Estátua de Loreley no vale do rio Reno, na Alemanha.
“Loreley é o nome de um personagem lendário do folclore alemão, cantado
num belíssimo poema por Heine. A lenda diz que Loreley seduzia os pescadores
com seus cânticos e eles terminavam morrendo no fundo do mar, já não me lembro
de detalhes”. É assim que, no romance Uma
aprendizagem ou um livro dos prazeres, Clarice Lispector apresenta o poema
de Heinrich Heine que empresta nome à protagonista deste que (em minha modesta
opinião) é seu mais impressionante livro. O referido poema, parte integrante de
conjunto mais amplo chamado Die Heimkehr
(O retorno à pátria), até onde sei, ainda não possuía tradução para o
português. Seguem, assim, os versos de Heine sobre Loreleys, Lígias, Leucósias,
Partênopes e Clarices...
2.
Ich weiss nicht,
was soll es bedeuten,
Dass ich so
traurig bin;
Ein Märchen aus
alten Zeiten,
Das kommt mir
nicht aus dem Sinn.
Die Luft ist kühl
und es dunkelt,
Und ruhig fliesst
der Rhein;
Der Gipfel des
Berges funkelt
Im
Abendsonnenschein.
Die schönste
Jungfrau sitzet
Dort oben
wunderbar,
Ihr goldnes
Geschmeide blitzet,
Sie kämmt ihr
goldenes Haar.
Sie kämmt es mit
goldenem Kamme,
Und singt ein
Lied dabei;
Das hat eine
wundersame,
Gewaltige
Melodei.
Den Schiffer im
kleinen Schiffe
Ergreift es mit
wildem Weh;
Er schaut nicht
die Felsenriffe,
Er schaut nur
hinauf in die Höh’.
Ich glaube, die
Wellen verschlingen
Am Ende Schiffer
und Kahn;
Und das hat mit
ihrem Singen
Die Lore-Ley
gethan.
(HEINE, Heinrich. Die
Heimkehr. In: Buch der Lieder.
Berlin: S. Fischer
Verlag, s/d. p.109)
2.
Eu não sei o sentido
De tristeza tão assaz
Por um conto de tempo ido
Que significado a mim não traz.
O ar fresco e profundo,
O Reno manso a fluir;
Das montanhas cintila o cimo;
Da tarde de sol, o luzir.
A mais bela moça sentada
Em maravilhoso lugar,
Seu cabelo dourado penteia,
Com o ouro dos adornos a lampejar.
Ela alisa louras cãs caídas aos ombros
E canta uma canção que alicia;
Há um assombro
Em sua poderosa melodia.
O navegante no pequeno navio,
Capturado por selvagem dor,
Não divisa o recife rochoso,
Só visa à face superior.
Creio, as ondas hão de arrastar
Ao fundo, navegante e barco
Eis o que, com seu cantar,
Loreley leva a ato.
(Tradução do alemão feita por
R. S. Kahlmeyer-Mertens)
Prezado amigo Kahlmeyer-Mertens:
ResponderExcluirFico feliz porque continua divulgando, de vez em quando, no seu nobre blog, a alta literatura na língua de Goethe. Não conhecendo o alemão, percebo, porém, na sua transposição o cuidado que teve com o andamento rítmico, com a clareza dos versos transpostos ao português, com as inversões necessárias por você utilizadas a fim de dar correspondência e fidellidade ao texto da língua de origem.
Senti também o tom solene e trágico, envolvendo a voz lírica em dúvida para explicar sua trsissteza contraditória porque associada ao sem-sentido de uma lenda antiga.
O poema, desdobra-se em descrever duas situações , em espaços diferentes, parecendo duas pinturas, retratando, primeiro a natureza luminosa de uma paisagem paradisíaca, montanhosa, , em seguida, a descrição dos encantos físicos de uma personagem,a mais bela jovem, sentada num lugar não definido, entoando uma canção como um canto de sereia. que tem o dom de provocar, no espaço do mares,, um trágico fim de barcos e pescadores. O poema funde melodia e tristeza, além de desencanto na voz do "eu lírico". Loreley é essa bela mulher que enfeitiça com o seu cantar o destino de pescadores.Não usta assinalar que a voz lírica faz referência indireta a uma outra personagem no poema, a qual se encontra junto da bela jovem, e que, por uma indicação - cãs - cabelos brancos, é uma mulher já mais velha, talvez a mãe.O cromatismo do quadro com referência à bela jovem, e seus cabelos dourados, pode me confundir a este respeito, mas me fica a dúvida, a ambiguidade tão cara à literatura em todos os tempos!
