vos a sair do canudo, ide apreciar a floração do capim-gordura!
É preciso escolher um canto de serra. Melhor será uma pequena vila do interior, um lugar de plantação e colheita. Haverá morros cobertos de capim-gordura. Chegue cedo, antes do nascer do sol. Deixe o carro, vá a pé. Agasalhe-se, pois o mês é de frio. Fará bem sentir esse frio na cara. É frio caído do céu durante a noite sob forma de sereno perfumoso; e é frio que emana da terra, onde o sereno se aconchegou. Caminhe. Pise a terra dos caminhos. De um lado terá a mancha esbranquiçada das encostas cobertas pelo capim-gordura, mal iluminadas pela luz difusa da madrugada; do outro lado haverá plantações e as leiras recém-semeadas. O céu começará a clarear. Vai ficar azul, que é cor de céu em agosto. Vem o Sol, surge manso, com raios delicados e tenros trazendo uma quenturinha boa. Então a luz aumenta, dá firmeza ao azul e se deita sobre as encostas de capim-gordura. Os pendões em floração, cheios de orvalho, recebem aquela luz e brilham, brancos, imaculados, cobrindo as encostas de neve. É a neve tropical do capim-gordura em floração. Verdadeiro espetáculo que a arte do Sol desvenda aos olhos, graciosamente, durante o mês de agosto. Se tiver sorte, soprará uma brisa carinhosa que fará a neve dançar, e você pensará que as colinas caminham ao seu lado. Mantenha o peito aberto e a cabeça erguida, respire fundo o perfume daquele pedacinho da Terra onde você está. Seus pulmões e seu cérebro clamarão por respiradas profundas e agradecerão. Desveja a vida do canudo e aprenda a ver. Agradeça por estar vivo. Observe as plantações ao lado e as humildes leiras, berços das plantinhas novas. Abaixe-se, pegue a terra, cheire-a, passe no rosto, sinta-a entre seus dedos. Você estará de mãos dadas com Ceres, a deusa da terra e das plantas. Siga pelos caminhos pisando a terra que é mãe e agasalho. O Sol vai subir e queimará sua pele com a luz que não existe no canudo onde sua vida transcorre. Se você perceber o coração sorrir e se sentir feliz, é porque um cantinho esquecido da sua alma ganhou um carinho. A deusa o abençoou, deu-lhe de presente a simplicidade e a beleza da vida. E soprou-lhe aos ouvidos que não devemos desaprender a ver. Os presentes são muitos, e nos chegam de diversas maneiras. Nossa mãe Terra é pródiga. Mas abafamos dentro de nós a ligação com o mundo que nos cerca e com todos os seres dos quais somos irmãos. Porém essa ligação é indelével, inquebrantável, eterna. Precisamos senti-la, necessitamos vê-la, somos parte da família. Senão nosso espírito sofre, um sofrimento mudo que nos consome, mesmo sem percebermos.
Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)
Poh, vcs estão sendo injustos com o mês de agosto! Agosto é mês de meu aniversário.
ResponderExcluirGostosa a crônica do Carlos!
Abraços do Alexander Sá
mês do cachorro louco, das bruxas, do desgosto, da febre tifi, do cancro roda-roda. hehehehehehe (ai como eu toh bandida!)
ResponderExcluirBrincadeirinha... Gostei da crônica, achei muito irada! O Carlos Rosa é mestre!
Eu farei de tudo para estar presente na fala do Max, até porque ele foi meu professor.
ResponderExcluirFrancisco
Caro Roberto
ResponderExcluirApós a palestra do professor Maximiano na academia de letras, por que não faz uma cobertura fotográfica como aquela da posse de Lucchesi e da inauguração da Biblioteca Pública. Nós aqui de Goiás gostaríamos de ver isso!
É só sugestão...
Amâncio
Roberto,
ResponderExcluireu teria todos os motivos para detestar o mês agosto. Foi num dia 13 de agosto, uma sexta-feita, no longínquo ano de 1943 que, aos quatorze anos perdi minha mãe. Da data ficou, não apenas a saudade imensa daquela que me trouxe à vida, mas um registro perene em minha memória. Mas agosto, como expôs belamente Carlos Rosa em sua crônica, é o mês do capim gordura, mês de Ceres, a deusa da agricultura. Nada de mês de cachorro louco. Se você pesquisar as tragédias humanas verá que elas se distribuem igualmente entre os diversos meses.
Abraço,
Gilson
... agosto, agosto, mês da quenga lazarenta, aniversário do Zé do Caixão... KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
ResponderExcluirUma pérola esta postagem com a crônica do Carlos Rosa Moreira. Como ele escreve bem!
ResponderExcluirJá havia lido outras coisas dele espalhadas pela internet.
Lembro-me de um outro texto no qual ele fala de quando era menino, de um coreto, do avô, de uma nbandinha tocando. O Autor é, a sua maneira, tão cronista quanto o Rubem Braga...
Como sei que ele navega por aqui, deixo o registro de parabéns.
Cordialmente,
Sônia
ATENÇÃO:
ResponderExcluir"...A deusa o abençoou, deu-lhe de presente a simplicidade e a beleza da vida. E soprou-lhe aos ouvidos que não devemos desaprender a ver. Os presentes são muitos, e nos chegam de diversas maneiras. Nossa mãe Terra é pródiga. Mas abafamos dentro de nós a ligação com o mundo que nos cerca e com todos os seres dos quais somos irmãos. Porém essa ligação é indelével, inquebrantável, eterna. Precisamos senti-la, necessitamos vê-la, somos parte da família. Senão nosso espírito sofre, um sofrimento mudo que nos consome, mesmo sem percebermos."
Isso é o que eu chamo de VALOR!
