sábado, 5 de março de 2011

As Tuas Mãos Terminam em Segredo, Fernando Pessoa


As tuas mãos terminam em segredo.
Os
teus olhos são negros e macios

Cristo na cruz os teus seios (?) esguios
E o teu perfil princesas no degredo...

Entre buxos e ao pé de bancos frios
Nas entrevistas alamedas, quedo
O vendo põe o seu arrastado medo
Saudoso o longes velas de navios.

Mas quando o mar subir na praia e for
Arrasar os castelos que na areia
As crianças deixaram, meu amor,

Será o haver cais num mar distante...
Pobre do rei pai das princesas feias
No seu castelo à rosa do Levante !

sexta-feira, 4 de março de 2011

Alberto Caeiro, poeta pagão

Li hoje, de Alberto Caeiro (heterônomo de Fernando Pessoa)
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.

Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.





Yeats, bem como um raio

William Butler Yeats (1865-1939), poeta místico e Prêmio Nobel de Literatura de 1923... Para os que têm dúvida quanto ao fato de ele ser o melhor representante da poesia inglesa na fase pré-moderna:

When you are old, W. B. Yeats

When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.


Quando você for velha, W. B. Yeats

Quando estiver velha, grisalha, sonolenta,
E cochilando perto do fogo, toma aquele livro,
E lentamente lê, e sonha com o suave olhar
Que seus olhos uma vez tiveram, e com
                                                        [sombras densas;

Como muitos amaram a grata graça de seus
                                                         [instantes,
E amaram sua beleza com amor verdadeiro ou
                                                         [falso,
Mas só um homem amou em você sua alma
                                                         [errante,
E amou a tristeza de seu rosto cambiante;

E recurvada sobre o ferro em brasa,
Murmura, algo triste, como o Amor se foi
E a passos largos montanhas galgou
Escondendo a face numa multidão de estrelas.
                            (Trad. Roberto Kahlmeyer-Mertens)


quinta-feira, 3 de março de 2011

Marco Lucchesi na ABL

A Academia Brasileira de Letras (ABL) elegeu, nesta quinta-feira (3/3/2011), o escritor carioca Marco Lucchesi para assumir a cadeira número 15.
Especializado em literatura italiana, o novo "imortal" traduziu romances de nomes como Primo Levi (1919-1987) e Umberto Eco. Autor também de "Ficções de um Gabinete Ocidental", "A Memória de Ulisses" e "Meridiano Celeste & Bestiário", Lucchesi vai ocupar a cadeira nº 15, em substituição ao padre Fernando Bastos de Ávila, que morreu no último dia 6 de novembro.
Segundo a ABL, Lucchesi recebeu 34 dos 38 votos possíveis (foram três abstenções e um voto em branco). Compareceram à sessão 26 acadêmicos, nove dos quais votarem presencialmente. Houve 27 votos por carta.
A cadeira nº 15 tem como patrono poeta e teatrólogo Gonçalves Dias e seu primeiro ocupante foi Olavo Bilac. Além de Bilac e do padre Ávila, ocuparam a cadeira Amadeu Amaral (1875-1929); Guilherme de Almeida (1890-1969); Odylo Costa, filho (1914-1969); e dom Marcos Barbosa (1915-1997).
— A chegada do escritor Marco Lucchesi constitui uma contribuição das mais valiosas para o quadro da Academia. Jovem e brilhante, certamente será de muita valia para os projetos e propostas que nossa Casa deseja implementar nos próximos anos —, afirmou o Presidente da ABL, Acadêmico Marcos Vinicios Vilaça.
Confira aqui trecho inédito da entrevista de Marco Lucchesi concedida a Roberto Kahlmeyer-Mertens:
Talvez devesse iniciar nossa conversa indagando em qual idioma você preferiria ser entrevistado. (Risos)

Podemos escolher a telepatia. Ou talvez o velho sonho que me atraiu no fim da meninice: o Esperanto. (Risos)

O esperanto... o velho sonho que nomeou o anseio por unidade de Zamenhof, precedido de diversas tentativas malogradas.

Impraticáveis! O volapuque, por exemplo... Kahlmeyer, Kahlmeyer! Vamos desesperados ao português, que é a língua que nos sabe e pronuncia. A mais sentida e amada. A que nos resta. A que nos diz.

Em verdade, mais que uma pergunta, meu preâmbulo espirituoso e bastante temerário pois, uma vez que você é fluente em pelo menos dez idiomas, incluindo o alemão, o russo e o romeno; se move razoavelmente por outros tantos, como o persa e o búlgaro e tem noções de polonês, turco e servo-croata, acabaria me expondo ao seu conhecimento de línguas. E não seria exagero dizer que talvez fosse preciso uma junta de tradutores para essa entrevista (risos).