Não me leve a mal este simples e superficial comentário provocado pela leitura/releitura deste belo e trágico poema. e pelo charme do lendário ou mítico que ele nos transmite melodiosamente.
Um abraçodo do
Cunha e Silva Filho
Caro Cunha,
ResponderExcluirValeu pelo comentário sobre as "cãs" de Loreley. A opção deste vocábulo, entretanto, se deveu a tentativa de manter a sonoridade de "Kamme" que, no contexto, denotaria "cabelos", "madeixas", quiçá, "melenas". A utilização do termo "cãs" se vale aqui de uma metonimização (ou de um processo que gera efeito metonímico): da mesma maneira que algibeira (bolso de colete), por vezes é usado como bolso (comum), para preservar a sonoridade, uso cãs genericamente como madeixas. De mais a mais, o contexto subministra Lorelay como jovem e bela e não como uma matrona grisalha (risos).
Continuemos trocando impressões de tradução,
Abraços do
Kahlmeyer
Kahlmeyer,
ExcluirNão entendi o que sua opção teria a ver com metonímia!
De mais a mais, acho que a crítica do colega Francisco Cunha procede. Ao traduzir cabelos por cãs você incorre em uma positiva imprecisão terminológica.
Att
Lúcio
Caro Lúcio,
ExcluirMetonímia é uma figura de linguagem que se caracteriza por tomar a parte pelo todo, por exemplo: falar do cume (parte)expressando a montanha em sua inteireza (todo).
No poema, falo do específico (cãs, cabelos grisalhos) significando o geral (cabelos, em sentido amplo).
Não se trata de uma tradução\interpretação imprecisa, uso apenas as licenças que a poesia, enquanto arte da palavra, me dá.
No dia que escrever um laudo médico-legal eu não recorrerei à metonímias, prometo!
Att,
Roberto
Kahlmeyer:
ExcluirValeu a réplica e me convenceu quanto a uma falsa ambiguidade.Fui muito literal; você foi apenas mais figurado, e isso foi oportuno.
Um abraço do
Cunha
Prezado Roberto,
ResponderExcluirvibrei com o retorno do seu blog. Sentia muita falta dele. Você iluminou caminhos. E vai continuar a fazê-lo.
E logo agora com a lenda da sereia do Reno e do livro de Clarice de que tanto gosto. Aliás,é o meu preferido também. Meus alunos e eu o amavam.
Na década de 90 ( 94-95 em diante) pesquisei muito sobre o tema, visitei o penedo muma viagem de vapor turístico, tinha a música, e publiquei vários textos sobre este mito renano em congressos, jornais e revistas até chegar à Lóri, de Clarice.
Por isso, vou enviar-lhe um dos textos, no qual aludo a duas lendas medievais, aos versos de Heine e Bretano e termino com uma interpretação de Uma aprendizagem.
Pesquisei as duas versões medievais, na França: a pagã e já cristianizada.
Este artigo, que lhe remeto, figura no meu livro Antígonas da Modernidade, aguardando publicação, Constitui um dos capítulos, o de número 7 do livro.
Fiz aí uma junção de três publicações, embora não estejam as referências bibliográficas, que figuram nos meus textos acadêmicos.
Envio-lhe em anexo para sua apreciação, já que se referiu ao tema.
Fiquei muito, muito feliz com sua menção à obra de Clarice e ao lendário da Lorelay(-ley),
A tradução do poema de Heine é sua?.
Abraços amigos.
Muito companheiros.
Dalma
P. S.
Já resolveu sua vida profissional? Afinal irá nos deixar? Uma lacuna na cultura fluminense.
, Roberto, onde anda você? Sinto falta de suas palavras.Não se pode perder um amigo como você. Se está em outro blog envie para mim. Não sei como
ResponderExcluirencontrar.Bejos e carinhos para você e Gel.
Branca
Fiquei encantada com a traduçao deste poema, meu nome é Branca Lore, devido a Lorelei. Em alemao eles combinam Hanna Lore, Helga Lore, como nome composto. Estou fascinada com toda explicaçao técnica. Sinceros cumprimentos, Branca Lore
ResponderExcluirGostei deveras de sua tradução! Parabéns, e obrigada por compartilhar !
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