segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A literatura entre a solidão e a exigência, entrevista com o escritor Chico Lopes


Publicada originalmente no último número de Literato - O jornal das letras de Niterói, a entrevista com o escritor Chico Lopes, concedida a Carlos Rosa Moreira, tem aqui sua reprise. Agradecemos ao entrevistador e a toda a equipe editorial do Jornal pela gentil cessão da matéria.


Capa de um dos últimos livros de Chico Lopes


Chico Lopes (Francisco Carlos Lopes), escritor e artista plástico. Nasceu em Novo Horizonte, SP, em 1952. Publicou os livros de contos “Nó de Sombras” (Instituto Moreira Salles, 2000); “Dobras da Noite” (Inst. Moreira Salles, 2004); “Hóspedes do Vento” (Nankim Editorial,SP, 2010). Está lançando a novela “O estranho no corredor”, pela Editora 34, de SP. É tradutor e no momento trabalha para a série “Jovens Leitores”, da Editora Rocco. Tem várias traduções de literatura americana clássica e contemporânea pela Rocco, Landmark e Ediouro. É programador cultural e apresentador da área cinematográfica no Instituto Moreira Salles. É crítico de cinema e de literatura.  Seus contos e resenhas estão em várias publicações como a revista Cult e jornais como o Correio Braziliense, Minas Gerais, Rascunho e outros, além dos sites Verdes Trigos, Cronópios e Germina. Escreve um romance e tem livros inéditos em vários gêneros literários.
1-      Chico, o escritor em você sempre existiu?
R: Creio que o descobri lá pelos 13 ou 14 anos. Senti vontade de ser escritor nessa época, quando caiu em minhas mãos o “Capitães de Areia”, do Jorge Amado. Ler aquilo me deu uma vontade louca de escrever.
2-      Você é organizado para escrever?
R: Não sou muito organizado. Escrevo em jorros, às vezes 40, 50 páginas numa tarde. E às vezes posso não render nada. Não tenho método nem horário, mas acredito em inspiração. Tenho o hábito de reescrever muito e sou implacável com o que não aprovo, rasgo, esqueço e recomeço.
3-      Há um processo de depuração? Mostra os textos a amigos, deixa-os amadurecer na gaveta?
R: Acredito em depuração. Não costumo mostrar trabalhos em andamento. É uma superstição, talvez. Só submeto o texto a alguém quando os acredito prontíssimos.
4-      Como é se desfazer de uma emoção? Ter de enxugar dói?
R: Não me dói enxugar. Sou implacável.
5-      O que atrapalha um escritor, além do barulho?
R: Palpites infelizes. Patotas que querem que você adote determinadas estéticas. Um escritor tem de ser deixado sozinho com seus demônios, erros e purgações. Literatura é feita de exílio, solidão e depuração.       
6-      Existe um estado de espírito ideal para escrever?
R: O melhor estado de espírito é um imenso desejo de criar outro mundo, recriar a realidade, a memória, dar vida, sangue novo a fantasmas. Também sou movido por impulsos que só podem ser chamados de eróticos, um desejo de beleza, de exaltação.
7-      Você vai lançar sua novela, seu primeiro texto longo. Houve uma exigência interna e repentina ou já existia um desejo antigo de escrever uma narrativa mais longa?
R: Eu sempre escrevi contos, mas queria um mergulho mais intenso. A novela foi nascendo paralelamente e se expandiu como uma planta, ao longo de décadas, com muitas reescrituras. Peguei o gosto pelas narrativas mais longas. Agora escrevo o que pode ser classificado como romance, estou entusiasmado.
(Em dezembro será lançada a novela “O estranho no corredor”, primeiro texto longo de Chico Lopes).
8-      O que frustra você nessa literatura brasileira contemporânea?
R: Há tanta coisa frustrante... As pessoas querem a celebridade rápida, querem ser elogiadas por qualquer besteira que aprontem. Há pouca cultura literária. Há pessoas que só conhecem resumos e orelhas de livros. A superficialidade e a vaidade são marcas da contemporaneidade. Há um ecletismo estético que é puro oportunismo, mas é nota dominante do mercado editorial, esse “vale-tudo” torna as pessoas mais superficiais.
9-      Qual a sua ambição literária?
R: Continuar escrevendo. “Romper a machadadas o mar gelado que há dentro de nós”, como dizia Kafka. Atingir o ponto mais alto da profunda conversa com o leitor inteligente.
10-  Algum autor mudou sua visão sobre a Litertatura?
R: Proust. “Em busca do tempo perdido” mudou toda a minha vida literária.
11-  Outras artes inspiram você?
R: Sim, a pintura. A música, que me parece a maior das artes. O cinema.
12-  Cite algumas preferências literárias nacionais e estrangeiras.
R: São muitas... Americanos: Truman Capote, Carson Mc Cullers, Philip Roth... Franceses: Camus, Proust, Celine, Green... Brasileiros: Graciliano, Rosa, Machado, Clarice, Lúcio Cardoso... Russos (os maiores de todos): Tolstoi, Dostoievski, Tchecov...
13-  Chico, você pertence a alguma “família” literária?
R: Acho que descendo de uma família que inclui Julien Green, Lúcio Cardoso, Dostoievski, Graciliano, Cornélio Penna... Gente preocupada com o lado sombrio do ser humano.
14-  E agora, após o lançamento de “O estranho no corredor”?
R: Bem, acho que vou me dedicar às narrativas longas, sem esquecer os contos. Creio que não somos donos do nosso destino literário. Eu gostaria de escrever um romance longuíssimo, sem prazo para acabar. Talvez no conjunto, meus três livros de contos e a novela sejam exatamente isso, um único livro desdobrado em muitos.




