“Na
gênese, Deus criou o céu e a terra, e a terra era desordem e deserto, uma treva
sobre as faces do abismo. Mas um sopro sagrado planava sobre a face das águas.
Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz”. (Gen.1, 1-3) À imitação do verbo divino, intromisso, o poeta
acrescenta: “...Haja, ainda, partículas de sol”, e a tarefa de ultimar a obra
divina passa sem mediações do criador à criatura. Não enquanto o simplório
legado de Adão, mas como a herança de Orfeu, que bem sabe da idealidade poética
do verba tene, res sequentur.
Ao tanger sua lira, o filho de Calíope (musa da
memória e da expressão) afina homem-mundo e o verbo poético faz aflorar os
trastes. Como soa uma tal lira? Para saber, basta abrir o presente livro (seria
pouco chamá-lo apenas de livro!) e entregar-se à prosa e à poesia de Renato
Augusto Faria de Carvalho.
Inundado de afetos – alegrias, amizades,
amores, prazeres e um feixe de religiões e sabedorias instintivas – repetidos
com a mesma mestria dos livros que os antecederam, Renato renasce enquanto discurso
possível desde a memória da infância, no anelo íntimo com seus pares e nos
relatos de suas viagens de individuação. Estão todos lá: o viandante num hotel
em Cartagena (ou seria Veneza?), o escritor no bucólico quintal de sua casa em
Itaipu, as imagens meninamente feéricas das águas amazônicas, das lucíolas e dos
arrebóis... Estão todos lá.
Dessa última, que se ressalte um registro quase
fotográfico: “O barco, esbelto e
orgulhoso,/era empurrado pela magnanimidade da incansável/roda traseira./E navegava,
altivo, pelo Tapajós,/ Sem dar valor ao esforço da retaguarda./As crianças
transbordavam seu espanto/e não percebiam/o quanto era orgulhoso o velho
barco:/um Lord,/induzido pela coragem do fiel criado.”
Notável escritor do verbo e da terra, das águas
e da luz, Renato poética-admirada-eloquentemente, crônica-perplexa-mnemonicamente
nos desvela um horizonte e nos abre um espaço no qual é possível recordar o
quanto a literatura é (re)criadora. Literatura que não se expunge, não faz
intertexto e não sacia quem a bebe aos sorvos. Nesse gesto, o leitor se compraz
em “pranto, delícia, canção e oração”, como nos diz o poeta, ressalvando da luz
sua nitidez etérea.
Não há, aqui, como não recorrer a Shakespeare,
em algum lugar de seu The Tempest, quando
este assevera sermos feitos da mesma matéria de nossos sonhos. Diante da
matéria literária que Renato Augusto Faria de Carvalho nos oferece, é quase um imperativo alçarmos, por
meio desta, o devaneio estético da literatura encetada pelo poeta e
desenvolvida em consonância (afinação) com a gênese. Celebremos, assim, este
canto órfico ao repetir: ...Haja, ainda,
partículas de sol; haja, ainda, partículas de sol...
Renato Augusto Farias de
Carvalho nasceu em Manaus/AM no dia 30 de junho de 1935. Em
sua terra natal, estudou no Colégio Salesiano Dom Bosco. Na cidade do Rio de
Janeiro/RJ, para onde se mudou em janeiro de 1952, continuou seus estudos no
Colégio Andrews, tendo participado do Grêmio Acadêmico, que ajudou a fundar. No
início de 1978, passou a residir em Niterói/RJ. Graduou-se em Letras (Língua e
Literatura – Português/Francês) na então Faculdade de Humanidades Pedro II
(FAHUPE). Pós-graduou-se em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas.
Exerceu diversas funções e cargos na Previdência Social (Direção Geral – RJ),
aposentado-se em 1989. Ocupante da cadeira nº 6 da Academia Niteroiense de
Letras, também é membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras e da
Associação Niteroiense de Escritores. Publicou os seguintes livros: Porto de
Ocasos (ficção/memórias. 1998. Editora Cromos), Poesia-do-que-eu-quis (poemas.
2002. Editora Cromos) e Vinho e Verso (poemas. 2005. Ed. Valer). Entre as
diversas medalhas já recebidas, destacam-se a José Cândido de Carvalho
(conferida pela Câmara Municipal de Niterói) e a do Mérito Cultural Belas Artes
(conferida pala Associação Fluminense de Belas Artes). Participou, como
entrevistado, do projeto “Personalidades de Niterói”, iniciativa da Associação
Atlética do Banco do Brasil – AABB/Niterói. Autor dos enredos carnavalescos
“Jorge Amado – do País do Carnaval à Tieta do Agreste” (1978) e “E agora
malandro? – Você ganhou a loteria!” (1979), desenvolvidos para Escolas de Samba
de Niterói, e de monografia sobre o Clube da Madrugada (movimento cultural de
escritores amazonenses nos anos 1950). Das muitas palestras proferidas,
destacam-se: “Teatros do Brasil” (participação de Beatriz Chacon e Thuany Feu de
Carvalho), “Fagundes Varela”, “Cora Coralina e Manoel de Barros (participação de
Gracinda Rosa e Lena Jesus Ponte), “Xavier Placer, 50 anos de literatura”,
“Adelino Magalhães, e o pré-modernismo”, “Cora Coralina e Florbela Espanca, um
encontro tão possível”, “Articulação poética aproximando Luiz Barcellar e Jorge
Tufic” e “Lindalva Cruz e suas composições amazônicas”. É autor de contos e
crônicas publicados em jornais e revistas e de alguns prefácios. Possui textos
em antologias.
