sexta-feira, 27 de julho de 2012

Projeto "Livros que marcaram Niterói" ("37 poetas fluminenses", Org. de Lyad de Almeida)



Convicto do brocardo lobatiano segundo o qual “um país se faz com homens e livros”, tentei elencar, de memória, aqueles títulos que eu acreditava representar bem a cultura literária de Niterói. Consultando várias pessoas ligadas ao meio acadêmico de minha cidade, foi curioso o fato de minha lista coincidir com os títulos apontados por aqueles conhecedores de livros. Diante desta coincidência (ou deveria dizer “feliz serendipidade”), animei-me, sem maiores pretensões, a apresentar quinzenalmente alguns dos livros que teriam, de algum modo, marcado a cena literária niteroiense. Livros que trouxeram contribuições substanciais em alguma área, inovações, resgates, celebrações de datas festivas da cidade e que, até, ficaram conhecidos pelas polêmicas que causaram. Em todos esses casos, o valor literário ou histórico foi o que deu o critério para essas escolhas que – longe de serem completas – serão singelos afagos na cultura de nossa cidade.
Em cada quinzena, o leitor de Literatura-Vivência poderá conhecer, no Projeto “Livros que marcaram Niterói”, um pouco mais das nossas letras.


Capa de 37 poetas fluminenses, em tamanho original. 


Imaginem uma coletânea de poesia com participação de nomes da literatura fluminense como: Alaôr Eduardo Scisínio, Brasil dos Reis, Celso Furtado de Mendonça, Emmanuel de Bragança Macedo Soares, Gomes Filho, Jacy Pacheco, João Oliveira Rodrigues, Leir Moraes, Lyad de Almeida, Manita, Neusa Peçanha, Raul de Oliveira Rodrigues, Silvio Lago, Vilmar Lassance entre outros. Pois é, este livro existe, e já faz parte de um importante capítulo da história da literatura de Niterói. Trata-se de 37 poetas fluminenses.
Lançado em 1963, o livro destacou-se por pintar um painel heterogêneo em perfil e desigual no quesito qualidade. Este pecado, banal em muitas reuniões feitas em cooperação entre autores, teria até passado despercebido não fosse o tom messiânico, provocativo e, talvez, demagógico do prefácio assinado por Lyad de Almeida, seu organizador, texto este que despertou a celeuma contra os poetas contidos na edição. A partir daí, o que temos é o encarniçado embate dos que, na época, representavam parcela significativa dos “players” da cena jornalístico-literária em Niterói.
Embora Wanderlino Teixeira Leite Netto não goste de gastar cera com estes episódios (“defuntos” mais que chorados) é em seu Passeio das letras na taba de Arariboia que se encontra o registro mais completo da escaramuça que envolveu os nomes de Geir Campos, Luís Antônio Pimentel, Iderval Garcia, Vera de Vives, Décio Mafra, Ricardo Augusto dos Anjos, Sávio Soares de Sousa e Dagobé de Oliveira Júnior (este último, pseudônimo usado por vários críticos destinado a desferir os ataques mais cáusticos).
Depois destes comentários, e já que enveredamos por esta linha de exposição (bem distante do fumo dos canhões e do solo outrora incandescido pelas minas terrestres), apresentaremos um panorama geral do livro, de sua recepção crítica e, finalmente, de alguns dos textos contidos em 37 poetas fluminenses. Isso, contudo, não nos faz nutrir a pretensão reproduzir na íntegra o festival de acusações, réplicas e tréplicas que ficou conhecido como “pendenga literária”. 

* 

O livro com 37 publicados é uma brochura de 234 páginas e a quantidade de textos de cada integrante variava bastante (há poetas com apenas um texto e outros com seis). Supervisionado por Jacy Pacheco e Luís Antônio Pimentel, o livro foi custeado por seus autores e, embora tenha recebido o selo editorial Letras Fluminenses, este não passava de uma “marca fantasia” em referência ao jornal literário de Luís Magalhães[1] que circulava pela cidade. Impresso nas oficinas da Gráfica Falcão, sua tiragem (efetuada entre os dias 6-13 de junho de 1963) foi de dois mil exemplares. O livro possuiu quatro lançamentos: o primeiro em 14 de junho de 1963, no Clube Central de Niterói; o segundo na cidade de Rio Bonito (por iniciativa de Leir Moraes); o terceiro na Livraria Ideal, em Niterói, no dia 7 de julho e, por fim, em Teresópolis, no saguão do Hotel Várzea Palace 

