quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Intelectual, quem?

Até a data da entrega do "Prêmio Intelectual do Ano", oferecido pelo Grupo Monaco de Cultura, Literatura-Vivência fará postagens diárias nas quais o tema do intelectual será abordado. São escritos  que problematizam o estatuto e a identidade do intelectual em nossa sociedade. Os textos, a serem postados até o dia 9 de dezembro (véspera do evento), buscam provocar a reflexão sobre o perfil desta figura tão questionada.
A interação (debate) com nossos caros leitores será bem recebida.





Intelectual, quem?




Para início de conversa, seja-me permitido parodiar, aqui, a conhecida resposta dada por Santo Agostinho, ao ser interrogado sobre se sabia definir o tempo.
Tal qual o autor das Confissões, também eu, a propósito da indagação contida no título deste breve ensaio, afirmarei, a princípio, saber o que é um intelectual. Mas, logo após, assaltado pela dúvida e receoso de incorrer em erro, me apressarei a dizer que não sei bem o que seja um intelectual...
Assim, nesse estado de espírito, vou limitar-me a incitar o paciente leitor, para que, juntos, busquemos, com os meios ao alcance e as luzes do bom senso, uma conceituação razoável e compreensiva desse tipo humano, nem sempre fácil de ser identificado entre as demais ovelhas de nosso rebanho.


Convite ao trabalho

Procuremos ser, na medida do possível, cartesianos, começando por uma definição genérica, a partir da etimologia da palavra. É óbvio que intelectual (substantivo e adjetivo) deriva de intelecto, sinônimo de inteligência. Daí, o registro dos dicionários: “intelectual é a pessoa dotada de poderes superiores de inteligência”; ou “pessoa dada a estudos literários ou científicos”; ou “pessoa que tem gosto predominante pelas coisas do espírito”; ou “pessoa que se ocupa, por gosto ou profissão, com as coisas do espírito”. São definições, um tanto imprecisas, é certo, transcritas pelo sociólogo Gilberto Freyre, no livro Além do apenas moderno (Topbooks, 1973), que focaliza o intelectual, prioritariamente como um tipo social.
Nessa obra, cuja leitura sugiro ao leitor, o Casa grande & senzala desenvolve, magistralmente, oportunas reflexões em torno da situação histórica do intelectual, como tipo, a posição social atual deste e suas possíveis projeções sobre o futuro, particularizado o caso do homem brasileiro, na transição do moderno para o pós-moderno, em que já estamos vivendo.
Tem-se, portanto, que o chamado tipo intelectual, se caracteriza, antes de tudo, pelo uso que faz da inteligência, ou intelecto, dispondo de instrumentos próprios de trabalho, para desempenhar uma operação sintético construtiva, especificamente humana, que é o pensamento. O pensamento, no dizer de São Tomás de Aquino, resulta da conjunção dos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) com o intelecto ativo, dotado de seus princípios originários extra-empíricos.
Os instrumentos de trabalho do intelecto, conforme sabemos, têm nome: a atenção, memória, interesse de aprender, hábito de raciocinar e estudiosidade.


O pensamento e a palavra

Nicola Pende, em A ciência moderna da pessoa humana, observa que o pensamento, em sua essência característica, se exprime através da palavra ou do nome. O homem fala, mas, o animal não fala; porque carece de abstrações, não pensa. A palavra é o reflexo imediato do pensamento; a expressão e a comunicação da abstração no conteúdo. Conforme diz Piaget, é a necessidade de socializar o pensamento, a fim de torná-lo mais claro. Pensamos com palavras, e as palavras, por seu turno, são pensamentos pronunciados interiormente, internamente, mentalmente. Note-se, de passagem: existem tantas formas de pensar quantos sejam os indivíduos, sobretudo os tipos humanos psicológicos.
Assim, podemos concluir que paralelamente ao uso dos seus instrumentos de trabalho, acima referidos, não pode o intelecto abster-se de cultivar, ao longo da vida, a arte do pensamento e a arte da palavra (oral ou escrita). É a sua missão.

Sem a capacidade da atenção, sem a concentração mental, sem o acertado aproveitamento da memória, sem a curiosidade que caracteriza o interesse de aprender, sem o hábito de raciocinar ou o emprego correto da razão, sem o manejo hábil e adequado da palavra, sem a prática habitual da leitura de livros, revistas, jornais relacionados com a cultura, está-se vendo que será descabido falar de vida intelectual.
Parece-me que estamos progredindo e poderíamos esboçar, a esta altura, um perfil do intelectual, menos vago e mais específico. “Intelectual é a pessoa (homem ou mulher) que sobressai em seu meio sócio-cultural, mediante o uso que faz da inteligência, tanto na operação do pensamento como pela difusão de conhecimentos ligados às ciências, às letras e às artes, na conversação, e também na produção de obra escrita, oral ou fonográfica, com vistas ao progresso espiritual e moral da Humanidade. Que tal?


