terça-feira, 9 de agosto de 2011

A crônica derradeira de Vera de Vives


Na postagem de hoje, não saberei me delongar. Vera de Vives foi uma escritora que não precisou de mais do que duas obras para se fazer célebre: O homem fluminense e Descobertas e extravios. Convivemos pouco, mas recebi dela o apoio essencial em uma hora decisiva. A postagem de hoje é preito de reconhecimento e gratidão:





“QUE EU SEJA na morte em repouso. E possam rosas vir de meus lábios e de meus olhos a luz dos mortos, fosforescência. 
PEÇO A SOBREVIVÊNCIA de rebrotar do chão como uma planta. Que eu seja contigo na relva que pisares, pois será meu corpo, decomposto e renascido.
PEÇO O CONFORTO de pensar que te hei querido, muito e muito, muito e sempre, como às coisas mais amadas e mais queridas.
QUE DURMA SOB minhas pálpebras descidas a saudade longa das paisagens conhecidas; e que o amor de quantos hei amado durma comigo, como em um ninho, dentro de meu coração parado.”

(VIVES, Vera de. Na morte. In: Niterói de Badezir. Niterói: s/ed., 2011. p.127)


Vera de Vives, perfil segundo Luís Antônio Pimentel


                                                                                                                                  Vera de Vives
                                                                                                                                    1925 - 2011

VERA DE VIVES, Bach. em Direito, prof., jornal., ensaísta, cronista, escritora, folclorista, filha da profa. Olga Bouchaud Lopes da Cruz, nasceu em Botafogo, no Rio de Janeiro, em jun. 1925. Fez os estudos prim. No Col. Santo Amaro, de irmãos beneditinos , e os secund. no Col. Sion, de freiras francesas. Aos 17 anos ingressou no c. de Letras Neolatinas da Fac. de Filosofia da PUC-RJ, e aos 21 na Fac. de Direito da mesma univ. No jornal O Mundo teve, aos 22 anos, sua primeira experiência no jornalismo assinando coluna sobre alunos jurídicos. Casada com Jorge Sinito de Vives, arquiteto, com ele viajou para a França, onde graças a uma bolsa de estudos, concedida pelo Governo francês como prêmio pelo primeiro lugar obtido em prova realizada pela embaixada daquele país, frequentou a Sorbonne, concluindo c. de língua e literatura francesas destinado a professores de francês no estrangeiro.
Nascidas suas filhas, a hoje médica Dra. Miriam Sinito de Vives, e Ana Elisa, hoje doutora em Física pela USP, dedicou-se a elas e ao lar por alguns anos. Nesse período prestou concurso para Assist. Jurídico do BNDES, tendo sido classificada em 14º lugar. Mas não assumiu o cargo por entender que as filhas, pequenas, precisavam dela. Durante esses anos escreveu para Rádio MEC histórias infantis, radiofonizadas em programas dirigidos por Geny Marcondes. Delas se originou o livro Histórias que o vento escreve publicado pela Edit. do Brasil (SP), em 1954. Em 1958, a Edit. Vozes escolheu, para a Coleção Feliz Idade, dois textos de sua autoria – A planta d’ Água e O dia do Arco-íris. Também em 1958 ingressou no magistério, regendo turmas de francês no Liceu Nilo Peçanha, em Niterói, até 1975. Entre 1961 e 1975, lecionou português e francês