Enquanto lia o testemunho afetivo de Emmanuel sobre o poeta araruamense José Geraldo da Conceição Caú, veio-me de imediato à memória aquela música do Gonzaguinha que diz assim: “Enquanto eu acreditar que a pessoa é coisa ‘mais maior de grande’...” (ouça a música ao fim da postagem).
Como ando levando muito a sério essas intuições/memórias que de vez em quando me assaltam, julguei adequado, no dia de hoje – 6 de fevereiro, aniversário de 152 anos de Araruama – publicar o texto que evoca o legado de um dos mais diletos filhos daquela cidade que vem sendo chamada de “Cancún brasileira”.
É a contribuição de vidas como a de Kaú (tão grande que faz com que o Gonzaguinha precise contrariar o vernáculo para expressar toda sua grandeza) que valoriza o capital intelectual e simbólico das gentes e dos lugares.
Encontre o endosso para essas palavras introdutórias no artigo de Emmanuel Macedo Soares, escrito com exclusividade para o Literatura-Vivência:
Uma casa, um poeta e o Sebastião
O casarão que olhava desde 1872 para a matriz de São Sebastião de Araruama, sede da Câmara, Prefeitura, coletorias e quanto mais ali coubesse, aguardava há vinte ou trinta anos o destino de todo prédio antigo em cidade moderna: ou demolição, ou ruína.
Pois escapou. Virou uma bela Casa de Cultura, bonita, confortável e luminosa como deviam ser todas as Casas de Cultura. E melhor ainda: tomou o nome de um poeta da terra, talvez o de maior mestria no trato das palavras, que partiu moço mas deixou marcas e heranças de sua genialidade.
No registro civil, José Geraldo da Conceição Caú. Kaú para os amigos, alunos, leitores, espectadores, resumindo em três letras uma vida curta, mas múltipla, porque além de poeta lecionava português e literatura, escrevia e montava peças teatrais e ainda lhe sobrava inspiração para pintar ou fuxicar os mistérios insondáveis da filosofia.
Eu o conheci pirralho, quer dizer, quando ele era pirralho. Introvertido, silencioso, angustiado às vezes, mas de uma angústia que não era doente, nascia de sua precoce consciência do mundo. Nos identificamos num montão de coisas e divergimos num montão de coisas, porque divergir é próprio dos gênios, e ele era gênio.
Tínhamos um amigo comum, o Sebastião Raposo, que eu vi nascer, crescer e morrer jovem também, muito mais jovem que o Kaú. Não era poeta, nem precisava ser, porque o que tinha de bondade e pureza no coração e na alma valia por dez ou vinte Lusíadas.
Vem tudo isso a propósito porque o prefeito André Mônica fez uma bela restauração na Casa de Cultura de Araruama e a colocou sobre patronato do Kaú, que por sua vez escreveu um de seus mais sentidos poemas quando da morte do Sebastião.
E aqui vos deixo com os três, o poeta, seu amigo e seu poema:
Existe, sempre, a vida...
Para Sebastião Raposo
Um corpo descansa...
Nós, os corpos inevitavelmente cansados.
Um dia, um; depois outro.
Nós, os muitos nós das nossas tantas encruzilhadas.
Uma parada, comum, obrigatória,
embora os corações não tenham hora...
Uma palmeira, um cipreste,
uma lajem, sua inscrição...
Meu Deus! Como somos datas,
palavras e números como pedras...
Extremamente vãos os mármores gloriosos de toda competição.
Enquanto a natureza alcança o céu tão fácil,
nós fazemos do ter sólido uma pesada profissão.
A palmeira está, simplesmente, no tronco da vida,
nós, os homens, precisamos da morte
para nos sentir irmãos.
Por que o homem chora?
Porque fica. Ou porque, a cada amigo de que se despede,
também vai indo embora...
Índice de imagens:
Foto 1: Casa de Cultura de Araruama (foto oficial de divulgação);
Foto 2: Kaú no traço da artista plástica Luzia Nametalla;
Foto 3: Uma das últimas fotos do poeta Kaú (acervo da família).
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Bonita a homenagem!
ResponderExcluirA palavra franca do Emmanuel Macedo Soares, a música de Gonzaguinha, a figura do amigo poeta...
Araruama precisa saber desta referência feita de filho para filho, este louvor de irmãos, na data de seu aniversário.
Parabéns a todos envolvidos nesta bela página.
Aloísio M. Pinto
Não conhecia Kaú, mas seu poema é de uma beleza indescritível. Os bons poetas também brotam em todos os lugares, em todos os tempos. Ainda bem!
ResponderExcluirRoberto, falar em Emmanuel, pra mim, é falar em algo de mágico. Pimentel nos apresentou , já lá vão anos e anos,
ResponderExcluirdizendo com ar de brincadeira, que era bom eu entrar no coração dele, senão... Entrei sem pedir licença e aqui
estou para afirmar ser Emmanuel uma das inteligências mais vivas , criativas e sensíveis que fazem parte de
minha vida. Sempre presente quando o assunto é falar dos Sebastiões da vida, quase sempre "esquecidos"
por falsos intelectuais. Se continuo, escrevo um livro sobre Emmanuel. Enriqueceu seu blog e mostrou mais uma
vez a pessoa especial que é você e o poeta maravilhoso da pequenina Araruama.
Um beijo
Branca
Parabéns, professor Roberto Kahlmeyer, pelo conteúdo do blog , matérias de níveis excelentes, especificamente, a de hoje, do prof. Emmanuel Macedo Soares.
ResponderExcluirEdel, eterna aprendiz .
Adorei ler o texto . Riquíssimo conteúdo e muito emocionante. Tão emocionante que cá estou chorando.....
ResponderExcluirUm abraço, Emmanuel!
"Por que o homem chora?
Porque fica. Ou porque, a cada amigo de que se despede,
também vai indo embora... "
Belvedere
Cau, meu Mestre.Um genio a frente do seu tempo!
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