Marthinha
Ave Carlos Rosa!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirBelvedere
Roberto,
ResponderExcluirestive no lançamento da Imprensa Oficial. Vi você pessoalmente mas não tive coragem de me apresentar.
Ganhei o livro "As Primaveras", do Casimiro de Abreu. Estou lendo e amando... Carlos Monaco autografou para mim, ele é tão simpático, não é?!
Laurinha
Roberto, excelente a crõnica de Carlos Rosa Moreira! É dotada da " densa leveza", peculiar aos grandes textos! Cultura pingando nas frases sem sofisticadas exibições. No simples, a grandeza do grande!
ResponderExcluirJá estou divulgando o seu Blog para certos amigos verdadeiramente "poetas," ou seja, àqueles "reveladores' que vislumbram "um além", no "aquém" trivial das coisas.
Fraterno abraço.
Dalma.
Por tudo que o Literatura-Vivência vem fazendo, e pelo alto nível de suas publicações este blog deveria possuir um selo de qualidade! - Mais ainda, um selo de excelência - ".
ResponderExcluirAve Carlos Rosa!!!!!!!!
Ave Roberto Kahlmeyer!!!!!!!!
Ave Maximiano de Carvalho e Silva, meu eterno professor!!!!!!!
Roberto,
ResponderExcluirnão sei se você conhece ou já ouviu referências ao Corujão da Poesia, projeto animado por João Luiz de Souza, tanto no Rio quanto em Niterói.
Como se trata de trabalho fora do circuito das entidades "oficiais",pouco se divulga sobre esse trabalho; no entanto, ocupa espaço na mídia, inclusive na TV.
Ele é um grande divulgador da leitura, vive fazendo coleta de livros para organização de bibliotecas.
Penso que esse projeto merece uma chance no seu blog.
Abraço,
Gilson
Roberto Kahlmeyer,
ResponderExcluirEste seu dinâmico trabalho com o blog, extensivo à literatura de Niterói, é algo que, a bem dizer, nos obriga a reverência.
Cumprimentos ao Carlos Rosa pela crônica
Jorge Pachecco Menezes
MATÈRIA TODA EM CINZA? CINZA DE AGOSTO? FOI DE PROPÓSITO?
ResponderExcluirSDS
LEA
Salve Roberto!
ResponderExcluirParabenizo você pelas matérias sempre inteligentes de seu Blog!
Quem é este tal Carlos Rosa? É amigo seu? Bacana o trabalho dele, hein?
Outra coisa, você não vai fazer postagem sobre a Bienal? Ela já está ai na portinha!
Vou ver se dá para eu ir no dia em que vc estará na mesa-redonda na Bienal 2011.
Li seu artigo sobre o poeta Luiz Antonio Pimentel no jornal da Bienal que já circula pela cidade. Pode parecer bajulação, mas é preciso dizer, a bem da verdade: havia muito tempo que não aparecia gente tão interessante nas letras de Niterói!
Força sempre!
Rocco.
Carlos Rosa Moreira é bom cronista.
ResponderExcluirCaro Roberto,
ResponderExcluirGostei tanto da crônica do Carlos que encomendei um livro dele na Estante Virtual!
Parabéns pelo Blog
Maria de Lourdes
Bom texto! Admirável, mesmo!
ResponderExcluirSeu blog é muito bem escolhido, Roberto.
Roberto,
ResponderExcluirAgradeço muito a todos que leram e comentaram minha crônica. "Agosto" faz parte do livro publicado em dezembro de 2010: "a montanha, o mar, a cidade". Um livro exclusivamente de crônicas.
Carlos Rosa Moreira.
Excelente, só para variar.
ResponderExcluirCarlos Rosa é um homem da palavra, asa da palavra, brasa da palavra!
André
Caro Roberto,
ResponderExcluiré compensador constatar a excelência do blog, tanto em qualidade , quanto em quantidade de postagens.Confesso
que acho a " modernidade " de "internetes e computadores " um tanto cansativa e, às vezes, absolutamente VAZIAS . Entretanto, um lado muito bom, vez em quando surge: este é o caso do seu paciente trabalho, propiciando mostrar ou relembrar valores literários, estéticos,
filosóficos, quando nossos pensamentos sentem-se agraciados. Se "agosto" é ou não o mês que , porventura causa "desgostos" , não vem a ser , em verdade, o fator principal: o que fez ENRIQUECER a crônica do nosso Carlos Rosa é a capacidade literária, lírica de uma inclinação rica em criatividade e poesia. As imagens escolhidas no texto reproduzem as "cores" emotivas de uma visão especial. A Professora Neusa Peçanha e eu já tivemos a honra de prefaciar o Carlos, já estavamos, à época, certos de seu brilho como um cronista de valor e de futuro. Parabéns a ambos e meu afeto, desde esse céu azul e ventinho insistente que eu sinto, no momento, bem aqui em Brasília, nessa vastidão do centro oeste brasileiro. Até breve,
Renato Augusto
Salve a alma elegante desse soldado da literatura no mês de floração do capim-gordura!
ResponderExcluirRoberto
ResponderExcluirParabéns por divulgar o trabalho do Carlos Rosa, um artesão da palavra.
Wanderlino
Lindo!Riqueza de sensações neste verdadeiro passeio imaginário,como em uma pintura!Parabéns amado irmão!Tatau.
ResponderExcluirNada a dever ao Rubem Braga!
ResponderExcluirParabéns ao talentoso cronista.
Desejamos Lê-lo mais.
Moritz Ganduá
Agosto passou, setembro chegou e o brilho do texto de Carlos Rosa permanece impoluto!
ResponderExcluirGrande cronista!
Aécio
Nossa meu aniversario e dia 24 de Agosto ! o.O
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