Sim,
falando sério sobre as coisas sérias da vida; a verdade ainda manda dizer: em tom afável e sem afetação de solenidade.
Tempo,
vida, família, memória... Está tudo aí! É ler e sentir a crônica do escritor
Sandro Pereira Rebel (cadeira cativa neste blog formado de literatura e vivências).
Vida: a viagem do tempo
Viajando, o tempo nos faz
ir a
vida carregando
e, no fazê-lo, nos traz
o mistério do até quando.
Mamã, papá, vô,
vó. Antes, houve, é claro, o berreiro da
chegada e aqueles incômodos salpicos de água benta na pia batismal. Depois, o
primeiro tombo, o segundo, o terceiro, o vigésimo, o trigésimo oitavo, perde-se
a conta. O primeiro “Parabéns pra você”, que confusão, não se entende nada. Mas
teve brinquedo, principalmente muita bola.
E veio a professorinha do Jardim, sempre recordada, vida afora, com
muita ternura. Logo após, a que nos ensinou o beabá, e que, naquele tempo, nem
era chamada de tia. Gripes, caxumba,
catapora, amigdalite, rinite, otite e outros ites, todos, felizmente, sem
gravidade, vão se sucedendo. Alergias também entram no rol, algumas tão
esquisitas que mais parecem explicação de médico que não tem, ou não sabe, o
que explicar. Mas, pelas mãos de Deus, e atrelados a seu parceiro, o tempo, a
gente vai em frente, às vezes aos trancos e barrancos, mas sempre em frente.
Vem o namoro do alvorejar da mocidade,
um beijinho hoje, mais um daqui a vinte dias, no escurinho do cinema, depois de
prometido, a muito custo, em meio aos volteios de um bolero ou aos enleios de
um fox-blue. Ah, que bonito! Os amigos dizendo que não, que somos românticos
demais, e tentando nos encaminhar para os descaminhos. Que será de nós quando crescermos? Profissão
do pai, será uma boa? Mas é tão antiga... E têm tantas outras por aí à nossa
volta, mais rendosas.... O avô e a avó já se foram há muito. O pai deve estar
se preparando, quer dizer, sendo preparado para também ir. A mãe não demora e
passa a ser a bola da vez. Será que vamos casar? E com quem? E filhos, será que
vamos ter? Quantos? E que fazer deles? O vestibular, a faculdade, os
professores nos passando uma porção de ensinamentos inúteis, como, aliás, já
haviam feito, só que com menos requinte e pompa, os seus colegas de cátedra lá
nos primórdios dos nossos estudos. O pai, que estava por ir, já foi mesmo. A
mãe, viúva, certamente que não vai durar muito tempo. E vêm o “enfim sós” e as consequências, os filhos. A mãe realmente
não durou quase nada. O trabalho, nunca se sabe se escolhemos o melhor. O mais
das vezes não é aquele que almejamos. Mas vai dando para o gasto. Um sucessinho
aqui, outro acolá, um percalço a menos, outro a mais, nem tudo dá certo mas podia ser pior. E o patrimônio? Sim, sempre ouvimos dizer que, para ser bem
respeitado, o homem tem de ter um sólido patrimônio. Mas damos graças aos céus
quando conseguimos possuir um só apartamentozinho que seja, usando aquele
financiamento oficial que só se consegue quitar com a certidão de óbito. Mas,
paciência, também isto está pra lá de bom. Afinal, os filhos já estão
crescidos, exercendo profissões meio inusitadas para o nosso gosto, não mais só
as de médico, advogado, engenheiro, dentista, veterinário e mais uma meia dúzia
de outras que davam maior e melhor “status” no nosso tempo. A informática chega,
tudo se torna computadorizado e globalizado, e as atividades vinculadas a ela
ou dela decorrentes ficam sendo – como
dizem eles – as “quentes”. E não é que aquelas crianças já até estão nos
falando de genros e noras e nos prometendo muitos netos? E daí em diante,
principalmente depois que essa promessa
– a dos netos – se torna linda
realidade, as coisas passam a acontecer atropeladamente, a toque de caixa, a
vida resolve correr demais na frente da gente. Ah, que saudade das gripes, da
caxumba, da catapora, das alergias! As nossas atuais mazelas requerem cautelas
bem maiores. Há que se ver e controlar permanentemente as taxas de colesterol,
ureia, creatinina, ácido úrico, glicose, triglicerídios, estar sempre
fiscalizando o coração, os pulmões, a próstata etc., há que se pensar, enfim,
mais seriamente que nunca, que somos apenas pobres mortais morríveis a qualquer
hora. Pois depois dos tantos questionamentos, como os lembrados acima – que compõem o painel de nossas vidas, e que
em verdade são, enquanto de algum modo participamos da construção delas, a sua grande motivação –, de repente nos sentimos postos inteiramente à
margem dos seus rumos, a mercê apenas e tão somente do inexorável passar do
tempo. A tal ponto e com tamanha intensidade é esta a realidade que se põe diante de nós nessa quadra da vida, que só o
que então nos fica restando, para encará-la, é a total entrega àquela
indagação, suprema e última, que precede, inexorável e irrespondível, o
princípio e o fim de tudo e de todos: e agora, o que virá?
Texto
extraído do livro “Cronicontando”,
onde
aparece com o título “Um extrato da vida”
Divulgação
Cultural
(Clique na
imagem para ampliar)
Estou muito comovida, Roberto...
ResponderExcluirNão dá para escrever agora.
Parabéns ao Sandro, para o momento.
Volto a escrever depoi
Que obra prima!
