quinta-feira, 3 de março de 2011

Marco Lucchesi na ABL

A Academia Brasileira de Letras (ABL) elegeu, nesta quinta-feira (3/3/2011), o escritor carioca Marco Lucchesi para assumir a cadeira número 15.
Especializado em literatura italiana, o novo "imortal" traduziu romances de nomes como Primo Levi (1919-1987) e Umberto Eco. Autor também de "Ficções de um Gabinete Ocidental", "A Memória de Ulisses" e "Meridiano Celeste & Bestiário", Lucchesi vai ocupar a cadeira nº 15, em substituição ao padre Fernando Bastos de Ávila, que morreu no último dia 6 de novembro.
Segundo a ABL, Lucchesi recebeu 34 dos 38 votos possíveis (foram três abstenções e um voto em branco). Compareceram à sessão 26 acadêmicos, nove dos quais votarem presencialmente. Houve 27 votos por carta.
A cadeira nº 15 tem como patrono poeta e teatrólogo Gonçalves Dias e seu primeiro ocupante foi Olavo Bilac. Além de Bilac e do padre Ávila, ocuparam a cadeira Amadeu Amaral (1875-1929); Guilherme de Almeida (1890-1969); Odylo Costa, filho (1914-1969); e dom Marcos Barbosa (1915-1997).
— A chegada do escritor Marco Lucchesi constitui uma contribuição das mais valiosas para o quadro da Academia. Jovem e brilhante, certamente será de muita valia para os projetos e propostas que nossa Casa deseja implementar nos próximos anos —, afirmou o Presidente da ABL, Acadêmico Marcos Vinicios Vilaça.
Confira aqui trecho inédito da entrevista de Marco Lucchesi concedida a Roberto Kahlmeyer-Mertens:
Talvez devesse iniciar nossa conversa indagando em qual idioma você preferiria ser entrevistado. (Risos)

Podemos escolher a telepatia. Ou talvez o velho sonho que me atraiu no fim da meninice: o Esperanto. (Risos)

O esperanto... o velho sonho que nomeou o anseio por unidade de Zamenhof, precedido de diversas tentativas malogradas.

Impraticáveis! O volapuque, por exemplo... Kahlmeyer, Kahlmeyer! Vamos desesperados ao português, que é a língua que nos sabe e pronuncia. A mais sentida e amada. A que nos resta. A que nos diz.

Em verdade, mais que uma pergunta, meu preâmbulo espirituoso e bastante temerário pois, uma vez que você é fluente em pelo menos dez idiomas, incluindo o alemão, o russo e o romeno; se move razoavelmente por outros tantos, como o persa e o búlgaro e tem noções de polonês, turco e servo-croata, acabaria me expondo ao seu conhecimento de línguas. E não seria exagero dizer que talvez fosse preciso uma junta de tradutores para essa entrevista (risos).

Uma junta de tradutores. Uma junta de construtores – da torre de Babel. Uma junta de curiosos e desesperados.

A piada tem o propósito de introduzir a conversa... Justamente por seu interesse pelas línguas. Qual o peso que isso tem para você?

Jamais pensei chegar a esses quinze idiomas. Foi uma necessidade de comunicação. De lançar pontes. Ao sul e ao Norte. E depois para Leste. E morei anos a fio no pensamento desse Leste. Fim de meus anos vinte aos quarenta. Estudei com afinco. Diria mesmo brutalidade desinências, estruturas, formas verbais, casos e declinações. Hoje continuo estudando aquelas línguas e buscando sempre novas. Mas não com a mesma terrível disciplina. Apesar da minha ‘fome’ linguística não ter passado, procuro hoje outras dimensões. Outras demandas. A língua como pátria. E a história com suas terríveis demandas. 

Em um de seus últimos livros, O canto da unidade, você traduz a poesia do místico persa Jalal-al-Din Rumi. Não saberia avaliar, do ponto de vista técnico, sua tradução desde o persa, mas com alguma intuição de leitor de poesia, e conhecendo suas traduções de Hölderlin e Trakl, presumimos estar diante de um daqueles poucos casos em que o texto original não se obscurece com a tradução. Coisa que ocorre, por exemplo, quando um Friedrich Schleiermacher traduz Platão, ou um Machado de Assis traduz Vitor Hugo. Como obter esse resultado traduzindo de uma língua tão árida como o persa?