no Col. Pedro II e foi nomeada para o Cons. De Cultura do RJ. Para voltar ao jornalismo, publicou coluna semanal em O Itaboraiense (1961-62). Neste último ano iniciou colaboração em O Flum., a convite de Alberto Francisco Torres. Como cronista diária, criou o “Diário sem data”. Nos textos que essa coluna veiculava pôde expressar, com plena liberdade quanto aos temas escolhidos, sua ligação com o mundo e o cotidiano, prerrogativa que lhe foi assegurada até 1992 – em 30 anos de coluna assinada. Em 67 e 68 ocupou a Editora de Educação, também em O Flum. Entre 1973 e 1975 exerceu a assessoria de imprensa do Depart. Estadual de Ensino Médio da SEEC-RJ. Seleção de Crônicas do “Diário sem data” resultou no livro Niterói de Badezir, edição da autora, publicado em 1967. Com a fusão RJ/GB foi lotada no Dapart. Estadual de Cultura onde, sob direção de Paulo Afonso Grisoli, participou do programa de interiorização da cultura – os Pacotes Culturais – que percorriam os municípios levando música, dança e teatro eruditos, associados à apresentações de manifestações de cultura popular, sempre com participação de bandas civis locais. Dentro dessa programação organizou e apresentou o I Encontro de Bandas de Músicas Civis que reuniu 71 bandas. Os Encontros mantiveram-se vivos por anos, servindo eficazmente à revitalização das corporações musicais e encontrando êmulos em diversos Estados brasileiros. O Encontro de Folias de Reis que organizou e realizou pela primeira vez em 1975, no município de Duas Barras, perenizou-se igualmente, e se reúne todos os anos, em janeiro, algumas dezenas de folias, em presença de público cada vez mais numeroso. Para o Depart. Estadual de Cultura programou ainda, e realizou, em 1976 e 1977, pesquisa sobre o artesanato tradicional e o folclore flum., abrangendo 17 mun., representativos da realidade cultural e geográfica do Estado. Foram gravados depoimentos dos artesãos e praticantes dos folguedos, e fotografados, tanto os depoentes quanto as manifestações folclóricas. Nessa empreitada contou com a colaboração de Luís Antônio Pimentel, Jorge Sinito de Vives e Zalmir Gonçalves que, como fotógrafos, fixaram a memória de um Estado surpreendente para os próprios fluminenses e desconhecido para a maioria dos brasileiros. Os dados recolhidos em pesquisa resultaram no livro O Homem Fluminense, editado em 1978 pela fundação Estadual de Museus. Durante sua elaboração atuou como Diretora-Adjunta do Museu de Artes e Tradições Populares. Quanto aos objetos recolhidos durante a pesquisa, testemunhos concretos de artesanato tradicional fluminense, foram reunidos na exposição As Mãos do Povo apresentada em Niterói, no mesmo museu. A mostra circulou, depois, por vários municípios. Aposentando-se do serviço público manteve atividade jornalística e iniciou produção literária, com o romance Descobertas e extravios, 1997, história baseada na lenda fluminense do Mão de Luva. (...) a aposentadoria a afastou de seu convívio com Niterói: mas continua a sentir-se verdadeira niteroiense, membro das Acad. Flum. e Nit. de Letras, e cidadã nit. honorária, além de detentora da Comenda Arariboia.



