domingo, 6 de novembro de 2011

"Infância e caos", ensaio dissonante de Mario Fumanga


Embora o título lembre Gustavo Corção, seria preciso ter um Corção com tudo fora do lugar... Eis, novamente, Mario Fumanga, bungee jumper dos abismos do texto:





Infância e caos


                                                                                                                                    Mario Fumanga


“Não posso mais aceitar qualquer outra
situação, exceto a transformação de nós
mesmos em mensagens de nós mesmos”.

Calvino


“Só se pensa por meio de imagens”

Camus

Montes e mentes ausentes de vários presentes, premidas por coágulos poentes; híbrido tempo das vozes surdas que foram dizimadas pelo utilitário, pelo agora presente ‘tenho, logo sou’... Perceber-se incompleto é um imperativo peculiar dos que vêem o redondo do brilho do sol nas águas e mágoas do mundo desconhecido de Cousteau ou aquele que viu o Rosa sem Guimarães. O astro quente a tudo ofusca e busca o choro do gelo ao contato direto. Homens são como lágrimas, descem pelo corpo no momento de sua convocação/composição sob fôrmas-formas-fomes de registro: infância, ator da consciência enquanto produto da coincidência.
Fazer o já feito é voltar-se ao recorte junto ao peito – o da apropriação – que é obstrução, busca da “sempre incompleta e problemática construção do que já não existe”. Como da palavra, aquela que colore os tímpanos com sons arbitrários, quase atonal. Na célula da vida é o gene do universo do desejo, esse que só é possível no tempo futuro, palavra, enquanto veículo transitório que cuida-se em revelar o invisível que se esconde por detrás do visível, signo descartável conjugador de Barthes com essência de Valéry. Sim ao texto que grita as vozes mesmo não audíveis, devorador de imagens, essas que são pássaros em vôo, que vemos no outro da fome e frio. Essas que são plasticidades contínuas, que são moradas do sentido, núcleos-duros da expressão humana, macrosemânticas do real.
Faça seu texto grito mesmo mudo, forte mesmo fome; o texto que busca na árvore o graveto, que nasceu não sabe se forte, que cresceu, não sabe se vida, não sabe se noite, não sabe se... graveto de árvores mortas, árvores de imagens do homem de 15 no Sudão que distancia o olhar do sorriso, aproximando a morte que logo, logo chega. Graveto-base da simulação, ferramenta da mentira, instrumento da utopia. O que nele (homem) é o graveto, graveto-homem ou homem-graveto? Quem chora a si chorando-se aos outros não perde o belo da construção do que já foi, ganha a beleza do impenetrável dada por aquele momento só, ao fundo do nada quando algo qualquer é símbolo do belo mesmo no assimétrico-estético. Para onde foi o sorriso de si ao outro? Como cumprir a tétrica obrigação utilitária de ser feliz? No mundo dos olhos tenros a falta de olhos. Membros que formam, facilmente, ângulos ou do mesmo das hastes do arco-quadrático; não cobrem o corpo, pois só haveria a roupa triste, por ser posta em um não-corpo. Mas vitrines sorriem, pois, como a água, assumem a forma do recipiente-imagem de quem constrói. Não importa, qualquer tentativa de falar seria da, não a. Onde está o outro do outro que depende do outro para tornar-se... outro? Ele é o inferno ou peça de um museu que suplanta a idéia de “macabro”? Brancos trituradores, ironicamente fortes de nada triturar e, mesmo assim, teimam em aparecer, cavando um espaço ainda não-espaço, fazendo-se. Outro, eterno outro... Na construção de consensos, mantendo a diversidade unida, no composto-composição de “belas almas” que teimam em sair, apenas, da palavra pobre à pobre palavra.
Homem-sem que luta “por um chão pra morrer, por esse pão pra dormir”, é o homem mesmo dono de seu corpo, de suas cores e nomes; é o homem habitante do planeta fertilizado pela beleza de todos os olhos; é o ser de todos os dias na construção de sua própria existência. O homem trabalha transformando a natureza (sem dominá-la), relação que dá o ingresso para o espetáculo da existência e dignidade humanas, nesse ato produz (criador) e se reproduz (trabalhador): ser que constrói. Mas se o produto de seu trabalho lhe é estranho e enfrenta-o como uma “força estranha”, a que ela pertence? Homem que não tem apalavra, mas é, deixa de ser, homem?
O homem depende do produto do criador (?) a fim de se tornar um produtor, mas que (m) é esse criador? O homem necessita da terra, não para uma cova-rasa, mas para reproduzir-se como espécie, que fará o homem que não possui esse espaço de produção-reprodução? “Debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo, forjar do trigo o milagre do pão”: como? Pela palavra, na palavra, com/sendo a palavra. “Conhecer os segredos da terra, cio da terra, propícia, estação e fecundar o chão”... sem chão? Dar palavra a quem não tem.
Que nos valham os homens sem: vida, teto, comida, fé, cores, nomes, flores, palavras, terras! São eles “homens que lutam por um dia e são bons; lutam por um ano e são melhores e já lutam por toda a vida: são imprescindíveis.” Palavra, terra, pra quem dela precisa.
Manter a vontade criadora sob a égide do impulso vital é falar, no texto, o que se é, o que se tem, o que se cria e reproduz; como do imperativo kantiano: “faça o que você pensa poder ter um valor universal”. É morto em si, sabemos, mas grita forte quando lido, quando visto como algo que diz: registro do belo. Florescer do telos do caos, da potência em ato, natureza de cultura; do impor-se a tarefa de controlar o desejo, sendo razão, mas vendo-a limitada, pois vida é pulsão, precisa ser escutada, precisa ser dita, precisa, “ZEN” pressa, registrar: a verdade é concreta.