Divulgação Cultural
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14 comentários:

  1. Olá professor Roberto... A grande contribuição do Literatura Vivência é, entre outras, a possibilidade de conhecer autores diversos que nos acrescentam novas visões e maneiras de pensar a literatura. O Chico Lopes confirma o que tenho como princípio: literatura é gratuidade da vida através da sensibilidade do escritor. "Literatura é exílio, solidão, depuração", o que me fez lembrar de um grande professor, Carlos Sepúlveda.
    Muito bom viver estes momentos de partilha literária.
    Um abraço...
    Mauro Nunes

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  2. Como é bom encontramos ecos. Uma boa entrevista pode ser o abrir de portais de conhecimentos, do outro e de sintonia com o nossos. Carlos faz perguntas que levam o escritor a revelar dados de uma visão que contata com a nossa em muitos pontos. Ajuda a revelar, por exemplo, que um bom livro acorda o nosso lado criativo, quando toca a sensibilidade. É o caso de Capitães de Areia. Este livro mudou minha visão em relação à escuta do menor de rua, e saber que Chico aprecia o livro, faz-me querer conhecer seu mundo literário, suas ideias.Ele aprecia o lado sombrio do ser humano tratado pela literatura, critica a superficialidade, o apego pelo sucesso rápido.Tudo isso revelado por instigações de uma boa entrevista faz querer conhecer Chico em seus livros. Vamos fazer indicação, depois de lê-lo! Parabéns ao blog por trazer a entrevista até nós.
    Eloisa heena, membro do CLIc.

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  3. Só um reparozinho ao parêntese do editor: Estranho no corredor não é o "primeiro texto longo" de Chico, é o primeiro texto longo a ser publicado e há certamente nas gavetas dele muita coisa longa de alto valor a ser publicada. Finalmente parece que Chico está ocupando o lugar que merece na literatura brasileira, e já não é sem tempo para o bem de todos nós, leitores ávidos. MValéria Rezende

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  4. Caro Roberto
    Parabéns pela ideia de nos oferecer esta primorosa entrevista que reune dois escritores de inegável talento: o entrevistador, Carlos Rosa Moreira, apresenta perguntas inteligentes, significativas para quem vive nas lides literárias, vasculhando o íntimo do escritor escolhido; o entrevistado,Chico Lopes, responde com visível boa vontade (o que nem sempre acontece nas entrevistas que tenho lido)e desvenda seu modo de ser, de pensar, de exercer as suas atividades literárias. É uma página rica, que traz uma boa visão sobre um escritor que merece ser lido e conhecido.
    Carlos, adorei a entrevista!
    Gracinda