As categorias

O Dicionário Analógico da Língua Portuguesa (ou de ideias afins) que é uma adaptação feita por Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, do Roget’s Thesaurus inglês, enfileira, entre os termos ou expressões aparentados, analogicamente, com o substantivo intelectual, os seguintes: “ilustrado”, “estudioso”, “pensador”, “sábio”, “notabilidade”, “homem de marca”, “potência intelectual”, “mentalidade de escol”, “homem de vasto saber”, “homem de sólida cultura”, “humanista”, “pantólogo”, “polímata” e “rato de biblioteca”.
Na coluna oposta, reservada aos respectivos antônimos, figuram os “não-intelectuais”, representados pelos termos e expressões que transcrevemos; “ignorante”, “apedeuta”, “iletrado”, “misólogo”, “misóssofo”, “cavalgadura”, “camelório”, “azêmola” e “toupeira”. Esses são os extremos. É evidente que, entre uma extremidade e outra, subsistimos nós as inteligências medianas, nem por isso menos dignas de respeito e consideração, certo?
Quantos aos intelectuais propriamente caracterizados, alguns autores se aventuram a criar categorias, utilizando critérios pessoais, poderosos ou não.
O jusrisfilósofo Norberto Bobbio, por exemplo, na obra “Os intelectuais e o poder” (dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea), distingue o intelectual revolucionário (contra o poder constituído) e o intelectual puro (defensor dos valores absolutos), ao examinar o problema antiquíssimo da relação entre teoria e práxis. E tece, ainda, considerações sobre o antiintelectualismo, isto é, a situação dos que não se definem por nenhum dos lados, numa postura de automortificação.
Outro exemplo é o da classificação apresentada por mestre Gilberto Freyre, que em seu livro anteriormente citado, aponta de um lado o tipo do intelectualista (adepto das formas culturais ou sistemas de valores em que predominam os elementos racionais sobre os elementos afetivos ou volitivos, quer dizer os intelectuais exagerados, e, na extremidade oposta, os intelectuários (neologismo criado por José Lins do Rego, para caracterizar o intelectual engajado, comprometido, burocratizado, arregimentado, a serviço, como intelectual, do Estado, do partido, de uma organização ou instituição ou de uma causa, como foi a opção de André Malraux, a serviço do governo de De Gaulle...
Antes de concluir, vou registrar que existe um termo para designar o processo de auto-instituição dos intelectuais: intelligentsia.

O tema, de indiscutível importância, é versado superiormente por Edgar Morin, no quarto volume de sua obra O método, em que ele trata das idéias, seu habitat, vida, costumes e organização (pp. 74-79). É outra leitura que recomendo.

(SOUSA, Sávio Soares de. Intelectual, quem? In: Revista Bali - Letras Itaocarenses . Itaocara: Academia Itaocarense de Letras – AIL, 2009. Ano XX, n. 212. pp. 3-5.)





Divulgação Cultural
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25 comentários:

  1. Pois é, Roberto, é justamente sobre este termo, intelligentsia, que devemos pensar. Qual é a intelligentsia que caracteriza os círculos culturais niteroienses? Ou será que, em vez de caracterizar ou formar, simplesmente grassa? E grassa como, de forma profunda feito um bom livro que marca a vida e eleva o leitor ou como um livro cansativo e repetitivo a recontar mesmices? Um círculo cultural pode ser tradicional, inovador, luminoso, obscuro, inativo, dinâmico, característico, impessoal, simplório ou até mesmo ridículo. O que somos decorre do que são e formam os intelectuais que constituem ou julgam constituir a intelligentsia da cidade. O que será que temos em nossa cidade?
    Um forte abraço.
    Carlos Rosa Moreira.

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  2. Emmanuel de Macedo Soares7 de dezembro de 2011 às 10:20

    Depois desses 8 quilômetros de erudição citativa, só resta perguntar: intelectual é o que mesmo?

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  3. Amigo Carlos,

    Concordo inteiramente com sua fala. Ela possui uma série de elementos que o Sartre traz naquele pequeno livro “Em defesa dos intelectuais”. Diz Sartre que o intelectual é produto da comunidade intelectual na qual ele está inserido. Sem incorrer num misologismo (Sartre era esperto o suficiente para não cair nessa esparrela) ele me parece ter toda razão ao afirmar que “cada comunidade tem o intelectual que merece”. Julgo que o Sávio foi muito feliz em levantar a lebre da “intelligentsia”, e você bastante perspicaz na pergunta pelo “teor” deste quesito em nossa comunidade. Penso que mapear a intelligentsia niteroiense, fluminense (o que não seria impossível, já que Wilson Martins fez isso belamente, em nível macro, em seu “História da inteligência brasileira”) é tarefa de todo aquele que deseja saber que perfil (identidade) intelectual/cultural nós temos.