Na roupa das palavras vemos o despir do mundo (os deuses são inúteis!), sendo de lugar nenhum, morrendo estrategicamente a fim de preservar/sorver a vida, [produzindo belos éteres que compõem as idéias grandes e essas se fazem quando realizadas no texto]; pensando estás falando – platonicamente – consigo mesmo. Não registre o pulso, faça-se pulsão no processo de vitalização da idéia que traz como premissa a morte, esta que é o único outro lugar para uma maneira contraditória de estar em lugar nenhum, de fazer-se compreender no/pelo outro, na composição alquímica de imagens, valorizando o diálogo até que ele se faça desnecessário. A palavra necessária é aquela que não foi escrita, que integra entregando-se nas finas veias do pulsar lispectoriano.
Ver a vitalidade na escrita, como no istmo da existência, é aproximar-se da morte na comunidade dos cegos de olhos claros e límpidos que querem o mundo sem a perspectiva brechtiana do distanciamento sem tarefa? Somos unívocos? “Fazemos parte de dois mundos unívocos/unilaterais que se interligam, pois a existência de um depende da não-vida do outro, que não é visto ao espelho, porque sua alma não quer estar mais presa nesse coletivo mundo-caos” de linda menina dos olhos ontem e beijo sempre; de gente que escreve “para despistar a morte e destruir os fantasmas que nos afligem por dentro; mais aquilo que a gente escreve só pode ser útil quando coincide de alguma maneira com a necessidade coletiva de conquista de identidade”; Galeano assim diz, dito da impossibilidade enquanto afirmação, das imagens que nunca foram poesia e agora se fazem luz no registro, como de sempre: “de perto ninguém é normal”...
No ato de desencantamento da natureza vemos o movimento distante da idéia castração que o coloca como sinal de imperfeição. A metáfora é um instrumento de reflexão mesmo na logicidade do argumentativo-contemplativo-dissertativo. São elas, em muito, repetição do que se foi sendo. Tudo ao movimento caótico que segue iludindo o linear-razão! A ordem está no caos, as regras são constitutivo-construtivas do solo falso de solidez árida que perde-se em qualquer simples chuva de palavras de Exupéry, o que não expulsa a necessidade de compor lugares nos não-lugares, seduzindo e criando um/o leitor; o texto é arte e esta é integração construtora de pólos, onde seu corpo “se refresca, enquanto outros se perdem nessa constante ventania. A ventania é uma fila: de bancos da vida, dos pretendentes (jamais pretendidos). Todas essas são sofridas, mas não comparáveis àquela imagem... Ah! A fila da morte, os frágeis seres não sentem dor, raiva... amor; apenas aguardam um átomo-luz no guichê da madrasta vida mãe-brisa. Um vento malvado e inevitável passa sobre esse ser que sangra lágrimas-palavras, nesse papel que para ser ouvido/lido sangrou a natureza”, e a voz sangra na linda menina de beijo sempre e corpo latente, que grita o belo, o da promessa de felicidade.
Ora, num texto, os dois lugares mais indicados para colocar as informações a que se dá destaque são o começo e o fim, ou seja, as seções que costumam denominar de “introdução” ou “conclusão”. Você não é obrigado a colocar determinada informação em seções consagradas como as ditas; na abertura ou no fechamento do texto, escreva informações relevantes para o leitor, faça-o sentir você, endemicamente, sem o uso unicriador de frases curtas, as que podem tornar o texto enfadonho, inclusive a você; busque a selva de imagens, narre o consórcio de temas buscando os buracos da teoria, despreze o consenso da consciência, busque o simples em toda sua complexidade, brincando.
Ao longo de um texto coerente (ou o que diz o que nunca se espera que se diga), ocorrem repetições (mesmo que seja uma ordem instauradora, caótica) “retomadas de elementos (palavras, frases e seqüências que expressam fatos ou conceitos). Essa retomada é normalmente feita por pronomes (e pelas terminações verbais que os indicam) ou por palavras e expressões equivalentes ou sinônimas”. A tentação da criação do “cemitério de idéias” é objeto-sedução dos que nunca instauraram, mas estão em off no discurso univalente que se diz coletivo não-se-sabe-de-onde. “Também podemos repetir a mesma palavra ou expressão, o que deve ser feito com cuidado, a fim de que o ritmo não seja prejudicado”. Mas não existe a idéia no singular, a realidade é polissêmica, mesmo o singular é plural.
Brinque palavras, brinque vidas, expulse o superego da criação mesmo sendo habitante-bolha de um espaço ciber-simpático. A riqueza de imagens/palavras nada mais é que a crise/caos do excesso de linguagens, como na voz-instauração de Bornheim; como Blade Runner, dizima psicólogos-zumbis que caçam crianças, querendo acabar com a idade de ouro onde elas existem (Novalis). Tenha uma esperança insaciável de inocência, não creia na imagem definitiva, desdiga o dito do não-gênio, sê gênio, pois este “é somente a infância redescoberta” composta pelo flâneur, sim... Baudelaire!
O homem que dizem que explica lembra que as crianças tendem a tratar as palavras como “coisas”; queira, leitor, queira morrer “coisa”, pois essa não busca um fim útil. “Palavras, imagens, metáforas não são, para as crianças-infância, símbolos abstratos, mas duplo das coisas, tanto assim que a nomeação basta para fazer as coisas existirem”, construindo leitores. “É preciso que as potencialidades da escrita se iluminem ao olhar de leitores variados no correr do tempo”, esse construtor do que é universal. Na geometria do sorriso a curvatura do universo depende de sua densidade de matéria, sem a amputação de idéias, pois viver é... é... é muito perigoso. Como em Nietzsche onde a morte de Deus é quebra dos fundamentos, ou do mesmo que Derrida que urra um NÃO ao utilitário/ mercado leitor/criador, onde o fantasma das mercadorias transforma consumidores em fantasmas”.