* 

A declaração de intenções do livro já é dada em seu prefácio, quando Lyad de Almeida, assim, dispara:

“Não uma antologia. A tanto não nos propusemos. Simples coleção de trabalhos de poetas nascidos ou radicados na Velha Província. Sem uma escolha rigorosa de valores, com o intuito mais de congregar do que de selecionar, eis o presente livro. (...) De fora os que não tiveram ouvidos de ouvir e olhos de ver, ou os que se julgam inferiores de mais para se ombrearem, ou por demais superiores para se misturarem. De fora os homens-concha, os Narcisos embevecidos na própria contemplação. A presente colação tem a marca da humildade”.[2] 

Na mesma semana do primeiro lançamento, no jornal Última Hora, o poeta Geir Campos partiu para o ataque, no artigo: “Uma antologia engraçada”.[3]

“O leitor perguntará: por que 37? E eu direi, a bem da verdade, que a princípio eram 38, tendo sobrado (não me perguntem o motivo) um deles, apesar de já haver pago a sua contribuição. (...) Engraçado! Os poetas vivem reclamando contra o materialismo do mundo moderno, em detrimento da Poesia e da Arte... Mas, na hora de fazerem um livro só deles, recorrem justamente ao mais prosaico e materialista dos critérios?”

 Em resposta a Geir, Luís Antônio Pimentel, no mesmo jornal, contrataca mostrando sua surpreendente face belicosa:

“(...) Como percebemos que o nosso companheiro parece não estar bem certo do sentido da palavra ‘engraçada’ nos dias de hoje, em que se pese a falta de ética, daremos alguns exemplos sobre fatos que lhe dizem respeito: (...).”

E Pimentel desfia uma relação de episódios envolvendo o posicionamento político de Geir Campos como, por exemplo, ser declaradamente marxista e apoiar a candidatura de Tenório Cavalcante, ter ligações ideologicamente contraditórias com o Governo da situação...

Ao fim, diz Pimentel: 

“Como vê o nosso caro poeta Geir Campos, longe de querer ofendê-lo, há uma infinidade de coisas mais engraçadas que uma antologia despretensiosa, provinciana, feita na base da vaquinha, como todos sabem, sem diminuir ou exaltar ninguém”. 

Em tréplica, Geir ironizou: 

“Se razão tinha o poeta alemão Rilke [4] ao afirmar que “não há trezentos poetas”, vê-se que o resto do mundo fica com 263 vagas ao todo, pois só nessa coletânea o estado do Rio apresenta 37 candidatos ao Parnaso.”

Entre os dias 16 de junho e 3 de julho, Iderval Garcia, Carlos Ruas e Vera de Vives foram às páginas de O Fluminense para creditar apoio à Antologia.
Desde aí, o clima fez-se ameno até a data em que Ricardo Augusto dos Anjos publicou naquele mesmo jornal, em 19 de abril de 1964, “Os prefácios do Almeida”, artigo que novamente enxameou as partes envolvidas, ao dizer que: 

“O Lyad de Almeida é interessantíssimo em seus prefácios. Prima pela coerência e honestidade (o sentido da palavra varia muito) (...) No prefácio de 37 poetas fluminenses (...) o Almeida começa dizendo que o livro não é antologia, mas é coleção de trabalhos sem escolha rigorosa. Logo deduz-se que o critério adotado não é lá muito honesto para com os apreciadores de poesia, que por sinal formam público reduzido.” 

Alaôr Eduardo Scisínio responde a Ricardo A. dos Anjos, em 12 de maio de 1964, no mesmo tom em seu artigo provocativo: “Precisa-se de críticos literários”. A réplica de Ricardo a Alaôr, em O Fluminense, tardou dezenove dias, e a epígrafe de Millôr Fernandes que antecede o artigo já dava ideia do jorro de ácido naquelas páginas: 

“Quando um técnico vai tratar com imbecis deve levar um imbecil como técnico.” 