Custou muito. Poemas breves, mas com a índole do persa, toda concentração e harmonia. Volume. Espessura.  Hölderlin e Trakl são poetas da minha adolescência. Como os amei e sofri. Estudei alemão desde cedo e aquelas melodias ficaram ressoando em mim. Como é belíssima a poesia alemã. Traduzi Rilke. E poemas esparsos outros de Grass, Kunze e Birman.  Mas também Nietzsche. Traduzir Rumi – e foram dois livros – constitui-se num desafio de elaborar correspondências íntimas entre duas línguas próximas e distantes. Schleirmacher tinha um projeto bastante nítido em Platão, lido até o século XIX com as lentes neoplatônicas da Academia de Ficino e Pico. Às vezes a manutenção do obscuro é uma virtude.  Estou organizando a exposição do centenário da morte de Machado de Assis para a Biblioteca Nacional – e que horas esplêndidas trabalhando com o Mestre. Um de nossos maiores escritores e ainda tão mal conhecido entre nós.  O capítulo da tradução em Machado é fascinante. A clareza é belíssima. E também o opaco é cheio de harmonia. E valor.

(Esta entrevista estará publicada na íntegra no livro: Conversações com intelectuais fluminenses, a ser publicado até julho de 2011)


8 comentários:

  1. Prezado Colega Professor Kahlmeyer, Muito legal este seu Blog. Gostei da postagem sobre o Lucchesi, embora eu saiba que, não demorará muito para que você também esteja na ABL.
    Abraços de quem muito de admira.
    Claudio

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  2. Excelente Blog Kahlmeyer! Matéria de primeira

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  3. Espetáculo de Blog Roberto! Continue assim!

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  4. Alcirema Rodrigues Perlingeiro4 de março de 2011 às 17:02

    Ninguém para mais esses meninos!

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  5. Roberto, você é um fenômeno na área cultural.
    Abs
    Belvedere

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  6. Saúdo, um tanto atrasado, mas cheio de entusiasmo e louvor, o blog Literatura-Vivência, de um dos maiores expoentes da jovem intelectualidade fluminense - R. S. Kahlmeyer-Mertens. Aliás, Doutor PDH em Filosofia R. S. Kahlmeyer-Mertens, de cuja amizade e companheirismo tenho o privilégio de compartilhar, assim como de doces ideais, como o de uma nova renascença fluminense. Creio que este blog se insere nesta trincheira, inaugurado não por acaso, entre as suas primeiras postagens, com a notícia da ascensão de Marco Lucchesi à Academia Brasileira de Letras, na esteira de grandes nomes da cultura fluminense, igualmente guindados em nossa era literária para os quadros da ABL, como Marcos Almir Madeira, Antonio Callado e José Cândido de Carvalho. Essa presença fluminense, agora renovada por Lucchesi, rememora Euclydes, Casimiro, Albero de Oliveira, Fagundes Varela e tantos outros vultos de nossa terra que marcaram pela patromínia ou por uma real participação naquela casa. Lucchesi na ABL, Kahlmeyer na blogosfera e esse justo título de doutorado recém conquistado merecem ser comemorados com fervor por todos aqueles que amam a cultura fluminense.
    As saudações sinceras deste modesto editor que muito se orgulha de tê-lo como companheiro de ideais e de belas jornadas.
    Luiz A. Erthal
    Editora Nitpress

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  7. Roberto!
    Seu Blog é algo mais!
    Muito bacana mesmo!

    Ele testemunha o êxito do trabalho que vc vem desenvolvendo por nossa cidade, por nossa cultura, nossa literatura e nosso pensamento.
    Você é O cara. Só não ver quem tem má vontade ou quem é burro o bastante para isso.

    Estou apostando aqui com um colega se daqui há und 10 anos vc também não estará na ABL, como o fodão do Lucchesi!

    Abraço do admirador Fabio e da Mariana (minha cara-metade)

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  8. Roberto está fazendo uma linda trajetória. Ouvi-lo,, como eu ouvi, quando recebeu a medalha na Câmara, foi de tirar o fôlego. Ele hipnotiza!!!!!!!!!
    É um orgulho tê-lo entre nós.
    Belvedere

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