A você é disposto o ponto que se diz início (Poincaré) e esse é um hiato entre o mesmo e o outro, como da origem: essência (?) infinita do tempo, fazendo-se condição, estabelecendo a vizinhança, temática e heteróclita. Diga não á forma, a indeterminação é uma pré-condição da liberdade.
O texto-registro diz-se mesmo em afasia, estabelecendo jogos de verdade, desconstruindo erros e nomes nas cores mortas da viagem transcendental da falsa liberdade, do mundo-ópio de irresponsabilidade em série, sóbria esquizofrenia de imagens. A letra produzida pelo choro é solidamente líquida no discurso.
Todo discurso tem uma materialidade/objetividade/síntese do diverso-temporalidade? “Estabelece a ruptura enquanto processo-revolução? O ato de falar está diretamente ligado a restrições. Ao falar delimitamos e circunscrevemos os limites semânticos; ocupe-se/preocupe-se em jogar o leitor para o mundo de Carowll, onde erro e triunfo indistintamente induzem ao vazio, uma vacuidade cosmológica que o gnoticismo chama de ‘Kenoma’: a terra devastada, ou espaço deserto que se vê em toda tradição literária do romance’”. Mesmo que passe pelos rituais de fala (norma culta da língua), não construa, a partir de sua “caixa de ferramentas”, a Logofobia da negação do sim, pois “a serpente que não perde suas peles morre” (Nietzsche).
Idéias no texto são confissões da carne, tendo o belo como telos individual, deflacionário do desprezo conceitual. “Só se encontram palavras para descrever aquilo que se despreza, não importa o quanto tenha sido estimado outrora”, Nietzscheanamente, tente, viver ao sol poente... Tenha o leitor como o quem se nos diz grande, com fôlego, pois no mundo do encurtamento de distâncias este é necessário. Estude o ponto, o sim-não-talvez sempre lembrado por aquele que busca tentando construir – e constrói-construindo-estudando o homem eleito na premissa: “conhecer é um ato de violência em relação às coisas, é preciso o olhar para longe; é preciso em primeiro lugar observar as diferenças, para descobrir as propriedades”. Já no mundo romano vimos a convenção/construção das disciplinas, mas mesmo aí é um espaço de produção/reprodução de subjetividades, onde o pensamento tem uma função de diagnóstico, numa realidade mutante e misantrópica, intersubjetiva; só chegamos a leis gerais pela observação.
Como o poeta, sonhe “com a época da curiosidade”, desvincule-se do barateamento da positividade. “Quem nos dá a realidade que anda por aí”? A criança, essa que registra/instala a universalidade da voz, expondo um projeto de lucidez no tema-retrato falado: o que se vê nunca é aquilo que foi, mas sempre o que se disse (como Wenders: “a imagem quando vista não é mais”). Uma vez fixada nas palavras, as imagens de memória se apagam, assim Polo aborta o que não é sendo.
O texto não é uma coisa só do literato, é coisa dos homens que dizem que as palavras são coisas. Textos-livres que se perguntam: “pode a Literatura tornar os objetos visíveis?” Busque a experiência/interpretação aleatória (Flaubert), fotografe a não-imagem, constitruída. Quando fotografar/criar imagens/compor idéias volta a ser uma operação constitutiva do real se fazendo imagem, e não a captura, por um sujeito, da reflexão de um real já dado, com juízos de valor, na experiência em estado puro. Esse estado é o filtro do mundo criante-criança-infância que vê na palavra o que não se pode enxergar, que registra o hiato como nas diásporas: realidade/representação, fato/valor, natureza/cultura, universal/particular. São elas o “caldo de cultura-mundo” e as representações são uma propriedade do espírito, mas o ponto de vista está no corpo. Este, o corpo, é conhecimento e o que vale para esse vale para a ação. Um texto é discurso, é promessa de verdade, que além de ter um significado, é também uma ação-reação, que não finda, é/será sempre início.
Abordar formas de registro é como narrar a própria humanidade, esta dirige-se primeiro à ciência; mas, se a ciência é incapaz de instruí-la, como precisa de uma explicação suficiente ou satisfatória, dirige-se a seu próprio coração ou à sua imaginação, que no momento do “vale o escrito”, como que foge do plano da consciência. Pensamos prioritariamente no caos como forma de amansar os espíritos no ato da compostura/composição do texto, pois o linear é a atitude de engatinhamento da criação que se quer livre, como do mundo mitológico, “o estado primordial, primitivo do mundo é o Caos. Era, segundo os poetas, uma matéria que existia desde toda a eternidade, sob uma forma vaga, indefinível, indescritível, em que os princípios de todos os seres particulares estavam confundidos. O Caos era, ao mesmo tempo, uma divindade por assim dizer rudimentar, mas capaz de fecundidade. Ele gerou a Noite, mais tarde, Érebo. Em linguagem menos mitológica, podemos simplesmente dizer que a Noite e o Caos precederam a criação dos céus e da luz [infância e imagem]. Essa, aqui onde estamos, a Terra, mãe universal de todos os seres, nasceu imediatamente após o Caos”. As formas de registro exigem o olhar, mesmo turvo, para o céu (olhar de veredas), mas este azul finda-se... viver é melhor do quê? Ela não sabe, infância que se perde é o choro constante confundido na chuva de todos os céus, pois “o círculo não é redondo”, o tempo não é linear. Mesmo infância os homens fazem história, faça-se...