(Verbete: Vera de Vives. In: PIMENTEL, Luís Antônio. Obras Reunidas – Enciclopédia de Niterói. Vol. 1. Niterói: Niterói Livros, 2004. pp. 255-256.)











21 comentários:

  1. Roberto,

    Você vai achar que eu estou ficando doida, não conheci a pessoa mas me emocionei muito com o post (chorei copiosamente!).
    Que lindas palavras sobra a morte, que morte poetica, serena... e a música!!!

    Não paro de escutar...

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  2. Conheci Vera de Vives por intermédio de suas crônicas, publicadas num jornal de Niteroi. Posteriormente ela as reuniu num livro, Niteroi de Badezir.
    Que ela descanse em paz e que sua obra a faça sempre presente.
    Eliana Bueno

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  3. Grande mulher!!!
    Que biografia!!!
    Quanto valor!!!

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  4. Roberto
    quem escolhe as músicas para seu blog!!!
    Esse tal de Wim Mertens é parente seu?
    Laurinha

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  5. Um espaço especial, tratando figuras especiais por uma pessoa muito especial.
    Roberto... singular! Não tem outra palavra!

    Com carinho,
    Mônica

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  6. Emmanuel de Macedo Soares10 de agosto de 2011 às 05:01

    A morte de Vera de Vives me encontrou na avenida Amaral Peixoto, por telefone. Pessoas andando pra lá e pra cá, me fizeram lembrar quantas vezes nossos caminhos se cruzaram. Primeiro no Liceu, onde fui seu aluno de francês. Vera era vinte anos mais velha que eu, mas era mais adolescente do que eu, naquela doçura e naquele entusiasmo com que ia nos dando a cada dia um pouco de Aragon, um pouco de Elouard. Depois nos encontramos na falecida Flumitur, eu e ela fazendo levantamentos sobre o patrimônio fluminense. Esbarramos milhões de vezes no elevador e na redação de O Fluminense, onde ela escrevia sobre os pardais da prefeitura velha (que aliás desapareceram) e eu dava pauladas nos outros, me achando dono de todas as verdades. Quando fui montar o Museu Histórico do Palácio do Ingá, que agora é só Museu do Ingá, lá estava ela, no anexo que abrigava o Museu de Artes Populares, de olho nas mãos do povo e na arte que brotava delas. E assim foi sempre, um encontro atrás do outro, sem marcar encontro. O último na livraria do Mônaco, e ambos havíamos envelhecido sem querer, mas seus olhos miúdos conservavam aquele mesmo viço de entusiasmo das aulas de francês. Estava cheia de animação, montando um antiquário, não era de parar. Parou na doença e morreu do jeito como previu, morte de passarinho. Haverá um próximo encontro? Talvez.

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  7. Que excelente ideia a homenagem! Vou ler, Roberto. Com carinho.
    Bjs

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  8. Emmanuel,

    Que comentário lindo! Fica claro que a amizade que tinha com a Vera de Vives foi bela e pura; estas redimem os homens de tudo!
    Onde quer que ela esteja, olhará contente para esta mensagem que transborda o sentimento contido naquela que é palavra mais singela do idioma francês: “tendresse”

    Olga

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  9. Lembro-me da Vera de Vives! Eu a lia sempre. Ela assinava em O Fluminense uma coluna chamada “Diário sem data”. Era a mesma época em que Sávio Soares de Sousa e Marcos Almir Madeira escreviam outra coluna: “Prosa & verso”. Esses três compunham uma “trindade esplêndida” em uma época em que os jornais davam uma maior atenção à literatura.
    Ainda bem que hoje existem os blogs...

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  10. Ui, ui Roberto!
    Ainda estou toda arrepiada. Até os cabelos da nuca!

    A pequena crônica da autora lembra aquele poema de Trakl que você veiculou na semana passada. Coincidência ou seria verdade aquela frase de Clemenceau segundo a qual os alemães (entre eles o Kahlmeyer) seriam “amigos da morte”?

    Bjuuus.
    Lilith

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  11. Sim, Lilith. Amigo da morte. Como bem diz Georges Clemenceau.

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  12. Não conheci pessoalmente Vera de Vives mas, sobretudo ao final dos anos oitenta, li muitas vezes sua coluna em O FLUMINENSE, com textos sempre muito bons e judiciosos. Como nessa ocasião eu era frequentador assíduo da coluna dos leitores do jornal, em várias oportunidades me referi a seu trabalho, em geral apoiando suas ideias em defesa dos interesses dos municípios fluminenses bem mais tarde, tive a alegria de ser seu confrade na Academia Niteroiense de Letras, sem contudo vir a conhecê-la pessoalmente, o que lamento.
    Justa sua homenagem.
    Abraço,
    Gilson

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  13. Seu trabalho é reconhecido, amigo. Talvez vc não faça idéia de quanto!
    Bjs
    Bel

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  14. Que postagem mais elegante, Roberto. Bonita de verdade. Não conhecia Vera de Vives pessoalmente, agora a conheço. Imortal é assim, a gente passa a conhecer em qualquer tempo. E ao ler a bela, bela crônica, descobre-se que a sua imortalidade não está numa cadeira acadêmica, mas no coração pleno e parado.
    Um forte abraço. Carlos Rosa Moreira.

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  15. Li no post que ela pertenceu à academia fluminense de letras, vc sabe informar se ela ainda existe?
    Gostei da música, em que língua elas estão cantando?

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  16. Onde a Vera de Vives estiver, estará muito contente com esta homenagem, amante das boas letras, que era.

    Marthinha

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  17. Está errado o título desta matéria. Devia se chamar: A derradeira "poesia" de Vera de Vives.
    Linda!

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  18. Bom dia,
    muito obrigada pelas lindas homenagens a minha avó.
    Que não deixemos que as coisas lindas que ela escreveu se percam.

    um abraço
    Marina Sirito

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  19. Prezada Marina,

    É um privilégio tê-la no Literatura-Vivência.

    Roberto Kahlmeyer-Mertens

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  20. Agradeço em nome da família essa linda homenagem e com certeza, quem conheceu minha Avó, sabe o prazer que foi conviver com ela!
    abraços
    Natália Sirito

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