    Seria interessante poder lhe ouvir mais sobre isso (os demais leitores, também)

    Roberto Kahlmeyer (não na condição de mediador)

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  4. Adorei o texto do Sávio, entendi tudo. Ele é muito didático, agradável, quase singelo.

    Mas acho que ainda não deu para caracterizar o que seja um intelectual...

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  5. Atentem para a poesia do Pessoa na voz de Bethânia!

    Será que alguém,em seu juízo perfeito, pode não gostar de Fernando Pessoa? Ele é incontestavelmente o melhor, e que revoguem todas as disposições contrárias...

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  6. Retomando a conversa de ontem:

    O autor do texto nos diz que intelectual é: “ilustrado, pensador, sábio, potência intelectual, mentalidade de escol, homem de vasto saber, homem de sólida cultura, pantólogo, polímata", o diabo!...

    Em quantos desses adjetivos o "intelectual do ano" se enquadra?

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  7. Caro Kahlmeyer,

    Para lhe ser sincero, achei o texto do Sávio Soares meio raso. Didático, sim, mas fraco de conteúdo.

    Em compensação, como é nietzscheano o poema de Pessoa!

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  8. Roberto
    Um estudo sobre o nosso microcosmo, nos moldes do grande trabalho de Wilson Martins, seria muito interessante. Poderia até mesmo sair em partes no Literato, como fazia Affonso Romano com determinados assuntos mais longos, no antes substancioso "Prosa e Verso". Há alguma coisa por aí sobre a literatura niteroiense, mas acredito que nada com um senso crítico apurado. Senso crítico esse que, salvo melhor juízo, deverá ser cuidadoso como os movimentos de quem desmonta uma bomba. A única pessoa que vejo com qualidades para tal trabalho, tendo o comedimento e a perspicácia entre elas, é você. Aliás você já fez uma parte, com Pimentel.
    Não quero colocar macaco no seu ombro! É só ideia.
    Um abraço.
    Carlos Rosa Moreira

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  9. O blog é dinâmico, não é?!!!

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  10. Conheci um intelectual na vida: Miguel Pereira. Ele era médico e pai de minhas duas amigas gêmeas. Era um médico excepcional e um intelectual para ninguém contestar. Terá recebido o título? Sei que deixou uma biblioteca
    valiosíssima. Dr. Miguel tinha livros raríssimos. Eu ficava em estado de graça diante de sua biblioteca.
    Saudade de Dr. Miguel, um intelectual de verdade.
    Abraços
    Belvedere

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  11. Prezado Roberto Kahlmeyer-Mertens,

    Muito obrigado pela oportunidade de conhecer o texto de Sávio Soares de Sousa. É sempre bom ler gente de "intelligentsia"

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  13. Na poesia de Fernendo Pessoa, ele, ali, age como um intelectual.

    Sublime, maravilhoso, genial, Pessoa...

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  14. KAHLMEYER,

    VC EH UM 1 GRANDE COMUNICADOR, ATEH QUANDO O FAZ SUBLIMINARMENTE !

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  16. Amigos, o Sávio Soares é um INTELECTUAL. Ele já tem o título de intelectual do ano daqui da cidade? Bjs
    Belvedere

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  17. muito bom, Kahlmeyer.

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  19. Roberto.
    Entre os termos citados pelo Sávio para definir intelectual, com base no trabalho de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, está o de humanista; penso que faz sentido. Aplicando o silogismo aristotélico, eu digo: "Todo humanista é um intelectual; Waldenir é um humanista, logo, Waldenir é um intelectual". E é nessa condição de humanista, intelectual portanto, não na de político, que eu o cumprimento. Quanto a ser "do ano" e à forma de "eleição" para escolha, isso é outra história.
    Abç. Gilson

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  20. Apenas em uma sociedade e cultura adoecida se chega a considerar um político mediano como intelectual laureado...

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  21. Jorge Pachecco Menezes7 de dezembro de 2011 às 20:36

    Caro Roberto,

    Que sucesso o seu blog! O Waldenir de Bragança deve estar contente com o ciclo de textos sobre os intelectuais que você iniciou ontem.

    Parabéns ao Waldenir pelo título, ao Monaco pela indicação, ao Blog pela ideia da boa cobertura.

    Jorge Pachecco Menezes

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  22. Soberbo o seu blog, Roberto.

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  23. Penso que declarar:"O Dicionário Analógico da Língua Portuguesa (ou de ideias afins) que é uma adaptação feita por Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, do Roget’s Thesaurus inglês," é uma inexatidão e uma injustiça. O que o Prof. Ferreira
    fez foi aplicar o método de Roget a um Thesaurus de nossa língua. Uma "adaptação" é algo muito diferente.

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  24. Comunicarei a Sávio Soares de Sousa, o autor do texto (que não faz uso da internet), esta corrigenda. Grato pelo acréscimo.

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