Divulgação Cultural
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11 comentários:

  1. Num voh ti enganah naum, mas esse tal di fumanga eh nervoso!

    Marcelo

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  2. O texto é quase igual ao choque no cerebelo que o muleke da foto deve ter tomado!

    Gostei do clip no final

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  3. ...e afaste-se daqui quem não sabe ler palimpsestos...

    Rocco

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  4. Kahlmeyer,

    Não consegui entender nada do texto de seu amigo Mario Fumanga.

    Ele é excêntrico ou fui eu que emburreci? Ouvindo a música o negócio ainda fica mais denso!

    Uma Vânia perplexa!

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  5. NÃO GOSTEI DO TEXTO. UM APANHADO DE PALAVRAS SOLTAS SEM QUALQUER SENTIDO. LÁ PELAS TANTAS EU ATÉ DESISTI DE LER...

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  6. É um texto bem pouco comportado, mas é preciso admitir que tem estilo.

    Ivo Blikstein

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  7. Fumanga foi meu prof no curso Plá.
    Pow, o cara eh dono de uma das inteligências mais acidas q jah tive contato.
    Larga o verbo mesmo com uma ironia no mínimo refinada.

    Saudd de suas aulas...
    Vlw Fumanga, mandou benzão!

    André Souza

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    1. concordo, tbm sou aluna dele no Pensi de Madureira , ele é dono de uma inteligencia inquestionável, é o homem mais culto que eu conheci e tive o prazer de te-lo como professor

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  8. D+ Fumanga, matou a pau!

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