Convite dos lançamentos, clique na imagem para ampliar.
Caramba Kahlmeyer!!!
ResponderExcluirQue bom ver o Literatura vivência de nova na ativa! Porra, me desculpem os demais, mas o seu blog é o melhor quando se trata de literatura em Niterói!
Lamento que tenham se tornado escassas as postagens.
Sou teu fan, cara!
Abraços
do Zeca
vou concordar com o comentador acima. fica difícil concorrer com o lv. acho que a qualidade do blog, além do atraente projeto gráfico e dos vídeos que são sempre interessantes, está em não noticiar qualquer bobagem. Ao final, os textos são imbatíveis!
ExcluirPoderiamos ter lv mais vezes no mês!
Abraços
Lucas
Que bom ter essa sensação gostosa de novo. Roberto, pelo amor de Deus, continue esse trabalho. Vamos fazer um brinde : Que a CULTURA prevaleça. Sempre.
ResponderExcluirBJs
Belvedere
Texto espetacular, capa espetacular, clip espetacular! O livro do Renato não deve ser menos espetacular!
ResponderExcluirIrei ao lançamento aqui em Copa.
Obrigado por me avisar.
Att
Mariana Ribeiro
BRILHANTE!!!! SÓ PARA VARIAR...
ResponderExcluirIsto sim, é surpresa boa! Literatura Vivência ativo! Maravilha, Roberto, um forte e amigo abraço. E trouxe nada mais nada menos que o livro do Renato Augusto Farias de Carvalho, e com essa capa linda do Will! É só coisa boa! (e tome exclamação!).
ResponderExcluirCarlos Rosa Moreira.
O Blog é 1000, cabendo ressaltar, trata a cidade de Niterói com o carinho e respeito que ela merece.
ResponderExcluirNossa!!!
ResponderExcluirRoberto, amigo meu!
ResponderExcluirSão por essas e outras que eu acho um crime você interromper o funcionamento do blog!
Quando estávamos no cume você parou com tudo. No ápice da festa você deu um stop!
Aquele projeto dos livros que marcaram Niterói merecia um prêmio! Era um resgate e tanto!
Parou porque, porque parou?
Abraços do admirador,
Alanir
Meu caríssimo Roberto,
ResponderExcluiruma surpresa dupla! Que raios da tua"vivência" reanimaram "partículas" dessa luz que te expõe? Eu, entre espanto de mim mesmo (e essa dúvida terrível) me escondo na invenção metafórica do verso - e me envergonho da astúcia. Estou, apenasmente, para te dizer OBRIGADO e não para um discurso (literário). Coincidentemente, tenho em mão um livro de Antonio Carlos Secchin onde ele comenta(entre tantos outros) o Fabrício Carpinejar e seu maravilhoso "As solas do sol." "Um cosmo sem fronteira"! (...) Eu me sinto em um paradoxo: dentro de mim o pensamento, o desejo, o vendaval da luz e o escuro da incerteza. O indizível. Fora de mim este desconforto do talento pobre, este i/logismo inexpressivo. Sinto-me premiado sob teu gesto bondoso. Tudo isso te faz obrigatório a essas dezenas de pessoas que acompanham o Literatura-Vivência. Não podes faltar.
Sou muito grato.
Afetuoso abraço do
Renato.
Sou obrigado a concordar com o autor enfocado, em seu depoimento! Literatura Vivência é obrigatório, é necessário, trata-se do melhor blog literário que Niterói.
ResponderExcluirSaibam, é um privilégio ser enfocado em uma matéria deste espaço, Renato, você pode se sentir um privilegiado!
Kahlmeyer,
está na hora de retornar ao nosso convívio,
com carinho Lucíllia
ResponderExcluirDeve ser muito bom o livro de Renato de Carvalho, a julgar pela crítica!
O blog dá mostras da saúde e inteligência do "outro lado da poça".
Me decepcionei muito da última vez que tive contato com a literatura de Niterói, salvando o Luiz Augusto Pimentel o resto é de uma mediocridade só: pseudo-literatos que são tão senis quanto convencidos de si, movimentos em calçadas e pracinhas (onde uns velhos jogam gamão, os outros posam de José Saramago), velhas caquéticas dizendo versinhos ingênuos...
O livro de Renato deve ser bom, irei ao lançamento aqui no Rio, o blog divulgador é ouro puro!
Passarei a acompanhar vocês!
Sinceramente,
Niamar Tannury
Karákas, Kahlmeyer! A paisagem do vídeo parece com a da capa do livro!!! Foi de propósito?
ResponderExcluirmuito bem kahlmeyer, muito bem!
ResponderExcluirvc tem um grande estilo ao escrever!
parabéns renato pelo novo e belo livro.
leda rego
Caro Roberto:
ResponderExcluirHá tempos não nos comunicamos. Você sumiu! Entretanto, conversando, por telefone, com o Luiz Antonio Barros, ele me informou que você, tendo sido aprovado em concurso, se não me engano no Paraná, para lá se mudará.
Os contato por e-mails, pelo menos, da minha parte desejo manter com você e com Niterói.
Até mesmo para a publicação do livro do Lili Leitão e. Luís Figueiredo.
Continuo no meu blog com meus artigos e traduções. Este ano não deu pra tentar o pós-doutorado na UERJ. Porém, está nos meus planos para o início do ano de 2013.
Espero que tenha sucesso na docência universitária e faça uma bela e produtiva carreira.
Um abraço do amigo e admirador.
Cunha e Silva Filho.
Cunha e Silva Filho
Volta...
ResponderExcluirGênio!
ResponderExcluirAbraços da cada vez mais admiradora,
Angela Martius