Uma junta de tradutores. Uma junta de construtores – da torre de Babel. Uma junta de curiosos e desesperados.

A piada tem o propósito de introduzir a conversa... Justamente por seu interesse pelas línguas. Qual o peso que isso tem para você?

Jamais pensei chegar a esses quinze idiomas. Foi uma necessidade de comunicação. De lançar pontes. Ao sul e ao Norte. E depois para Leste. E morei anos a fio no pensamento desse Leste. Fim de meus anos vinte aos quarenta. Estudei com afinco. Diria mesmo brutalidade desinências, estruturas, formas verbais, casos e declinações. Hoje continuo estudando aquelas línguas e buscando sempre novas. Mas não com a mesma terrível disciplina. Apesar da minha ‘fome’ linguística não ter passado, procuro hoje outras dimensões. Outras demandas. A língua como pátria. E a história com suas terríveis demandas. 

Em um de seus últimos livros, O canto da unidade, você traduz a poesia do místico persa Jalal-al-Din Rumi. Não saberia avaliar, do ponto de vista técnico, sua tradução desde o persa, mas com alguma intuição de leitor de poesia, e conhecendo suas traduções de Hölderlin e Trakl, presumimos estar diante de um daqueles poucos casos em que o texto original não se obscurece com a tradução. Coisa que ocorre, por exemplo, quando um Friedrich Schleiermacher traduz Platão, ou um Machado de Assis traduz Vitor Hugo. Como obter esse resultado traduzindo de uma língua tão árida como o persa?

Custou muito. Poemas breves, mas com a índole do persa, toda concentração e harmonia. Volume. Espessura.  Hölderlin e Trakl são poetas da minha adolescência. Como os amei e sofri. Estudei alemão desde cedo e aquelas melodias ficaram ressoando em mim. Como é belíssima a poesia alemã. Traduzi Rilke. E poemas esparsos outros de Grass, Kunze e Birman.  Mas também Nietzsche. Traduzir Rumi – e foram dois livros – constitui-se num desafio de elaborar correspondências íntimas entre duas línguas próximas e distantes. Schleirmacher tinha um projeto bastante nítido em Platão, lido até o século XIX com as lentes neoplatônicas da Academia de Ficino e Pico. Às vezes a manutenção do obscuro é uma virtude.  Estou organizando a exposição do centenário da morte de Machado de Assis para a Biblioteca Nacional – e que horas esplêndidas trabalhando com o Mestre. Um de nossos maiores escritores e ainda tão mal conhecido entre nós.  O capítulo da tradução em Machado é fascinante. A clareza é belíssima. E também o opaco é cheio de harmonia. E valor.

(Esta entrevista estará publicada na íntegra no livro: Conversações com intelectuais fluminenses, a ser publicado até julho de 2011)


"Incipit"

Mais do que um texto inaugural, esta primeira postagem é um convite sorridente e franco. Um convite para que se aproximem deste Blog todos aqueles que entendem a literatura não como “perfumaria letrada”, mas como um conteúdo significativo capaz de infiltrar nossa existência de modo tal que as azáfamas cotidianas não nos absorvam inteiramente. A literatura, assim, seria capaz de nos fornecer algum encanto, fantasia, leveza e transcendência...Antes de começar nossas atividades, é preciso confessar que buscamos inspiração na iniciativa original de Mario Faustino (1930-1962), a mesma que criou sua coluna literária Poesia-Experiência, assinada por aquele jovem poeta e crítico nas páginas do JB entre 1956-1958.Naturalmente, não temos qualquer pretensão de arremedar aquela coluna (em verdade, nos faltaria o brilhantismo para tal), buscamos nos valer dos frutos maduros que tal suplemento de letras nos legou, isto é, nos apropriamos dos ensinamentos sobre como ler, compor e cantar a nossa literatura de maneira própria e singular. Assim, tomando as palavras de Faustino, pretendemos fazer deste espaço “uma tribuna e uma oficina, onde poetas (literatos) novos falarão ao público e em particular a outros poetas novos, e onde, ao mesmo tempo os jovens poetas e seus leitores procurarão reviver a boa poesia do passado à medida que aprendem a fazer a boa poesia do presente e do futuro.” Quem sabe, adotando essa postura, não conseguiríamos reviver aquele tempo que Benedito Nunes designou de “cronologia quente” da literatura brasileira...