Sim, Sartre já sinalizara a precariedade da existência humana... Atualmente, falam os pós-modernos da fluidez dos mundos, dos amores líquidos, das vidas em risco... Seriam estas as novas formas de descrever o que os gregos sempre subministraram como o caráter “agônico” de nossas existências? Ainda dependeríamos dos helenos ou bastaria ir até Chico Buarque para intuir o que é este “agon”: “No peito a saudade cativa/ faz força pro tempo parar/mas eis que chega a roda viva/e carrega a saudade prá lá ...”
Quem for de coragem está convidado a experimentar essas disposições - com radicalidade - na prosa dorida de Branca Eloysa:
Da fragilidade de um projeto amoroso
Para Isa, In memoriam (Anita Heloisa Pedreira Ferreira Mantuano, 1953-2001).
Contam as lendas que em Belém nasceu o menino,
Eu conto que em Belém Maria deu à luz um menino. E como qualquer Maria, sentiu medo e dor, chorou, gritou, se confundiu, amou e desatinou. Pois de Marias nasceram Calígulas e Tibérios. Herodes e Pilatos. Cristos e Césares. Pedros e Paulos. E os Judas, coitados. E o guerreiro de farda dourada e o guerrilheiro de roupas esfarrapadas. E de Marias nasceram os Hitlers e os Lumumbas. E os Ches e os Pinochets. Os valentes e os covardes. Os torturados e os torturadores. Os santos e os demônios. Os gênios e os imbecis. Os sábios e os tolos. Os marginais e os domesticados. E os poetas, ah, os poetas...
E das Marias nasceram outras Marias. Benditos e malditos frutos dos nossos ventres. Ave, Marias.
E de repente, às vésperas do séc. XXI, as Marias começaram a gerar mais e mais, em procriação desenfreada. Uns diplomados, engravatados, adestrados. Outros descabelados, drogados, desesperados. Uns obscenamente superalimentados; outros pálidos vultos esfomeados. Uns que compunham canções, amavam as flores, os rios, os mares, as estrelas e as montanhas. E se amavam entre si. Outros que fabricavam canhões, hiroshimas e napalms. E mísseis, apontados para os próprios corações. E nem sabiam o quanto se odiavam.
E as Marias pariam. Em quartos luxuosos, refrigerados e floridos. No asfalto. Nos morros, nas caatingas, nos alagados. Cientificamente – provetas! – assépticas. Primitivamente – de cócoras – no esterco. Pariam. E umas diziam pela boca do consumo: “Este é o meu filho, muito prendado, cheio de doutorados!”. E outras pela boca do músico-poeta Chico Buarque: “Olhaí, olha o meu guri, olhaí, ele disse que chegava lá!...” Olhos secos, fixos na foto do filho assassinado, primeira página de um jornal qualquer.
E a fartura e a miséria – cara a cara – nos afligia. Éramos Marias.
Aí enlouquecemos. E saímos pelas ruas e praças – de maio, junho ou dezembro, pouco importa – e gritamos, e choramos, e imploramos, dizendo: “Basta!”
Surdos, cada qual com suas verdades, os homens continuavam a manipular suas maquinarias. Técnicos e tecnocratas.
E um dia, em universos longínquos, sábios extraterrenos registraram o desaparecimento de uma pequenina esfera azul, num sistema planetário X. Explodira contra todos os cálculos e possibilidades e deixara ecoando no espaço infinito um som estranho e pungente. Talvez o derradeiro gemido – vencido – das Marias, lamentando o terrível fracasso de seus projetos de vida e amor.
Há quem garanta que uma, só uma, escapou. Partiu para outra galáxia e recomeçou. Amou, procriou, acreditou, Ainda.
Isa, onde está você?
Branca,Belo texto. Esculpido em ferro e pedra, ainda assim deixa escapar ternura. Parabéns!Grande abraço,
ResponderExcluirWanderlino
Roberto, na postagem anterior o comentário feito por Affonso Romano de Sant'Anna é verdadeiro ou é um fake?