A querela durou até 4 de outubro de 1964 (quase dois anos após o lançamento do livro!), quando Marcos Almir Madeira escreveu um artigo contemporizador em O Fluminense, intitulado: “Em nome da época e sob as bênçãos do Papa”. Ali o acadêmico da ABL dizia: 

“Estalou em Niterói uma divergência elegante. Toda intelectual. Trinta e sete poetas fluminenses saíram do livro e vieram para o jornal com uma decisão de resposta, ou desafio, aos confrades que haviam ido à imprensa desdenhar ou maldizer as suas letras – sua poesia. (...) O ‘duelo’ insuflou no ânimo dos espectadores a reabertura daquele expediente optativo, resumido na indagação polêmico-romântica: passadismo ou modernismo.”

Ora, quem quiser entrar no mérito da questão sobre se a pendenga dos 37 poetas fluminenses consiste na dualidade passadismo-modernismo, eis aí uma oportunidade para o debate. Por nossa vez, nos limitaremos a indicar que os trinta e sete poetas fluminenses (e seus adversários) não apenas saíram do livro para o jornal, mas entraram para a história da literatura fluminense pela iniciativa válida de publicar sua poesia e de disparar o debate crítico sobre o lugar e os critérios da literatura, especificamente, da ars poetica. Qualquer outra avaliação ficaria a cargo do leitor deste blog ao ler algumas das peças contidas no livro, como se tem adiante:


Que dizes?

Só tu sabes como sou realmente...
Os outros dizem que sou fria,
indiferente...
E, no entanto, quem diria?
Quando em teus braços,
todo meu ser se transfigura
e aquela criatura,
que todos supõem serena,
tão distante,
se transtorna num instante,
qual brisa fresca e amena
se transformasse, de repente,
em vento impetuoso e ardente... 

Que me julguem fria e sem ardor...
Só me importa o que achas, meu Amor...
                          Maria Auxiliadora Sodré Gama.


Ofensa 

Quando alguém te ofende, segue magoado,
mas não responda, nunca, ao ofensor.
Quem se aproxima do antro do pecado
pode ser, muito cedo, um pecador. 

Cumpre tua missão: forte, calado.
Por princípio o perdão. Todo pendor
pelo desprezo a quem carga o fado
de ser mau, sem sentir a alheia dor.

Caminha. Fita o Céu. De cada lado
vês a floresta? O bálsamo da flor
leva doçura ao ar. Leva o recado

de Deus ao homem bom, por seu amor:
- Seja sempre o silêncio sublimado
a arma de um coração superior.
                           Eduardo de Carvalho



[1] A quem, aliás, o livro é dedicado em epígrafe.
[2] ALMEIDA, Lyad. Prefácio. In: 37 poetas fluminenses. (Org. Lyad de Almeida). Niterói: Letras Fluminenses, 1963. p.5.
[3] A partir daqui, todas as citações se encontram em: NETTO, Wanderlino T. L. Passeio das letras na taba de Arariboia – A literatura em Niterói no século XX. Niterói: Niterói Livros, 2003. p. 103-129.
[4] Em tempo, uma observação do Blog Literatura-Vivência: Rainer Maria Rilke, embora escrevesse em língua alemã, era tcheco de nascimento.





Divulgação Cultural
(Clique na imagem para ampliar)



7 comentários:

  1. Kahlmeyer, seu trabalho com a literatura fluminense é imprescindível, insubstituível!

    Continue a desenvolver este labor de excelência!

    Um abraço do Kleber

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  2. Roberto, são iniciativas como essas que fazem com que os movimentos de literatura frutifiquem felizes e prósperos, dependemos disso!

    Parabéns
    Amanda Torres

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  3. Em minha modesta opinião, Literatura-Vivência já se tornou o mais importante blog de literatura fluminense.
    O favoritismo é claro!

    Marcos Malta

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  4. Morgana Tavares Vicente27 de julho de 2012 às 22:23

    Oi Profe! Tudo bom!?

    Peguei lá na Biblioteca pública um exemplar daquele jornal de Letras aqui de Niterói.

    A página do Monaco, só para variar, é a melhor de todas!

    Abraços,
    Morgana

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    Respostas
    1. O Jornal poderia ser mais literário.Ainda não chegou ao ponto ideal, mas o bom é ver que as pessoas trabalham para isso.
      Marcelo Lopes

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  5. Caro Roberto,

    Tenho uma proposta a lhe fazer para ser editor de uma revista literária digital que funcionará num site e num blog. Me indique por favor seus contatos para que possamos conversar.