ResponderExcluirMe lembra Vinícius de Moraes...
É um grande escritor o Sandro Pereira Rebel!
Todas as minhas considerações para ele.
Kahlmeyer, não esperava de você outro gesto senão este de sensibilidade e carinho. Seu blog feito de literatura e vivências nos aumenta, pode crer.
É por veicular matérias como esta de Sandro Rebel que o nível do Blog tem sido tão bem falado em nossa cidade.
ResponderExcluirParabéns escritor Sandro Rebel, que Deus lhe mantenha esta verve!
Paulo
O vídeo completa o texto como se fosse feito para ele!
ResponderExcluirParabéns Rebel pela bela crônica.
Arno Guinle
Em mais uma ínspiradíssima crônica,vem Sandro Rebel esbanjar o seu já decantado talento. Como nos faz bem ao espírito, ao humor e ao dia-a-dia, enfim, ler produções literárias desse porte!... Só tenho a discordar do ilustre cronista quando ele se inclui entre os "morríveis", porquanto, além de ser considerado imortal oficialmente pelas Academias de Letras a que pertence, quem escreve com tamanha verve jamais perecerá na memória dos pósteros!
ResponderExcluirAo ensejo, parabenizo Roberto Kahlameyer pelo excelente trabalho de amostragem! Antonio Soares(ASO)
Caro Roberto Kahlmeyer.
ResponderExcluirQue obra prima a crônica de Sandro Rebel! Nem minha prima Isabel. Muito agradeço, tanto eu saber, lendo seu "blog".
Apoveito esta oportunidade, para eviar-lhe meus recentes versos.
Próximo domingo, "dia das Mães", desejo, o festeje em plena harmonia familiar. Tal, para mim e não só.
Abraço do amigo... José Pais de Moura.
Sandro dessa vez me derrubou. Não foi em vão que meu cardiologista me proibiu de abrir e mails
ResponderExcluirà noite. Muito lindo e sofrido o texto de Sandro. A vida passa e de repente...Já era. Dizer isso sem
pieguice é muito difícil. Sandro brilhou e Kahlmeyer, como sempre captou o brilho.
Branca Eloysa
Ai, que belo.
ResponderExcluirAi, que dor...
Como diz o Oscar Niemeyer num filme documentário sobre sua vida e carreira:
ResponderExcluir" - A vida é um sopro, a gente nasce, cresce e quando se vê puff, acabou, f*deu-se!"
Belo, sensível e dorido na mesma proporção: na proporção da vida!
ResponderExcluirParabéns ao Sandro Rebel
Legal, Roberto, muito bom!
ResponderExcluirMas quando você publicará a próxima edição do "Livros que marcaram Niterói". De quinzena em quinzena é muito espaço.
Leda Amarante
Não é difícil ser erudito, qualquer um com boa cultura pode acumular conhecimentos vários ou específicos e se tornar um erudito, e de eruditos há vários entre os úteis e os inúteis. Entretanto, sabedoria é artigo raro. Conversar com uma pessoa sábia ou ler um texto pleno de sabedoria é uma felicidade. E é assim que me sinto, feliz, após a leitura do texto do Sandro, meu querido confrade. Sandro é um homem sábio. Bela crônica, sincera, dorida... Bem ao estilo do Sandro, só faltou a auto-ironia... Mas sobrou seu talento, também característico, salpicado de certa melancolia. Excelente leitura.
ResponderExcluirCarlos Rosa Moreira.
Parabéns pelo belo texto.
ResponderExcluirBelvedere
Gratíssimo, Roberto, de coração, pela postagem de mais um trabalhinho meu, inclusive por havê-lo feito, desta vez, com um de teor bem diferente daquele que predominou nos dois outros editados no seu blog em 28 de janeiro e 25 de fevereiro últimos, eis que ambos, ao contrário do de agora, tinham conotações basicamente humorísticas. Faço este registro porque, como já lhe disse pessoalmente, acho importante que nós, praticantes do ofício de escrever, apresentemos ao nosso leitorado todas as “caras” com que o exercemos, a vermos, assim, qual delas tem maior ou menor aceitação ou, até, se nenhuma tem aceitação alguma... Quanto a ter eu cadeira cativa no seu blog, estou absolutamente seguro de que você só o disse, quando da apresentação do meu texto, ou traído por um súbito e momentâneo apagão da sua sempre luminosa capacidade de avaliação e análise crítica, ou movido por uma generosidade que se tornou extremada em razão da amizade que nos une. Por isso, e também porque estou plenamente ciente e consciente de que jamais teria condições literárias, intelectuais, culturais, enfim, para suportar o peso de tamanha honraria tão imerecida, esteja tranquilo: em tal cadeira nunca irei mesmo sequer tentar empossar-me. De resto, só me cumpre ainda é parabenizá-lo pelo vídeo que escolheu para ilustrar a postagem, eis que ele realmente se encaixou nela à perfeição. Abraços do
ResponderExcluirSandro
Estimado Sandro,
ResponderExcluirBelo texto. Nostalgicamente lírico, liricamente nostálgico.
Abç.
Wanderlino
Oi, Roberto
ResponderExcluirVenho aqui parabenizando você pela organização do seu blog!
Quero também destacar a crônica do meu pai, Sandro Rebel.
Ele descreve a vida de acordo com a maneira que ele sente, que ele percebe, com a elegância de um poeta.
Quando me refiro a este tema, não posso deixar de me lembrar dos trechos da música de Gonzaguinha, pois considero que somos eternos aprendizes:
Viver!
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz...
Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita...
Sandra Rebel