ResponderExcluirSeu Blog está bem frequentado, heim!?
Essa é a Branca. Branca Eloysa... lindo nome de uma linda mulher. Nome de escritora e poeta. Nome de heroina medieval. E heroina a Branca é. E é pedreira também, no sangue e nesse texto cheio de beleza, extraído daquela beleza que é "Rua Ana Barbosa, 45". Parabéns, Branca, que coisa bonita você escreveu.
ResponderExcluirCarlos Rosa Moreira.
Que coisa boa ouvir Branca Eloysa. Humana como uma Teresa de Calcutá sem ranços seráficos. Guerreira como uma Joana d'Arc sem fogueira, com direito a estátua de ouro. Ferro e pedra uma pinóia. Branca é sensibilidade, só sensibilidade. E precisava mais?
ResponderExcluirQuero lhe parabenizar pelo sucesso de seu blog, que se afirma como referência para o nosso meio literário. A propósito: estou preparando uma grande ofensiva da Nitpress na blogesfera. Identifiquei e cataloguei cerca de 400 blogs literários brasileiros, alguns deles importantes; muitos iniciativas de jovens leitores que precisamos conquistar. Estou alinhavando uma proposta de parceria para lhes oferecer e gostaria de contar com você como um dos principais parceiros dessa iniciativa, cujos detalhes depois conversaremos melhor.
ResponderExcluirLuiz Augusto Erthal (Publisher)
Este Blog é, de longe, o melhor espaço literário que conheço na internet.
ResponderExcluirRoberto.
ResponderExcluirInicialmente, uma informação: já estou podendo acessar seu blog sem qualquer problema.
Quanto ao texto de Branca Eloysa, é realmente muito bom, muito bem elaborado, carregado de sentimento..
Abç. Gilson
♫ ♪ ♫ "Roda mundo, roda-gigante, roda moínho, roda pião..." ♪ ♫ Tudin de bão!
ResponderExcluirBranca Eloysa eh 10!
Kahlmeyer, é esplêndida a carreira que você vem fazendo em Niterói!
ResponderExcluirParabéns,
Mauro Maia
Parabéns Mestre Roberto!
ResponderExcluirPor se lembrar da nossa querida Branca Eloysa, uma das mais dignas representantes da cultura de nossa terra, extraordinária mulher, a qual bem demonstra através de sua poética como também, por sua militância na defesa dos Direitos Humanos.
No movimento “Tortura Nunca Mais”, ela enfrentou a ditadura militar, no resgate do corpo de seu cunhado Aluízio Palhano, barbaramente assassinado nas dependências do DOI-CODI da Rua Tutóia, em S. Paulo na madrugada de 21 de maio de 1971.
Aluízio Palhano nasceu em S. Paulo e ainda jovem mudou-se para Niterói, onde concluiu o curso secundário no Colégio Plínio Leite. Formou-se advogado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Por duas vezes foi presidente do Sindicato dos Bancários.
Aluízio Palhano era funcionário do Banco do Brasil, onde trabalhou até ser cassado pelo AI-1 em 1964.
http://www.youtube.com/watch?v=7qkT0d6fCL4
O que é grande nasce grande! O Blog sempre foi legal, desde que foi criado!
ResponderExcluirParabéns aos articulistas do Literatura-Vivência!
Mauro Ramos
Roberto, gostei demais da publicação de texto meu no seu blog. Surprendi-me ao me pegar
ResponderExcluircomovida como se o tivesse escrito hoje. Qualquer adjetivação seria pobre para o que senti.
Talvez gratidão seja a palavra que mais se aproxime, pois li não sei onde que gratidão é a
memória do coração. Um grande abraço.
Branca Eloysa
Que bom ler a doce Branca...
ResponderExcluirBjs
Belvedere