quarta-feira, 27 de abril de 2011

Cantigas de acordar mulher, Geir Campos

Quem são os “atores” da Renascença Fluminense? As postagens anteriores suscitaram perguntar como essa. Essas desejam saber se teríamos talentos que pudessem encabeçar a proposta de um renascimento da cultura literária fluminense (e, se caso houvesse, quem seriam essas figuras). As postagens que se seguirão a esta vêm responder a essas indagações. Apresentaremos alguns dos escritores que compõem o significativo cenário da literatura fluminense (sejam eles vivos-atuantes ou pertencentes a um passado ainda muito vigente). Consideremos homenageados os nomes aqui contemplados; estejamos, pois, preparados para o que é reconhecido como o melhor e o mais louvável na literatura feita no Rio de Janeiro.

 


Cantigas de acordar mulher, Geir Campos


1.
Vagueio além de seu sono
com alma de marinheiro
feliz de chegar a um ponto
sem previsão de roteiro,
mais tonto de o descobrir
que de lhe ser estrangeiro.
Teu continente a dormir
- pouso de barco ligeiro -
pára os relógios num tempo
avesso a qualquer ponteiro:
nem sei se o fico vivendo
ou se te acordo primeiro.


2.
Eu te imagino acordando
para a primeira comunhão do amor.
Teu vestido de rezas (não são rosas)
costuradas por quem
as soube de ouvir também
vais despindo e ficando
com o uniforme natural de nadador;
gesto por gesto, vais passando a perceber
que em teu novo exercício pouco adianta
toda teoria
- como adianta pouco um salva-vidas
a quem prefere, entre dois nados, mergulhar...
Melhor que o nado, o mergulho desvenda
as mais profundas relações de corpo a mar.

3.
Das vozes que te embalavam
a esperança de menina
moça
guardaste mais, de tanto repisadas,
as perfumadas lições
da nobre arte de agarrar um homem.
De como te fazeres desejada,
amada porventura,
tudo aprendeste: os gestos, os meneios,
a graça de sorrir e de calar.
Hoje tens o teu homem
disposto a desdobrar-se em pão e vinho
para apagar tua fome.
por isso, que lhe hás de dar:
o trigo de tua pele, as uvas de tua boca?
Se sem a ponte do amor, tua lavoura é tão pouca...
Acorda: onde estão as vozes que te ensinaram a amar?

4.
Bom é sorrires, olhar
em mim: não vês
o inimigo, o rival
jamais.
Na caça, não serás
a presa; não serás,
no jogo, a prenda.
Partilharemos, sem meias
medidas,
a espera, o arroubo, o sono
e o gosto desse rir
dentro e fora do tempo
sempre que nova mente
acordares.

5.
Acorda, meu bem, acorda:
são horas de vigiar
feliz quem menos recorda
e faz do tempo passar
monjolo-pêndulo-corda
tocando um relógio de ar
onde o momento concorda
com ser eterno findar!
Acorda, meu bem, acorda
e ajuda teu madrugar:
a mão do dia transborda
de coisa para te dar.
(...)

(CAMPOS, Geir. Antologia poética.
Org. Israel Pedrosa. Rio de Janeiro: Léo Christiano, 2003. p.237-239)


3 comentários:

  1. Ui, ui, Roberto!
    Eu quero isso pra mim!...

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  2. Roberto Kahlmeyer,

    Seu blog tem algo de diabólico, de perfeitamente diabólico!
    Gostaria de lhe conhecer pessoalmente...

    Aryanna

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  3. Olá Dr. Kahlmeyer,
    Gostei muito.
    Eterna aprendiz, Edel

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