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  5. O círculo se fechou: boas perguntas, boas respostas. Ganham com isso os leitores, que passam a conhecer o pensamento de alguém preocupado com a qualidade do fazer literário. Parabéns aos três: ao Carlos Rosa, ao Chico Lopes, ao Roberto Kahlmeyer.
    Wanderlino

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  6. Perguntas inteligentes + Respostas claras e extremamente simpáticas só podia dar nisso: uma excelente entrevista. Um presente para nós, leitores. Mais um escritor para eu levar para a cama (rs), com todo o respeito, pois durmo e acordo com os livros que escolho para fazer parte do meu aprendizado. O título é curioso - O ESTRANHO NO CORREDOR - e já aguçou a minha curiosidade. Carlos Rosa, admiro-o a cada dia mais e mais. E agora é que não vou poder mesmo esquecer que EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO, DE MARCEL PROUST, continua na minha estante aguardando para ser lido. E, naturalmente, um outro que ainda não está mas que logo estará - O ESTRANHO NO CORREDOR, de Chico Lopes. Obrigada aos dois escritores (Carlos Rosa e Chico Lopes) por essa entrevista.
    Angela Ellias.

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  7. Prezado Roberto.

    A boa entrevista feita por nosso colega escritor Carlos Rosa Moreira, eu já lera no número de dezembro último do Literato; manifesto-me agora, que você a reproduz. Confesso minha ignorância literária: não conhecia o escritor Chico Lopes. Talvez, por influência da mídia, só ouvira falar de outros dois com o mesmo "nome de guerra": um político e um economista (banqueiro). Não sei se é do agrado do entrevistado essa homonimia. Quanto à entrevista em si, é inteligente e objetiva.

    Aproveito para me referir à postagem “La mort d’un lion”.
    De início, com sua vênia, sugiro corrigir pequenos erros de digitação:
    O título em francês “d’un” e não “d’um”
    4º verso da primeira estrofe; o correto é “libre en sa...”
    O título da tradução, “ A morte dum...”; não seria “de um”?Quanto à tradução em si, não me parece à altura do belo soneto original, metrificado e rimado; não traduz seu sentido pleno.

    Abç. Gilson

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  8. Esta entrevista ficou muito melhor alocada aqui do que no Literato!

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  9. Caro Roberto, parabéns pela publicação dessa entrevista, ótima oportunidade para divulgar o trabalho de Chico Lopes (só muito recentemente eu tive contato, via internet, com esse autor, por intermédio de Carlos Rosa). Sensibilidade, seriedade e dedicação marcam, entre outras características, a relação de Chico Lopes com o fazer literário. Carlos Rosa, com uma entrevista consistente, nos amplia o conhecimento de escritores que vão se afirmando pela competência no trato com a palavra.
    Abraços para você, para o entrevistado e o entrevistador.
    Lena Jesus Ponte

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  10. Fernando Antonio Nunes dos Santos15 de fevereiro de 2012 às 08:44

    VOAR

    o vento sopra

    Eu não procuro mais nada

    Esquece o que aconteceu

    seu erro foi meu ou seu

    Não muda nada

    Não quis subir na cruz

    Tão pouco pegar a espada

    O veneno que me deixou só

    E a marca na pele

    Aquela magoa não quero mais

    Não quero ser....

    Não vou poder

    VOAR

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  11. Prezado Carlos, parabéns pela entrevista. É muito bom ver perguntas inteligentes, feitas por quem também é excelente escritor, e respostas na ponta da língua. Minha sugestão ao Prof. Roberto é agora fazer o pingue-pongue, ou seja, Chico Lopes entrevistar Carlos Rosa.

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  12. A entrevista é muito boa, mas li o texto do Chico Lopes e não achei nada de excepcional! Acho que estão fazendo mais barulho do que o devido.

    Perdoem o sincericídio!

    Lucas

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  13. Adorei! E não é que me deu uma vontade louca de entrevistar alguém?! Grata pela postagem e abraços .
    Belvedere

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