    Um abraço,
    Edir Lopes

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  6. Emmanuel de Macedo Soares28 de julho de 2012 às 07:51

    Só para esclarecer: o 38º poeta (aliás bom poeta, incrível que pareça), barrado à porta da antologia, era justamente Tenório Cavalcanti, um dos motivos do desgosto de Geir. Nenhuma contradição, porque Tenório se apresentara em 62 como candidato das esquerdas aos governos do Rio de Janeiro e Guanabara. O veto partiu de Lyad de Almeida, que disso nunca fez segredo, convicto de que 38 e Tenório eram uma rima de perigosas conotações para um mostruário poético da província. Sávio Soares de Souza foi um dos poetas que ficaram de fora, e por isso a ele se atribuiu sociedade no pseudônimo Dagobé de Oliveira Júnior, inspirado no famoso xarope de Grindélia, do farmacêutico Oliveira Júnior, que se dizia eficaz contra a tosse e comprava-se em qualquer botica daqui ou alhures. Eu de mim acredito que Dagobé só tinha dois pais, os também poetas e também excluídos Reginaldo Batista e Ricardo Augusto dos Anjos. Todos ainda batem pernas pelo mundo e poderiam esclarecer o mistério, não fosse a questão de somenos importância. E tem o caso do monoquini, que gerou uma página inteira de protestos no suplemento Prosa & Verso de 20 de setembro de 1964, além do solene e retumbante Manifesto assinado por Sávio, Reginaldo, Ricardo e Décio Mafra, contra este matusalém que hoje vos fala, vivendo, na época, o encantamento de seus 19 anos. Imaginei que tudo isso fosse assunto para o ano que vem, cinquentenário da antologia. Mas já que o blog antecipou as relembranças, aí vos deixo o poema "Reunião dos Lunáticos", em que Vilmar Lassance retratou os 37 antologisados, assim chamados porque as reuniões se faziam sob a lua, ao ar livre, nos jardins do Museu Antônio Parreiras:
    Reunião dos lunáticos
    é cousa para se ver...
    para se ver quão simpáticos
    lunáticos podem ser.
    Para se ver e ouvir, ´
    pois há muita cousa boa,
    além de se discutir,
    quando a poesia ressoa.
    Quando acaba a discussão
    do livro a se publicar,
    fala a voz do coração,
    que de encantos enche o ar.
    Na semi obscuridade
    ressoa a voz do Alaor,
    que com toda a suavidade
    diz: - "Dá-me um pouco de amor!"
    Luís Antônio, que aos haikais
    dá formoso e fino trato,
    recita: "Chorei demais
    diante do teu retrato".
    O Lyad, o presidente,
    modesto à sua maneira,
    com voz cantante e dolente
    diz uma quadra brejeira.
    Depois vem Jacy Pacheco,
    por mãos de quem vim aqui,
    dizer, num tom grave e seco:
    "Monerat, onde nasci..."
    Agora a Neusa, tão suave,
    poetisa de gabarito,
    com voz de vôo de ave
    recita um poema bonito.
    Emmanuel, o displicente,
    aos seus versos renuncia
    declamar. É indiferente,
    pois não gosta de poesia.
    Gercy, se fala, deslumbra;
    Gavazzoni fica mudo;
    Lia se põe na penumbra
    e é Manita quem diz tudo.
    Não diz Maria Teresa
    e seus versos, devolutos,
    diz o César. Que beleza
    é "Meio dia dos frutos".
    Vem o Marcus. Por desgraça
    esquece os versos sociais.
    Jurou que o "Tijolo e massa"
    não recitará jamais.
    Gomes Filho, o mestre raro
    grande poeta do povo,
    na presença é um pouco avaro,
    mas, se vem, é poema novo!
    A Maria Auxiliadora
    de ouvi-la não dá o prazer.
    Quando chega a sua hora,
    manda o Lyad dizer...
    O Celso, tão comedido,
    observa e pouco fala;
    mas, se a falar é premido,
    nosso sentimento abala.
    Quando o César se levanta,
    com voz de "viola d'amore",
    diz tanta beleza, tanta,
    que almejamos mais demore.
    No fim da noite, a Manita
    (que versos de todos diz)
    diz uma cousa bonita
    e a turma fica feliz.
    Por fim, chega a minha vez
    e a cousa já não tem graça,
    pois qualquer um de vocês
    já sabe: vem "Zé Cachaça"!

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