quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A poesia crepuscular de Lena Jesus Ponte


Poesias inéditas de Lena Jesus Ponte, exclusivas para o Literatura-Vivência:

Foto:  Steffane S. Tristão. Luzes da noite. 



                                                                                                                      Lena Jesus Ponte

Crepúsculo urbano


Um helicóptero deseja ser pássaro,
canta metálico.
Pálido, o Cristo sobre a montanha
afasta as asas cortantes.
Estridente, o fim do dia buzina.

Uma estrela se infiltra na paisagem,
pede passagem para a poesia.


* * *

Queda livre

Não tenho o álcool,
o ópio,
o lexotan,
o sono nem a morte
para me dar suporte.

Tenho a cirurgia sem anestesia,
o corte e a dor,
hemorragia que não estanca,
a cor vermelha sobre fundo branco.

* * *

Era uma vez, quase noite...

                         (para papai, in memoriam)

Ontem meu pai chegou
em inesperada visita.
Eu tomava café.
Ofereci a ele uma xícara.
Fumou um cigarro na janela.
Falou de umas tantas andorinhas
que trançavam o fim do dia...
Contei-lhe dos bisnetos que não conheceu.
A cada graça das crianças, ele sorria...

Na hora de ir embora,
sua mão de vazios pega a minha,
e a voz de neblina convida: − Vem comigo?

Eu quase que ia...

* * *

De passagem

Na rua dorme um menino
sem lençol de afeto.
Na rua sonha um menino
sonhos sem imagens.
Na rua seca um menino
sem sequer as miragens de um deserto.

O menino dorme,
abraçado à calçada,
aconchegado ao cimento.
Que faz todo mundo neste momento exato?
Dormimos todos um sono profundo.

***



Divulgação Cultural
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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O Desejo segundo Lorca e Alonso


Quem um dia afirmou que o desejo era problema pertencente à dialética hegeliana precisa dar uma boa lida em Lorca e em Alonso... O desejo é dos poetas.


Flamenco, Anônimo.


Desejo

                                                                                                                                  García Lorca


Só o teu coração quente
e nada mais.

Meu paraíso um campo
sem rouxinol nem liras,
com um rio discreto
e uma fontezinha.

Sem a espora do vento
por sobre a copa,
nem a estrela que quer
ser folha.

Uma enorme luz
que fosse
vaga-lume
de outra,
em um campo de
olhares partidos.

Um repouso claro
e ali nossos beijos,
lunares sonoros
do eco,
se abririam mui longe.

E teu coração quente,
nada mais.


(LORCA, García. Livro de poemas, canções e outras poesias. 2ª ed. Trad. Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1976. p.108.)


Desejo



Quero a noite de rosas dos teus olhos
para acalanto dos meus dias sidos
e o frescor do luar dos teus cabelos
para orvalhar de lírios meus caminhos.

Quero a brisa de estrelas dos teus passos
para rota dos meus cheios de ocasos
e a música do azul das alvoradas
no silêncio trevoso das esperas.

O brancor de camélia dos teus seios
e a sucata de sombras dos teus gestos
para encher de ternura os meus vazios.

Quero a manhã que trazes pelo corpo,
translúcida de longes siderais,
para sermos um só no amor total!

(ALONSO, José Inaldo. O luar de meus andados. 2ª ed. Niterói: Nitpress, 2009. p.50)





Divulgação Cultural
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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Iberê Camargo, sua "trivia" e seus processos

O que dizer de Iberê Camargo na postagem de hoje? Talvez apenas relatar a funda primeira impressão que sua arte me causou em 1996. Grito que reverbera até hoje... Querer mais seria afoitez vadia.



“Arte, para mim, foi sempre uma obsessão. Nunca toquei a vida com a ponta dos dedos. Tudo o que fiz, fiz sempre com paixão”. (Iberê Camargo, 1914–1994)


CAMARGO, Iberê. Tudo te é falso e inútil III (1992).


“ – Minha contestação é feita de renúncia, de não-participação, de não-conivência, de não-alinhamento com o que não considero ético e justo. Sou como aqueles que, desarmados, deitam-se no meio da rua para impedir a passagem dos carros da morte. Esta forma de resistência, se praticada por todos, se constituiria em uma força irresistível [...]
– O drama [...] trago-o na alma. A minha pintura, sombria, dramática, suja, corresponde à verdade mais íntima que habita no íntimo de uma burguesia que cobre a miséria do dia-a-dia com o colorido das orgias e da alienação do povo. Não faço mortalha colorida.
– Por que sou assim?
– Porque todo homem tem um dever social, um compromisso com o próximo.
– Não há um ideal de beleza, mas o ideal de uma verdade pungente e sofrida que é a minha vida, é tua vida, é nossa vida, nesse caminhar no mundo.
– Sou impiedoso e crítico com minha obra. Não há espaço para alegria. É difícil revelar o significado das coisas. O Homem olha a sua face, interroga-se e não sabe quem é.
– Acho que toda grande obra tem raízes no sofrimento. A minha nasce da dor.
– A vida dói [...]”.


CAMARGO, Iberê. As Idiotas (1991).

CAMARGO, Iberê. Tudo te é falso e inútil (1992).

"As figuras que povoam minhas telas envolvem-se na tristeza dos crepúsculos dos dias de minha infância, guri criado na solidão da campanha do Rio Grande do Sul."

CAMARGO, Iberê. Fantasmagoria (1987).

"A verdade da obra de arte é a expressão que ela nos transmite. Nada mais do que isso!"


CAMARGO, Iberê. Solidão (1994).

"Não há um ideal de beleza, mas o ideal de uma verdade pungente e sofrida que é a minha vida, é tua vida, é nossa vida, nesse caminhar no mundo."





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